quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

JIM JARMUSH E "DEAD MAN": "Some are born to endless night", entre Poesia, morte e sonho...



William Blake The Night


“Every Night and every Morn’
Some to Misery are born
Every Morn and every Night
Some are born to Sweet Delight,
Some are born to Endless Night."
(William Blake)



Jim Jarmush interessa-me: um toque de loucura, outro de “nouvelle vague”, muita poesia, a poesia dos sítios abandonados e dos lugares hoje (des)habitados e vazios do calor que tiveram, actores bem dirigidos.
Descobri filmes de Jarmush que não tinha visto: um chama-se “Dead Man” (Homem Morto) e é um filme inesquecível, que se passa no Oeste, no fim da picada, no cabo do mundo!
 Johnny Depp e o rosto limpo de Milly Avital


História da longa “jornada” para a morte. Da  procura infindável de um tal chamado William Blake que é enganado quando lhe prometem um trabalho e ele vem de comboio, numa viagem ao fim do mundo... 
Ou ao fim da noite...



William Blake

E que acaba, perseguido por um crime que faz em legítima defesa, refugiando-se no oeste selvagem, com uma bala alojada no peito e ajudado por um índio que se chama "Ninguém"...
"Some to Misery are born
Every Morn and every Night"
É que, ele próprio inocente, se engana em tudo! E “engana” -sem querer- o índio Nobody que o julga um espírito: o do poeta e pintor  inglês, William Blake, claro. E daí, peripécias variadas e sem fim. 
Porque...
"Uns nascem para a infelicidade
Cada manhã e cada noite.
Uns nascem para o prazer
os outros nascem para uma noite infinita..."



E, pobre William Blake, o seu destino vai ser o do poema de Blake quando diz “some are born to endless night…”

William Blake, "born to endless night..."

Filme que nos emociona, que nos faz rir, que nos entristece e que nos deixa a pensar…


Um bom papel de Johnny Depp no seu início, mas, sobretudo, do “índio”, o actor iroquês canadiano,  Gary (Dale) Farmer, com a expressividade invulgar do seu rosto (*).


Gary Farmer e Johnny Depp 


(*) GARY FARMER
"Nascido em Ohsweken, Ontário, no Canadá, no dia 12 de Junho de 1953, Gary (Dale) Farmer é um músico e actor que pertence à ‘nação’ dos índios iroqueses (1), Cayuga e Wolf Clan da Reserva First Nations .
Gary Farmer estudou fotografia e realização de cinema e licenciou-se na Syracuse University e frequentou a Ryerson Polytechnic University."

 (1) Iroqueses: são seis nações: os Mohawk, os Cayuga, os Onondaga, os Oneida, os Seneca e os  Tuscarora. Também vivem no território alguns Delaware.
http://youtu.be/v3hQXQ5_zCM

Jim Jarmush

Antes deste filme, vi O Comboio Misterioso (Mystery Train) e gostei! Três histórias passadas na mesma noite, no mesmo hotel, na mesma cidade e todas tão diferentes!
Fez-me sorrir do princípio ao fim: a mítica cidade de Memphis! O que lá estava ainda, o que já lá não estava, os mundos esvaziados dos outros mundos que criaram as "estrelas" agora mortas. Restos de polvere di stelle? Sim, poeira de estrelas deles e de nós próprios.


Nos 3 episódios do filme, o fascínio de um momento : o ‘rock’n roll’ e a figura-chave (gostem ou não gostem) do Elvis Presley, que leva os dois jovens “viajantes” do Japão (Far from Yokohama), nos seus 18 anos ingénuos, a procurar o mito, na noite cidade de Memphis vazia. 


Youki Kudoh e Masatoshi Nagase


Nicoletta Braschi


The Ghost : o fantasma!

E os heróis dos outros dois pequenos filmes: Lost in Space (que é uma paródia com a velha série televisiva do mesmo nome) e The Ghost seguem a "procura" do mito.


Joe Strummer e Steve Buscemi e Rick Aviles em Lost in Space

A cidade de Memphis é a heroína do filme? Até certo ponto, acho que sim. 
Tudo gira à volta do hotel, num bairro negro, frequentado por negros onde de repente caem de para-quedas pessoas – brancos- que nem pensavam lá ir parar…
o "groom", Cinquè Lee, e o grande  Screami’n Jay Hawkins

Uma cidade-fantasma, onde gira uma imagem- fantasma, que “serve” a cidade morta, onde nada (já) acontece. 
Grandes actores “servem” o filme: os jovens japoneses Youki Kudoh e Masatoshi Nagase; a italiana Nicoletta Braschi; e os outros: Joe Strummer e Steve Buscemi e Rick Aviles, Cinquè Lee, o “groom”.

Sem esquecer o actor-cantor que é um espectáculo de presença, máscara, dicção, e que, em homenagem à música (?) e ao realizador faz um papel extraordinário: trata-se de Screami’n Jay Hawkins, genial.

Continua a litania dos filmes de Jim Jarmush? Sim, vou continuar! Paciência....
Tilda Swinton (Eva) e Tom Hiddlestone (Adão)

Também vi, há pouco tempo, Only lovers still alive, que se não me desiludiu pelo menos não foi até onde eu esperava e fraqueja, quanto a mim, arrasta-se, apesar dos actores: Tilda Swinton, Tom Hiddlestone e John Hurt.
Tilda Swinton, John Hurt e Jim jarmush

Falar da imortalidade é obsoleto? Talvez. Mais ainda quando se trata de uma vida sem fim, porque os heróis sáo eternos, renascem a cada morte e já vários séculos passaram por cima deles, num amor imutável: Adam e Eva chamam-se. Quem são? Que importa. Quem foram?



Marlowe 

Conhecemos apenas a figura de Marlowe - o dramaturgo elisabeteano Christopher Marlowe (1564-1593), autor do primeiro “Fausto” da literatura dramática, contemporâneo de Shakespeare. Que, acusado de blasfémia, é preso e morto, com 29 anos.

Imortalidade? Eterno retorno? Re-criação? As insatisfações dos vampiros que “revivem”?
Da criação do músico que -no presente- continua, em segredo, a realização de uma obra que o não satisfaz? 


Tânger e a cantora libanesa Yasmin Hanan



Entre Londres-Chelsea e Tânger, entre seriedade e humor, necessidade de sangue-não-contaminado, fala-se de muita coisa no filme.

Personagens "góticas", com uma filosofia especial: viver só os momentos bons da vida! Ler, criar, ouvir boa música, numa ânsia de cultura e sofisticação enormes: aproveitar o, durante os séculos passados, foi bom. E que pode (ou não?) continuar a sê-lo?


Só? Talvez por isso o filme me pareça falhado: falta qualquer coisa de forte.
Mas vale a pena ver - como os outros. Na FNAC há um DVD com muitos filmes dele...



1 comentário:

  1. Muito cinema se vê por aí!...
    Bons filmes...mas o que gostei muito foi das pinturas que colocou, do William Blake:)

    Eu fui ontem ver "Os Maias". Gostei bastante.

    Um beijinho grande:)

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