Descobri
esta entrevista numa pasta onde em tempos me dava ao trabalho de guardar o que
não queria perder.
Uma
boa entrevista a El País, de Mateo Torres, na página cultural “Babélia” (de 22 de Janeiro de
2005).
Creio
que a primeira pergunta era:
- Por que escreve sempre sobre os judeus?
- Por que escreve sempre sobre os judeus?
“Escrevo
sobre os 100 anos da solidão hebraica. Nada
mudou durante estes anos, a solidão hebraica continua…"
- A sua condição de judeu é essencial na sua escrita? Determinou o seu destino
como escritor e como homem?
“Nasci
em 1932 e tinha 7 anos quando estalou a IIª Guerra Mundial. Só pude estudar o
curso elementar. A minha mãe mataram-na e vi-me obrigado a separar-me do meu
pai. Converti-me num órfão, uma pessoa sozinha.
Comecei a interrogar-me por que me queriam matar também, o que tinha eu feito de mal? Por que razão mataram os meus pais? Eu vinha de uma família profundamente assimilada ao ambiente em que viviam e os meus pais nunca se consideraram “judeus” mas sim europeus. Depois, meteram-nos nos comboios em comboios e levaram-nos prisioneiros pata campos de concentração.
Por quê? Que mal tínhamos feito? Estas perguntas faço-as constantemente nos meus livros e nos meus diários. Pergunto: o que fizemos, que cupa tem o povo judaico, por que nos odeiam tanto?"
Comecei a interrogar-me por que me queriam matar também, o que tinha eu feito de mal? Por que razão mataram os meus pais? Eu vinha de uma família profundamente assimilada ao ambiente em que viviam e os meus pais nunca se consideraram “judeus” mas sim europeus. Depois, meteram-nos nos comboios em comboios e levaram-nos prisioneiros pata campos de concentração.
Por quê? Que mal tínhamos feito? Estas perguntas faço-as constantemente nos meus livros e nos meus diários. Pergunto: o que fizemos, que cupa tem o povo judaico, por que nos odeiam tanto?"
- Foi isso o que o levou a ser sionista?
“Não
sou sionista. Simplesmente sou um ser humano que está aqui por destino. Quando
cheguei a Israel tinha 13 anos e meio e toda a minha vida se resumia ao 1º ano
da primária. Vim com um grupo de órfãos, de velhos e de doentes, todos judeus.
Isto foi em 1946. Não se pode dizer que viesse de uma família judaica ou
sionista, sim de uma família europeia. Vim para cá como uma pessoa perdida e
só. (…) Foi uma opção existencial.”
E, digo eu, de
sobrevivência, também. De facto, é separado do pai quando os alemães entram em
casa e o levam. O pai tinha-o escondido num depósito onde, depois, alguns vizinhos polacos, lhe iam dar comida. Às
vezes. Um dia foge... É levado para um campo de concentração. Volta a fugir.
O pai esteve preso num campo de concentração - e o destino separa-os. O campo é depois libertado pelos russos. Sabendo a mulher morta julgou que o filho de 8 anos não teria sobrevivido sozinho. Decidiu ficar na Rússia, voltou a casar.
Um dia, passados mais de 20 anos, decide ir para Israel e descobre que o filho tinha sobrevivido, era professor da Universidade ...e tinha 30 anos!
Conheci Appelfeld, em 2000, ou talvez antes, quando vivia em Telavive e o escritor em Mevasseret Zion, perto de Jerusalém. Fomos almoçar com ele na Cafetaria onde ia escrever todas as manhãs, num bairro tranquilo de Jerusalém. E deslumbrou-me o olhar sereno, a inteligência tranquila e a simplicidade.
Voltámos a encontrá-lo, em 2008, quando voltei a Israel nessa mesma Cafetaria que se chama "Tmol shilshom" ("Ontem e Anteontem", em inglês "Only Yesterday", fr. "Le Chien Balak"), do nome do livro de S.Y. Agnon (**), um dos mais considerados escritores israelitas. E um dos livros fundamentais sobre Israel.
O encanto manteve-se, o prazer da conversa e a calma que o envolvia também.
Mas continuemos com a entrevista:
- Escreve sobre o Holocausto : é um escritor de tema monográfico?
"Escrevo sobre o fenómeno do judeu moderno. Mais precisamente: sobre os 100 anos de solidão dos judeus. (…) "
O pai esteve preso num campo de concentração - e o destino separa-os. O campo é depois libertado pelos russos. Sabendo a mulher morta julgou que o filho de 8 anos não teria sobrevivido sozinho. Decidiu ficar na Rússia, voltou a casar.
Um dia, passados mais de 20 anos, decide ir para Israel e descobre que o filho tinha sobrevivido, era professor da Universidade ...e tinha 30 anos!
Reuven Rubin, paisagem da Galileia
Conheci Appelfeld, em 2000, ou talvez antes, quando vivia em Telavive e o escritor em Mevasseret Zion, perto de Jerusalém. Fomos almoçar com ele na Cafetaria onde ia escrever todas as manhãs, num bairro tranquilo de Jerusalém. E deslumbrou-me o olhar sereno, a inteligência tranquila e a simplicidade.
Cafetaria "Tmol shilshom"
Appelfeld e eu (não resisti...)
o ambiente da Cafetaria
O encanto manteve-se, o prazer da conversa e a calma que o envolvia também.
- Escreve sobre o Holocausto : é um escritor de tema monográfico?
"Escrevo sobre o fenómeno do judeu moderno. Mais precisamente: sobre os 100 anos de solidão dos judeus. (…) "
- Agora que se cumprem 60 anos sobre a libertação de Auschwitz, quer dizer algo?
Lembra a infância malograda, a sua orfandade precoce, com 8 anos:
“Foi
com certeza o acontecimento mais cruel do século XX. Mataram 6 milhões. Velhos
e crianças foram assassinados ‘só’ por serem judeus. Seis milhões. Não
interessava que fossem bons ou maus. Só interessava a biologia, que o sangue do
teu corpo fosse judeu. Então, merecias a morte.
(…)
Ocorreu numa nação que era a mais culta da Europa. Então, quando se fala do
Holocausto tem de se falar da civilização mais desenvolvida da Europa e do
significado da civilização ocidental.
Eram
pessoas que se consideravam ‘europeus’ como os outros. Nunca imaginaram que iam
ser odiados por serem judeus. E havia na Europa judeus de todos
os tipos: comunistas, liberais, anarquistas, ou outra coisa.
Os
judeus viviam na Europa há dois mil anos ou mais. Eram parte da Europa, da
Espanha e de todos os países em que contribuíram para a sua cultura, na medicina,
no direito e em todas as áreas. Faziam parte das ‘elites’ culturais. Freud,
Einstein, Marx eram judeus.”
Lembra a infância malograda, a sua orfandade precoce, com 8 anos:
“Quando
alguém cresce sem mãe converte-se em alguém mais alerta em relação aos outros.
Tem que os ouvir porque depende deles. Vivia com eles e tinha que viver como
eles, tinha que me comportar como eles e estudar a sua natureza. Foi essa a
minha escola de vida. Na minha infância, ‘adoptaram-me’ os criminosos sem saber
que eu era judeu, e os ladrões, as prostitutas, gente marginal. E eu adoptava
pais e mães para não ser órfão..."
-
E o exército russo?
“Em
1944, tinha eu 12 anos, os russos libertaram a área onde eu vivia e integrei-me no
exército deles como ajudante de cozinheiro. Foi uma grande experiência e
portaram-se bem comigo. Tinha comida e aquela gente não me queria matar.”
-
É um escritor judeu - não é universalista…
“A
regra é simples: cada um tem de ser como é. Nasci judeu numa família judaica
assimilada. Os meus livros estão traduzidos em 32 línguas. Se eles não fossem
universais não teriam sido traduzidos. Os escritores espanhóis por exemplo,
falam de gentes espanholas e, se são bons, tornam-se universais. Kafka
é universal, mas continua a ser judeu. ”
-
É crente?
“Não
no sentido tradicional, mas sim no sentido de que vivemos num mundo em que
existe uma grande quantidade de coisas maravilhosas. Não sou um crente
institucional.”
(*) Aharon Appelfeld nasceu em 1932, em Czernowitz, Bukovina, na Roménia, hoje Ucrânia.
(**) S.Y.Agnon, Prémio Nobel 1966, com Noelle Sachs, nasceu em 17 Julho 1888 e morreu em 17 Fevereiro 1970
(*) Aharon Appelfeld nasceu
em 1932, em Czernowitz, Bukovina, na Roménia, hoje Ucrânia.
Muito interessante este post, pelo que nos dá a conhecer sobre o autor.
ResponderEliminarAs guerras são terríveis, sejam por que motivos forem, assim como qualquer tipo de racismo é terrível.
O mundo podia ser muito melhor, se as pessoas (algumas, muitas) não fossem tão gananciosas.
Gostei muito de a ver na fotografia e fez muito bem em...não resistir!
Um beijinho grande :)
No fundo Appelfeld pensa como Karl Popper, que os judeus deviam ter sido sempre e simplesmente cidadãos europeus, integrados nos respectivos países de origem, que é como ele mesmo se sentia, um filósofo austríaco, paladino do sentido comum.
ResponderEliminarMas por desgraça, como ele bem disse, "só os erros da ciência são criticados e corrigidos".
Bom finde, já outra vez!!
Não, Maria, os judeus têm o direito de viver na sua terra: Israel. É um país fabuloso, generoso, abreto. Vivi lá 5 anos e fui recebido de braços abertos. Traduzido, lido, estimado. Gente generosa e admirável. Um mundo de Humanismo e Cultura.
ResponderEliminarManuel Poppe