Vi, há uns meses, O Ovo da Serpente, de Bergman. Um filme duro (como ele sabe fazer),
assustador e verdadeiro.
É de 1977 e, no entanto, fez-me pensar na realidade de
hoje.
Já explico - o que nem é difícil de perceber para quem viu o filme, que vale, realmente, a pena ver.
Já explico - o que nem é difícil de perceber para quem viu o filme, que vale, realmente, a pena ver.
Porquê? Porque mostra uma sociedade de medo, porque se “adivinha” a vinda de algo perigoso que se
desconhece. Porque os valores se perderam e é o salve-se quem puder.
E hoje estamos quase a viver, de novo, esses dramas e esses medos...
E hoje estamos quase a viver, de novo, esses dramas e esses medos...
O filme passa-se, em Novembro de 1923, em Berlim. Numa Berlim massacrada e humilhada pela derrota da guerra, em 1918; uma
Berlim empobrecida e onde não há que comer, em que existe a hiperinflação e o mercado negro - e os
vários mercados de todas as espécies; onde quem pode, compra e quem não pode, vende-se…
Um sub-mundo em que cada um faz o que pode para se salvar da miséria total e sobreviver no
dia a dia. Foi o erro dos Aliados? Não sei se foi. Mas já alguém disse que o vencedor
não deve humilhar os vencidos. E Alexandre Magno, grande conquistador da antiguidade clássica bem o sabia, ele que nunca "humilhou" os que vencia -muito pelo contrário.
Uma guerra é uma guerra e houve
muitas ao longo dos séculos, porém nem todas deram origem ao que esta deu: uma
segunda guerra muito pior e a chegada ao poder de um louco inteligente que “percebe”
as frustrações daquela gente, que lhes recria sonhos de vitória e de grandeza, que lhes
explica que vão voltar a ser como dantes.
O
filme dá essa atmosfera de uma cidade sombria, em Novembro. Arrastam-se pessoas
sem esperança, sem olhar para o céu, sempre cinzento. As ruas de Berlim sujas,
onde a chuva cai continuamente e molha os caixotes caídos pelos cantos e onde
tudo parece apenas lixo. Todos se sentem isolados e a cidade não acolhe ninguém.
Certos dias neva, o frio é muito e as pessoas passam sem expressão, vão em frente,
vão trabalhar quando têm empregos, arrastam-se pelos bares quando não o têm.
Sente-se pairar o medo. Talvez porque as personagens falam desse medo, escondem-se, não confiam.
Cada
uma reage de modo diferente a esse medo. O protagonista, Abel Rosenberg, um
judeu americano que está ali de passagem, que não é dali, nem fala alemão, e tiha sido trapezista num circo que falir.
Sente que corre perigo, que há algo no ar que empesta e que o faz ter medo e fugir, fugir sempre. O irmão, Max, também trapezista com quem se tinha zangado há pouco tempo, suicidara-se naquele mesmo dia. Abel "sente" que há alguma coisa errada naquele suicídio.
Sente que corre perigo, que há algo no ar que empesta e que o faz ter medo e fugir, fugir sempre. O irmão, Max, também trapezista com quem se tinha zangado há pouco tempo, suicidara-se naquele mesmo dia. Abel "sente" que há alguma coisa errada naquele suicídio.
Berlim em 1945
Berlim hoje
O filme começa com Rosenberg a ser interrogado
pela polícia. Acontecem coisas estranhas, morre gente que vivia perto de Abel,
ele sente-se acusado de coias que não fez – ou será ele que imagina tudo?
A mulher de Max, Manuela, separada dele há alguns anos, procura amparar Abel, ajudá-lo. Mas ela própria a dada altura desfalece, sente-se doente sem saber de quê e queixa-se: “Não temos futuro, sabes? Não há futuro.”
Conseguira algum dinheiro: as suas economias a trabalhar de manhã numa estranha clínica e à noite num cabaret ordinário.
É um
thriller, no fim de contas, um filme apenas. No entanto, alguns anos depois, o ovo da serpente abria...
Discurso de Hitler, em Weimar, 1930
É
a mesma atmosfera de fim de algo, vivido com relativa tranquilidade e que, de
repente, é ameaçado. E que não se sabe o que vai ser, mas começa a “desregular”
os habitantes, sobretudo os judeus, de uma pequena cidade de termas imaginária, na Alemanha.
Fecham
as lojas, algumas pessoas desaparecem sem se saber se foram embora ou se lhes
aconteceu alguma coisa, e as pessoas que ficam– os judeus- agem de modo
estranho, quase irresponsável, sem ousarem preocupar-se com a ameaça encoberta do
futuro. Vivendo o dia a dia numa espécie de sonho.
Tentando
distrair-se apenas: indo ao bar do hotel tomar uma bebida, comendo bolos, fazendo picnics sem sentido, concursos
disparatados.
Esperam
a chegada da orquestra que costuma vir todos os anos, prepara-se uma festa no
grande hotel da terra, aguarda-se qualquer coisa que parece enorme. Alguma coisa acontece na sombra.
As comunicações com o exterior acabam, a cidade fica isolada, como em
quarentena: não se pode entrar nem sair. Aparece uma Polícia que não é bem polícia
que vem fazer uns interrogatórios estranhos e dizer que se prepara uma viagem para todos. Ninguém sabe o que é.
Procuram
todos esquecer tudo. Esquecer sobretudo o medo que, inconscientemente, têm!
A orquestra chega. E a viagem misteriosa também...
A orquestra chega. E a viagem misteriosa também...
É
esse medo, essa mesma atmosfera pesada, que senti no filme de Bergman.
Exagero,
ou será que algo se prepara neste nosso mundo que nos pode causar um medo
semelhante? Infelizmente, creio que o anti-semitismo - e outros racismos- recrudesceu.
Basta ver o que se passou há poucos dias em Créteuil, Paris: um jovem casal, de religião judaica, foi atacado em casa e a jovem noiva de 19 anos é violada por um grupo de três homens: apenas porque eram judeus, logo, "deveriam ter dinheiro em casa" e, logo também, eram apenas "des sales juifs".
Isto aconteceu depois de dezenas de ataques a judeus neste ano, em França...
Isto aconteceu depois de dezenas de ataques a judeus neste ano, em França...
Bem, claro que filmes são filmes e livros são livros: ficções, não é? E o que acontece em França está longe de nós!
Vamos continuar descansados, porque nada nos pode acontecer… "Até ao dia X", como dizia o meu amigo de São Tomé, o Senhor Semedo!
É assustador tudo aquilo de que fala, mas deve ser mesmo essa a realidade que fica depois de uma guerra, depois da destruição. Não compreendo como é possível continuar a acontecer. Não traz nenhum bem para ninguém.
ResponderEliminarGente que rouba, mata e viola em nome do que quer que seja, é gente cobarde.
Um beijinho e um bom feriado:)