É sempre bom voltar a Jane Austen. Como acontece com os bons
escritores, e com os bons livros, este romance, “Ema”, acompanha-me e dá-me uma
calma enorme.
Eu estava na Faculdade de Letras, com o estatuto de estudante voluntária, desde que me casara, e não frequentava as aulas. Por vezes alguma coisa perdia. Nesse ano, tinha deixado essa cadeira de Literatura para Outubro. Pedi-lhe ajuda e ele acedeu. Era um grande amigo meu.
Ia a casa dele, nas tardes quentes de Agosto e deu-me, então, algumas “lições” de Literatura Portuguesa.
Eu estava grávida do meu segundo filho, o Diogo, e sei que tinha um vestido-mamã de flores azuis, com uns folhinhos que eu adorava.
Era um professor extraordinário porque tornava simples, quase evidente, o que inicialmente o não era. Explicava e diferenciava os diversos movimentos literários, e eu compreendia melhor e ficava a ouvi-lo sem nunca me cansar...
Não vou falar mais desse momento, mas tenho tudo gravado na memória.
Confesso que nunca lhe devolvi o livro, penso que intencionalmente. Por uma questão afectiva, acho que decidi guardar para mim o livrinho. Guardo-o na estante, na prateleira que fica mesmo detrás da minha cabeça - quando me sento no sofá, a ler. Ali está ele, com uma linda capa, e o seu nome assinado com a data de 1944.
popularidade de Jane Austen ainda hoje: o selo saído em 2012
Têm os mesmos sentimentos, manias, egoísmos. O convencimento de uns, a insegurança de outros (ou a aparente ingenuidade), a teimosia, etc...
As mudanças da vida, também, e a dificuldade que alguns têm em
aceitá-las, agarrados ao seu egocentrismo, ou às velhas seguranças do tempo “deles”, tal como existem no nossos dias. E os temas que aproximam ou afastam são os mesmos: amores e separações, casamentos, cobiças, desentendimentos.
Sobre o
pai de Ema escreveu Austen: “Era um homem nervoso, facilmente deprimível; amigo de todos com
quem estava habituado, detestava separar-se deles, pelo ódio que tinha a qualquer
mudança.”
Nunca se conformara com o casamento da filha mais velha. E quando a perceptora das filhas decide casar, sofre, sente-se abandonado, traído...
Ema é Romola Garai e o pai, Michael Gambon
Jane Austen analisa, com inteligência: “Ainda não conformado com o casamento de Isabella, já era obrigado outra vez a
separar-se, agora de Miss Taylor e, com os hábitos de leve egoísmo e de incapacidade
de conceber que os outros pudessem sentir de maneira diferente, dispunha-se a
sentir que o enlace fora um passo tão triste para Miss Taylor como para ele e
para a filha.” (pgs.10-11)
Miss Taylor fora a perceptora, a educadora dedicada de Ema e de Isabela desde
que a mãe falecera.
Por sua vez, Ema, a heroína, também tem os seus defeitos apontados: "Os seus males reais, apesar de tantas
qualidades que todos lhe reconheciam, eram a possibilidade de levar a sua
avante, em demasia, e certa propensão para pensar um pouco bem de mais de si
própria.”
Gwyneth Paltrow
Cito outras passagens de Austen, que podem dar a ideia da actualidade da escritora, na análise dos sentimentos.
“O senhor -que teve sempre liberdade de acção- fala bem...
Neste mundo há pior juiz das dificuldades de um estado de dependência (...). O
senhor não sabe o que é lidar com feitios.” (p. 164)
Dirigia-se a Mr. Knightley que lhe respondeu: “Há uma coisa,
Ema, que um homem pode sempre fazer, se quiser –o seu dever. Não com ardis e
subtilezas mas com firmeza e decisão.”
Critica a preguiça e quem não se esforça em aprender, e continua: "Tenho a certeza de
que ele também havia de ser capaz de decifrar, palavra por palavra, se não
tivesse ninguém que o fizesse por ele em seu lugar...
Sobre Ema, diz a sua velha amiga Miss Taylor que não era um
carácter fraco: "ela saberia sempre pôr-se (...) à altura da situação, e o seu
bom-senso, energia e inteligência ajudariam a suportar alegremente certas
contrariedades (...)”(p.22)
O maior problema de Ema é afinal ter-se em grande conta e
gostar de decidir (o bem) da vida dos outros.
Auto-convencimento, orgulho? Porque tem a mania de que ela é que sabe tudo sobre ela e sobre os outros? Decerto, mas também vontade de ajudar os outros...
Auto-convencimento, orgulho? Porque tem a mania de que ela é que sabe tudo sobre ela e sobre os outros? Decerto, mas também vontade de ajudar os outros...
Assim, a sua nova pupila, a jovem e inexperiente e ignorante, Harriet, iria aprender tudo o que necessitava: “ajudá-la-ia a formar as suas opiniões e os seus modos”.
Ela pensava preparar-lhe, ao seu gosto, o casamento, sem perceber que estava errada em tudo. Quando decide mesmo casá-la com Mr. Elton, é um desastre!
Enganou-se neste caso e muitas vezes, como é natural.Ela pensava preparar-lhe, ao seu gosto, o casamento, sem perceber que estava errada em tudo. Quando decide mesmo casá-la com Mr. Elton, é um desastre!
É um romance bom em que se aprende alguma coisa, além do prazer que dá lê-lo!
Adaptações:
Existe um filme tirado do romance "Emma", realizado por Douglas McGrath (1996), com Gwyneth Paltrow e Jeremy Northam e um outro na mesma data menos famoso; Existe uma série da BBC (2009), adaptação e realização de Sandy Welch, com Romola Gari e o grande Michael Gambon.
Existe um filme tirado do romance "Emma", realizado por Douglas McGrath (1996), com Gwyneth Paltrow e Jeremy Northam e um outro na mesma data menos famoso; Existe uma série da BBC (2009), adaptação e realização de Sandy Welch, com Romola Gari e o grande Michael Gambon.
filme UK/USA
Série da BBC
Gosto muito de Jane Austen, mas nem sei o que li dela. Foi há tanto tempo. Tenho alguns livros dela, mas ainda não os li todos.
ResponderEliminarAdorei o post, porque gosto da maneira como nos leva a querer ler tudo sobre os autores. Fica-se com vontade de ir a correr buscar os livros à estante...
Estava com saudades dos amiguinhos Ratinho Poeta e Ouricinho! Foi bom vê-los por aqui, pode ser que esteja para sair uma nova aventura...
Um beijinho grande :)
Que coisa mais linda de se ler, de aprender e ver como você é uma pessoa apaixonante.
ResponderEliminarbjs querida amiga,
sempre saudades.
Querida MJ, mas que relíquia tem entre mãos!! Não só o facto do livro em questão ter sido pertença de José Régio e estar assinado por ele, mas todo esse conjunto de recordações maravilhosas.
ResponderEliminarNunca li esta obra.
Obrigada por este magnífico post, repleto de beleza e sensibilidade.
Um beijinho muito terno.:))