Parece-me que a cozinha tem certos atractivos especiais. De
facto, dou por mim sempre rodeada de alguém, por ali às voltas, conversando ou
esperando algum “break” para enganar a fome até ao almoço.
Nessa tarde, estavam encantados a olhar para ao prato com as azeitonas que eu colhera na varanda, de manhãzinha.
Olhavam, circunspectos como se tivessem sido eles os seus criadores. Dir-se-iam duas galinhas a olhar para os ovos, acabados de pôr...
Olhavam, circunspectos como se tivessem sido eles os seus criadores. Dir-se-iam duas galinhas a olhar para os ovos, acabados de pôr...
- Ó Ratinho, viste a cor delas?
Era o Ouricinho de olho bem aberto quando me
viu entrar. Lavei-as e pu-las numa tigela com água. O Ouricinho estava de dedo espetado e perguntou:
- Posso lá meter o dedo?
Por que diabo queria lá meter o dedo? Não respondi. Ele meteu.
- Tantas cores! Bem, seria melhor dizer matizes, não é?, perguntou o Ratinho, que sabe falar com propriedade, como ele diz.
- Tantas cores! Bem, seria melhor dizer matizes, não é?, perguntou o Ratinho, que sabe falar com propriedade, como ele diz.
A Gatinha japonesa que tinha estado a fazer a toilette no meu quarto, participava agora do encontro na cozinha, sempre
muito arranjadinha no seu kimono azul e cor de rosa e a malinha na mão. Mostrava o entusiasmo, com muitos gritinhos e exclamações ditas com suavidade.
O Ratinho tinha ido buscar uma colher de pau e mexia umas quinze
azeitonas dentro da água.
- É água do Luso, não é?, constatou o Ouricinho, ao ver o
garrafão de água ao lado.
- Foi o que disse a D. Fernanda lá no Monte dos Apóstolos. Se
não, com a água toda torneira, as azeitonas ficam moles..., insistiu.
- Sim, eu também ouvi, disse o Ratinho com ar convencido.
Por isso é que estou a remexê-las devagar.
- Tem que se mudar a água todas as vezes que estiver turva!
Não te esqueças...
E o Ouricinho, sentado no saleiro, espreitava por cima do ombro da Gatinha,
que se aproximara para ver melhor o que se passava.
- Um trabalhão, não é?, perguntou ela.
O Ratinho respondeu:
- A agricultura dá muito trabalho, exige muitos cuidados! E...
- Oh! Sim! Tanta coisa para fazer nos campos! Plantar,
sachar, mondar... E depois colher!
Pensou um bocadinho e acrescentou:
- Ouvi dizer que a colheita da azeitona é muito dura! Porque
está frio e as mãos gelam aos que as apanham. E a posição da cabeça a olhar para
cima é má...
Onde teria ido saber tanta informação?
Olhava em frente, sonhador, encostado à tigela:
- Lembras-te, ó Poeta, dos campos lá do monte? Eram um
encanto de tão verdinhos! E o cheiro da terra molhada?
- Claro que me lembro! Foi naquela manhã em que choveu! E nós
a ver tudo à janela! Campos sem fim, tantas oliveiras grandes, cheias de
azeitonas.
- E os passarinhos, Dani, lembras-te? Na gaiola... Era tão bom que pudessem andar soltos pelas mesas, a debicar tudo!
- E os cavalos, Dani? ? Esses andavam soltos!
O rosto do Ratinho iluminara-se:
O rosto do Ratinho iluminara-se:
- Sim, a beleza do cavalo branco! E livre!
Também eu me lembrava do cavalo branco, em liberdade, sem sela...
Também eu me lembrava do cavalo branco, em liberdade, sem sela...
- E as couves lá na nossa varanda? Estão a crescer
como devem? Estivemos a vê-las ontem.
- Têm bichos! Uma data de buraquinhos, disse logo o
Ratinho. Não temos couves para o bacalhau do Natal!
- É verdade, concordei eu. Estava lá uma lagarta e eu não
conseguia encontrá-la. Comeu um bom bocado das folhas. Tenrinhas como eram...
- Oh! Elas sabem camuflar-se, são danadas!, disse o Ratinho.
Rainhas da camuflagem!
- E se a encontrares, o que lhe fazes? Mata-la?, perguntou o
Ouricinho, triste.
Achei melhor contar-lhes tudo...
Achei melhor contar-lhes tudo...
- Já a encontrei, Ouricinho, e não mato. Não sou capaz. Tirei-a da folha e
...
- E...? E o quê?, insistiu ele, com medo.
- Olha, deitei-a lá para baixo, embrulhada numa folha de
alface. Há lá plantas por baixo da janela.
- Bem...
Concordaram os dois, acenando com a cabeça. A Gatinha ficou
calada. Não sei se ela tinha percebido a conversa e se sabia o que era uma
lagarta da couve.
- Sim, fizeste bem, repetiu o Ratinho. Adiaste-lhe a morte...É o
que fazemos todos nesta vida. Cadáveres adiados que somos...
Quase esperei que me viesse com os versos do Fernando Pessoa,
mas, felizmente, não veio. Ouvi-os, na minha cabeça, e sei que ele pensou neles.
O Ratinho é muito culto!
Ele encolheu os ombros, como se não houvesse mais a dizer sobre o assunto, e voltou-se para a taça das azeitonas, dizendo:
“Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria”
Ele encolheu os ombros, como se não houvesse mais a dizer sobre o assunto, e voltou-se para a taça das azeitonas, dizendo:
- Vamos tratar bem as azeitonas, para não se estragarem!
Ainda não desisti de comer uma azeitoninha boa, bem temperada com orégãos e alho! Sem amargor...
- Oh! Claro, riu-se o Ouricinho. As azeitonas da nossa
varanda! Ia caindo do ramo, da última vez!
E, a rir-se para mim, brincando, como ele gosta:
- E o azeite? Fica para a próxima apanha, não é? Ainda lá tens umas vinte...
Tive de me rir.
E, a rir-se para mim, brincando, como ele gosta:
- E o azeite? Fica para a próxima apanha, não é? Ainda lá tens umas vinte...
Tive de me rir.
- Azeite?
Ao pensar no que seria fazer azeite com aquela quantidade de
azeitonas, respondi, muito séria:
- Os trabalhos agrícolas são muito difíceis... Conseguiremos nós fazer azeite?
Eles riram-se e não me responderam. Estava uma bela tarde de Outono na cozinha. Deixámos os trabalhos e pusemo-nos a conversar! Há tanta coisa para ver nas cozinhas! E tanta boa conversa com aqueles três amigos!
Ao ratinho não se lhe escapa uma...
ResponderEliminarQuantas azeitonas em um povo tão pequeno!!!
Ainda te hei-de ver a fazer azeite tu, meio copo, que é uma boa colheita, para uma varanda. Gostei da ideia de lançar o bicho em para-quedas, para ter uma morte mais suave. Bonita maneira de enganar a consciência! Tens que reconhecer que o mataste, com couve ou sem couve, né?
QUE COISA MAIS LINDA VIR AQUI, ADOREI VER ESSES DOIS APRONTANDO E DANDO A MESTRE CUCA.
ResponderEliminarAMO AZEITES, AZEITONAS E TUDO O RESTO DESSE PAPO...
BJS MUITOS DE TODAS NÓS.
O que eu gosto destas histórias!!
ResponderEliminarAchei essa produção de azeitonas o máximo! Fiquei com vontade de ter uma oliveira na minha varanda...mas tenho um loureiro.
Também faço o mesmo à bicharada; apanho-os num papelito e vão janela fora - aranhas, corta-unhas e outros ( uma vez tinha uma pequena osga na sala, mas essa, com muita pena minha, não se deixou apanhar e acabei por matá-la)...
Adorei a foto dos amiguinhos na couve (do Natal!)...e a do passarinho, e todas!
Já tinha saudades destas histórias, que a brincar nos fazem pensar.
O trabalho do campo é difícil e devia ser bem valorizado.
Adorei todo o post!
Um beijinho grande :)