Manet, "L'execution de l'empereur Maximilien" (1888)
Inesgotável a interpretação da pintura. Nunca tudo foi dito, há
sempre tanto para acrescentar...
Vou falar de um pintor de que gosto muito: Edouard Manet. O que é para mim? Ou o que foi... Uma descoberta fantástica,
no Jeu de Paume, em Paris, da primeira vez que lá fui, há uma data de anos! E, sempre, de outras vezes, o deslumbramento que foi para mim ver Manet e os outros Impressionistas!
Sentia a diferença dele: O traço do mestre, o respeito pela “perfeição”
da forma, o conhecimento da pintura que se lhe antecipou. Courbet? O Realismo?
Claro.
Courbet, retrato de Verlaine jovem
Manet, O repouso
No entanto, distinguia-se já o gosto de transgredir esses “moldes”. Há em Manet esfumaturas que não existiam nos pintores que o precederam. E a clareza das cores, o brilho dos rostos, a luminosidade, a sugestão do movimento, nos mares, nas prias, nos céus.
"Materialista" chamam-lhe num livrinho que comprei na National Gallery : “The Isms...” (Os ismos que tanto nos confundem sempre...)
Manet, Clair de Lune sur le port de Boulogne
Onde Materialismo ou "realismo social" é
definido como “crença de que uma pessoa é moralmente, intelectualmente ou
emocionalmente moldada por aquilo que a rodeia.”
Incluem nesse grupo Manet (1832-1883).
Reúne os pensamentos sobre a Arte, do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002), ao longo das suas lições no Collège de
France, de 1998 a 2000.
Como romper com o academismo? O que é uma revolução em arte –
são algumas das perguntas a que pretende responder.
Durante anos esses pensamentos perseguiram-no, interrogou-se
sobre eles. Um dos artistas que o interessou mais foi Edouard Manet a quem
dedicou muitas aulas dos seus cursos. Manet que aproxima do grande Gustave Flaubert.
“No caso de Flaubert e de Manet, dizia, penso que são
personagens que devem ser consideradas, no fundo, como “fundadores de campos”,
que partilham a paixão pelos mestres antigos, gigantes que sentem estar em
oposição aos contemporâneos, medíocres” (citado por Roger Chartier, Le Monde (1), de 1 de Novembro).
"A constituição desses campos
artísticos novos implica, pois, a
destruição do corpo académico que ditara as estéticas, monopolizava as
distinções e pronunciava as exclusões e as consagrações.” (in artigo citado).
E as “revoluções simbólicas” são as que “estabelecem
novas categorias de percepção e de conhecimento que se tornam tão naturais, tão
evidentes, que dificilmente se imaginará a violência da ruptura que instauraram.”
Bourdieu pretende analisar a história das lutas que os
pintores - e especialmente Manet - tiveram de sustentar para conquistarem a sua
autonomia "frente à Academia.”
Mediocridade? Eles defendem a contradição “pintar bem, pintando
o medíocre”, pensaria Manet, seguindo a afirmação de Flaubert:
“Ecrire bien le medíocre", insistia. Ou o vulgar?
Tal era a obsessão do escritor em escrever bem: a tensão existente entre a
exigência formal (escrever, pintar bem) e o conteúdo (que podia ser medíocr, por vezes).
Flaubert e Manet funcionaram como “heresiarcas” (assim lhes chama
Pierre Bourdieu), portadores de “heresias” (in Les Règles de l'Art, Seuil, 1992).
Revolucionários que impõem, de
dentro, um modo de percepção estética diversa, no seio da classe social a que pertencem e do próprio
mundo em que se criaram. Aprenderam com os “doutores” (com os Mestres) mas depois vieram para a praça pública divulgar os segredos e criticar os mestres...
“Revolucionários capitalistas” chamou-lhes Bourdieu porque
revolucionam dentro do próprio campo, a grande burguesia, classe a que os dois
pertenceram.
Partilham ambos a recusa da ilusão realista, pretendem a
pluralidade de pontos de vista no conto ou romance, como no quadro pintado.
Quebraram os temas, escolhendo assuntos “imorais” no seu tempo. Porque
quebravam os standards, aceitos no seu tempo, do bom gosto!
Edouard Manet vai "chocar" propositadamente os seus contemporâneos? Não voluntariamente. Ele tem que fazer a sua pintura, ele quer destruir o academismo da pintura que se faz no seu tempo. Por isso, necessariamente, a sua pintura é uma provocação...
relógio de outro tempo...
Edouard Manet vai "chocar" propositadamente os seus contemporâneos? Não voluntariamente. Ele tem que fazer a sua pintura, ele quer destruir o academismo da pintura que se faz no seu tempo. Por isso, necessariamente, a sua pintura é uma provocação...
Quer se trate do quadro Olympia ou do Déjeuner sur l’herbe,
vai ser o “uso” de uma figura de mulher nua, fora do contexto!
É "L'execution de l' Imperador Maximilien" (1868) que traz o escândalo.
Manet ataca aqui um género nobre -um acontecimento histórico e trágico. Fazia nele uma referência ao quadro de Francisco Goya, Tres de Mayo, 1814 (1746-1828). Depois do Levantamento de Dois de Maio que Goya pintou igualmente.
Levantamento do "Dos de Mayo" e "Tres de Mayo", Goya
No entanto, apesar desta dupla "referência cultural", Manet não parece levar a sério o tema, a perspectiva que apresenta é confusa: um soldado carrega a espingarda; os "futuros" fuzilados parecem estar encostados ao cano da espingarda. As leis da perspectiva falham, pensam os críticos.
E lá atrás um grupo de personagens, contemplando o espectáculo, empoleirados no muro, tornam a cena irrisória. No entanto, são os que vibram mais, entre desespero e pura contemplação da tragédia do imperador...
E lá atrás um grupo de personagens, contemplando o espectáculo, empoleirados no muro, tornam a cena irrisória. No entanto, são os que vibram mais, entre desespero e pura contemplação da tragédia do imperador...
Os contemporâneos
exasperaram-se com o que sentiram: o tom que havia de “paródia”, divertimento, no que era provocação.
Não há compreensão para o pintor: vão criticar, como erros, ou faltas, o que
o pintor pretende que sejam transgressões. As cenas de nus já tinham deixado "perplexos" (é o mínimo que se possa dizer...) os contemporâneos do pintor.
Em 1862 pinta o Déjeuner sur l'herbe, em 1863 pinta Olympia, dois quadros que vão criar polémica.
Em 1862 pinta o Déjeuner sur l'herbe, em 1863 pinta Olympia, dois quadros que vão criar polémica.
1862
1863
A nudez era permitida nos temas, nas molduras, clássicos. Num contexto mitológico: as deusas, as ninfas, Vénus e etc, tudo perfeito.
Mas aqui, entre o comum dos mortais? Uma mulher nua, tão deslocada naquele piquenique de burgueses?
Ou aquela outra, numa cama vulgar, acompanhada de uma negra? Quem é esta mulher?? Como se atreve o pintor???
Ou aquela outra, numa cama vulgar, acompanhada de uma negra? Quem é esta mulher?? Como se atreve o pintor???
O quadro choca porque não há nele as tais referências
clássicas: é apenas uma mulher nua, uma "mundana" num ambiente contemporâneo, anódino
dir-se-ia...
Como chocaram algumas figuras e situações de Flaubert, o “idiota
da família” como lhe chamou Sartre: sem ofensa nenhuma!
Apenas porque, “em vez de seguir os passos do pai (conhecido
médico), se desvia para uma carreira inexistente, um caminho não balizado, sem
segurança, sem certificado ou garantia dadas pelo Estado”.
De facto, os dois artistas, Manet e Flaubert- escolhem uma profissão
sem nome: a profissão de Mestre existe, mas o artista não existe ...
(1) Roger Chartier, no artigo de Le Monde, intitulado "Bourdieu au miroir de Manet", no suplemento de Cultura, de 1 de Novembro de 2013.
Sobre Pierre Bourdieu:
Sobre Edouard Manet:
Sobre Pierre Bourdieu:
Sobre o livro em si:
Debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=99617936017
Excelente viagem e partilha
ResponderEliminarNa verdade o amor é revolucionário
Bjs tantos
Gostei imenso deste post. Gosto de Manet.
ResponderEliminarPena que a sua foto esteja pequenina, mas mesmo assim gostei de a ver! Imagino como deve ter feito viagens inesquecíveis!
Um beijinho e bom fim-de-semana!
Sim, magnífico post. Sempre gostei de Manet, mas fiquei a saber mais. É verdade de que não há perspectiva, no quadro da execução, por exemplo, e que mais dá? Ele é um pintor fantástico que ficou para a História, e os que só criticavam, onde estarão....
ResponderEliminarBeijos, bom finde