óleo de Ceija Stojka, cigana e sobrevivente dos campos
A xenofobia existe desde os tempos imemoriais! Desde que os
primeiros homens encontravam grupos diferentes e lhe arremessavam com as
lanças... Sentimento primário, pois, instintivo, de defesa da comunidade.
Tenderia a extinguir-se, com a civilização, com a sabedoria?, pergunto
eu. Mas tal não se verificou. Esse sentimento continua, escondido por outras palavras, mas é
sempre a fobia do outro, o medo e o ódio do que é diferente e é fácil aos manobradores
detrás das massas, algumas ignorantes de tudo, multidões cegas em que está
alterado o sentido do real.
Vem isto a propósito de um artigo de Jean Daniel, no Nouvel
Observateur de 24-30 Outubro, intitulado exactamente O medo e o ódio...
Referia a expulsão de uma família de Roms, em França,
família de que fazia parte uma jovem escolarizada, o que causou uma grande agitação.
Flaubert escrevera a Georges Sand, depois de
uma visita a um acampamento de ciganos, em Rouen, sua terra natal:
“É o ódio que se tem ao
Beduíno, ao Herético, ao filósofo, ao solitário, ao Poeta. E há medo nesse
ódio. A mim, que estou sempre do lado das minorias, exaspera-me. No dia em que
deixar de me indignar, caio para o lado, como uma boneca sem apoio.”
Ciganos, foto de Hans Silvester
Por curiosidade fui à procura na Correspondência de Flaubert
com George Sand, porque tinha uma vaga ideia do assunto. Felizmente
encontrei o que procurava, graças às notas a lápis que ponho no final do livro! É a carta nº 79, escrita
em Croisset, no dia 12 de Junho de 1867, numa quarta-feira à tarde.
Já agora transcrevo o
que ele escreveu, no parágrafo anterior, à sua grande amiga, George Sand, a quem chama sempre “mon cher maître”:
“Há oito dias fiquei pasmado diante de um acampamento de
ciganos que se instalaram em Rouen (*). É a terceira vez que os encontro. E sempre
com renovado prazer. É admirável como eles provocam o Ódio dos
Burgueses, apesar de inofensivos como carneirinhos. Fiquei muito mal visto pela
multidão, por lhes ter dado algumas moedas. E ouvi belas palavras cavalheiras
(de “jolis mots à la Prud’homme”).
Este ódio deve-se a um sentimento muito profundo e complexo. Encontramo-lo em
todas as gentes de sociedade.”
(Correspondance, Flaubert/ George Sand, Flammarion, 1981, Paris, p. 142)
(Correspondance, Flaubert/ George Sand, Flammarion, 1981, Paris, p. 142)
E passo a Jean Daniel, que continua :
“Flaubert tem uma razão
esmagadora. O povo sem terra ao qual os músicos tanto devem, este povo
ofendido, humilhado e desprezado há séculos merece ser reabilitado, reconhecido
e justificado. Claro que nem todos os Roms são músicos. Não basta ser Rom para
ser um anjo, nem devemos cair na afirmação oposta que conduz a dizer que “são
todos maravilhosos”, afirmação quanto a mim tão perigosa como dizer “todos
ladrões.”
Acampamento cercado, Ceija Stojka
Senti-me perfeitamente de acordo com Jean Daniel!
Um pouco de bom senso e compreensão e inteligência
das coisas é necessário. Sempre atentos ao que se esconde detrás de certas
fórmulas como essa “os ciganos são ladrões”...
São, ou não são, exactamente
como todos os outros povos!
Camille Pissarro e La Cours de la Reine à Rouen, 1890
(*) A nota 66 da página 142 explica por que razão os ciganos estiveram ali: "Chegados no dia 28 de Maio, quarenta e três indivíduos tipo Zingari, vindos do Indostão, a fugir das "invasões mongois" tinham plantado as tendas no Cours de La Reine, em Rouen.
Vue de la Cours de La Reine à Rouen, Camille Pissarro, 1888
Saíram no dia 6 de Junho em direcção ao Havre, onde iam embarcar para a América."(in Nouvelliste de Rouen, 30 de Maio e 8 de Junho de 1867).
Saíram no dia 6 de Junho em direcção ao Havre, onde iam embarcar para a América."(in Nouvelliste de Rouen, 30 de Maio e 8 de Junho de 1867).
"A mim, que estou sempre do lado das minorias, exaspera-me. No dia em que deixar de me indignar, caio para o lado, como uma boneca sem apoio.”
ResponderEliminarDe fato, ele: Gustave Flaubert não nos conhecia, mas tenho a certeza de que seria amigo de todas nós, de você, de Maria, da Carlota, da Cláudia, da Ana e de tantas outras pessoas que graças a Deus não perderam a capacidade de continuar andando.
Lindo o poste, roubo algumas coisas com todo o carinho.
bjs de todas nós.
Obrigada, queridas amigas, pelas palavras. Sempre do lado das minorias! Indignado-nos sempre com a injustiça!
Eliminarum beijo
Para mim há pessoas honestas e respeitadoras, e que merecem ser respeitadas e as que o não são, independentemente da raça, religião, cor, posição social...
ResponderEliminarGostei muito deste post!
Um beijinho grande :)
No chão existem estrêlas
ResponderEliminarSubscrevo na íntegra as palavras das nossas amigas!!
ResponderEliminarMais um post de grande nível, com que nos brindou.
Um beijinho para todas.:))
Uma realidade monstruosa: o racismo: o ódio ao Outro: ao cigano, ao negro, ao árabe, ao judeu... ao que for diferente e não seguir as regras hiper-burguesas de uma conduta egoística, fechada, estéril -VERGONHOSA.
ResponderEliminarNuma sociedade civilizada, todas as pessoas terão direito a exigir justiça e respeito! Para quando, essa premissa tão essencial?! Vai tudo desesperadamente devagar no aspecto dos direitos e obrigações, enquanto noutras coisas estamos a mudar a passos de gigante. Continua a ser a cadeira por aprovar, ontem e hoje.
ResponderEliminarTens toda a razão, é tão absurdo afirmar que todos os ciganos são isto ou aquilo, como seria o contrário, dizer que todos são maravilhosos.
Eu tenho uma grande admiração e respeito pelas nossas amigas vurdóns, porque são muito lutadoras defendendo a sua raça. Oxalá um dia já não seja preciso, graças a pessoas como elas.
Beijinho