segunda-feira, 11 de novembro de 2013

VOLTAR A JANE AUSTEN E “EMA”








É sempre bom voltar a Jane Austen. Como acontece com os bons escritores, e com os bons livros, este romance, “Ema”, acompanha-me e dá-me uma calma enorme. 


O volume onde leio, é uma tradução (aliás, uma “adaptação” livre) da Inquérito, de 1944.

Tem a particularidade muito valiosa para mim que é o facto de me ter sido “emprestado” por José Régio, numas férias de Verão, em Portalegre. 



Eu estava na Faculdade de Letras, com o estatuto de estudante voluntária, desde que me casara,  e não frequentava as aulas. Por vezes alguma coisa perdia. Nesse ano, tinha deixado essa cadeira de Literatura para Outubro. Pedi-lhe ajuda e ele acedeu. Era um grande amigo meu. 

Ia a casa dele, nas tardes quentes de Agosto e deu-me, então, algumas “lições” de Literatura Portuguesa. 

Eu estava grávida do meu segundo filho, o Diogo, e sei que tinha um vestido-mamã de flores azuis, com uns folhinhos que eu adorava.

Era um professor extraordinário porque tornava simples, quase evidente, o que inicialmente o não era. Explicava e diferenciava os diversos movimentos literários, e eu compreendia melhor e ficava a ouvi-lo sem nunca me cansar...

Não vou falar mais desse momento, mas tenho tudo gravado na memória.

Confesso que nunca lhe devolvi o livro, penso que intencionalmente. Por uma questão afectiva, acho que decidi guardar para mim o livrinho. Guardo-o na estante, na prateleira que fica mesmo detrás da minha cabeça - quando me sento no sofá, a ler. Ali está ele, com uma linda capa, e o seu nome assinado com a data de 1944. 


Os problemas da vida estão bem representados nos romances de Jane Austen.  As suas personagens, apesar da distância no tempo, nos costumes, na sociedade tão diferente, do século XIX inglês, falam connosco, têm vida, agilidade, movem-se como os seres humanos de hoje.
popularidade de Jane Austen ainda hoje: o selo saído em 2012

Têm os mesmos sentimentos, manias, egoísmos. O convencimento de uns, a insegurança de outros (ou a aparente ingenuidade), a teimosia, etc...

As mudanças da vida, também, e a dificuldade que alguns têm em aceitá-las, agarrados ao seu egocentrismo, ou às velhas seguranças do tempo “deles”, tal como existem no nossos dias. E os temas que aproximam ou afastam são os mesmos: amores e separações,  casamentos, cobiças, desentendimentos.

Sobre  o pai de Ema escreveu Austen: “Era um homem nervoso, facilmente deprimível; amigo de todos com quem estava habituado, detestava separar-se deles, pelo ódio que tinha a qualquer mudança.”

Nunca se conformara com o casamento da filha mais velha. E quando a perceptora das filhas decide casar, sofre, sente-se abandonado, traído...

Ema é Romola Garai e o pai, Michael Gambon 

Jane Austen analisa, com inteligência: “Ainda não conformado com o casamento de Isabella, já era obrigado outra vez a separar-se, agora de Miss Taylor e, com os hábitos de leve egoísmo e de incapacidade de conceber que os outros pudessem sentir de maneira diferente, dispunha-se a sentir que o enlace fora um passo tão triste para Miss Taylor como para ele e para a filha.” (pgs.10-11)

Miss Taylor fora a perceptora, a educadora dedicada de Ema e de Isabela desde que a mãe falecera.

Por sua vez,  Ema, a heroína, também tem os seus defeitos apontados: "Os seus males reais, apesar de tantas qualidades que todos lhe reconheciam, eram a possibilidade de levar a sua avante, em demasia, e certa propensão para pensar um pouco bem de mais de si própria.”
Gwyneth Paltrow


Cito outras passagens de Austen, que podem dar a ideia da actualidade da escritora, na análise dos sentimentos.

sobre Jane Austen, há muitos livros!

“O senhor -que teve sempre liberdade de acção- fala bem... Neste mundo há pior juiz das dificuldades de um estado de dependência (...). O senhor não sabe o que é lidar com feitios.” (p. 164)

Dirigia-se a Mr. Knightley que lhe respondeu: “Há uma coisa, Ema, que um homem pode sempre fazer, se quiser –o seu dever. Não com ardis e subtilezas mas com firmeza e decisão.”

Critica a preguiça e quem não se esforça em aprender, e continua: "Tenho a certeza de que ele também havia de ser capaz de decifrar, palavra por palavra, se não tivesse ninguém que o fizesse por ele em seu lugar...

Sobre Ema, diz a sua velha amiga Miss Taylor que não era um carácter fraco: "ela saberia sempre pôr-se (...) à altura da situação, e o seu bom-senso, energia e inteligência ajudariam a suportar alegremente certas contrariedades (...)”(p.22)


O maior problema de Ema é afinal ter-se em grande conta e gostar de decidir (o bem) da vida dos outros. 

Auto-convencimento, orgulho? Porque tem a  mania  de que ela é que sabe tudo sobre ela e sobre os outros? Decerto, mas também vontade de ajudar os outros...

Assim, a sua nova pupila, a jovem e inexperiente e ignorante, Harriet,  iria aprender tudo o que necessitava: “ajudá-la-ia a formar as suas opiniões e os seus modos”. 

Ela pensava preparar-lhe, ao seu gosto, o casamento, sem perceber que estava errada em tudo. Quando decide mesmo casá-la com Mr. Elton, é um desastre! 

Enganou-se neste caso e muitas vezes, como é natural.

É um romance bom em que se aprende alguma coisa, além do prazer que dá lê-lo!



Adaptações:

Existe um filme tirado do romance "Emma", realizado por Douglas McGrath (1996), com Gwyneth Paltrow e Jeremy Northam e um outro na mesma data menos famoso; Existe uma série da BBC (2009), adaptação e realização de Sandy Welch, com Romola Gari e o grande Michael Gambon.


filme UK/USA

Série da BBC

3 comentários:

  1. Gosto muito de Jane Austen, mas nem sei o que li dela. Foi há tanto tempo. Tenho alguns livros dela, mas ainda não os li todos.

    Adorei o post, porque gosto da maneira como nos leva a querer ler tudo sobre os autores. Fica-se com vontade de ir a correr buscar os livros à estante...
    Estava com saudades dos amiguinhos Ratinho Poeta e Ouricinho! Foi bom vê-los por aqui, pode ser que esteja para sair uma nova aventura...
    Um beijinho grande :)

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  2. Que coisa mais linda de se ler, de aprender e ver como você é uma pessoa apaixonante.

    bjs querida amiga,

    sempre saudades.

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  3. Querida MJ, mas que relíquia tem entre mãos!! Não só o facto do livro em questão ter sido pertença de José Régio e estar assinado por ele, mas todo esse conjunto de recordações maravilhosas.
    Nunca li esta obra.
    Obrigada por este magnífico post, repleto de beleza e sensibilidade.
    Um beijinho muito terno.:))

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