Quando penso nos primeiros natais da minha infância, lembro a casa da Tia Mariquinhas.
A minha avó tinha três irmãs e a mais nova era a tia Mariquinhas. O nome era Maria Joana e eu achava-o muito bonito e não percebia como aceitava que lhe chamassem "Mariquinhas"! A verdade é que, naqueles tempos, as Marias tinham o diminutivo de Mariquinhas que, na nossa terra, soava sempre como "marquinhas"...
A minha avó tinha três irmãs e a mais nova era a tia Mariquinhas. O nome era Maria Joana e eu achava-o muito bonito e não percebia como aceitava que lhe chamassem "Mariquinhas"! A verdade é que, naqueles tempos, as Marias tinham o diminutivo de Mariquinhas que, na nossa terra, soava sempre como "marquinhas"...
A
tia Joana era uma mulher cheia de vida, alegre, que costumava dizer, ainda muito jovem:
-
Eu não quero nada com estudantes brincalhões! Rapazes!...
As
irmãs ficavam a olhar e sorriam, já sabiam o que ela ia dizer a seguir.
- Vou casar com um homem rico. Que me venha buscar a cavalo. Quero ter uma charrette e viver numa quinta...
Mary Cassatt, Mulher com chapéu pretovestido cor-de-rosa
Era
uma mulher alta, de cabelos claros, talvez arruivados, um nariz levemente adunco e a pele muito
branca. Penso em certas figuras de jovens mulheres de Mary Cassatt com penteados de cabelos erguidos para o alto da cabeça que deviam estar na moda. Mas eu lembro-a já de cabelos brancos, bem
penteada, sempre cheia de pó-de-arroz perfumado,
a rir de tudo e a franzir os olhos pequeninos num sorriso eterno.
Casou com um homem
rico, mais velho, de pele tisnada, traços severos, pessoa generosa, que
tinha quintas e andava a cavalo.
Penso que foi feliz
no casamento. Via-se que adorava viver, e comia e bebia como
uma deusa pagã.
A sua era uma casa farta, onde a mesa estava cheia de comida saborosa e de muitos doces. Nunca me esquecerei do doce de abóbora gila e da geleia de mão de vaca que comia em casa dela.
Mary Cassatt, Mulher com blusa cor-de-rosa
A sua era uma casa farta, onde a mesa estava cheia de comida saborosa e de muitos doces. Nunca me esquecerei do doce de abóbora gila e da geleia de mão de vaca que comia em casa dela.
Recordo uma grande árvore de Natal cheia de luzes. O meu tio mandava cortar na herdade um pinheiro bonito e redondinho que se enterrava num vaso com terra. E começava-se,
então, a enfeitar a árvore.
Nós aparecíamos, para o fim, com a mãe, a dar uma ajuda com alguns balões pequeninos ou uns
enfeites que se assemelhavam a caracóis dos querubins dos quadros, fiozinhos
prateados que se colocavam ao lado dos flocos de algodão que por ali flutuavam já. O Inverno era frio em Portalegre e, por vezes, vi flutuar flocos verdadeiros por detrás dos vidros gelados das janelas - um encanto!
Contou-me a minha prima que a primeira
árvore electrificada que houve na nossa terra foi a dos tios da minha mãe.
Um
amigo, que se entendia em ligações eléctricas, confeccionou as luzinhas eléctricas que acendiam e apagavam, substituindo as velas de
várias cores dos natais anteriores. O meu avô trazia a grafonola
grafonola, foto R. Amaral Marques
O meu avô trazia a grafonola e os discos: tangos argentinos, músicas francesas, Maurice Chevalier, a Arletty e -quem sabe?- talvez a canção da Lucienne Boyer de que o meu pai gostava tanto: "Parle-moi d'amour"...
Na véspera do Natal, era a festa mais importante. O meu pai que nunca quis guiar nem ter carro chamava o Sr. Bretanha ou o Sr. Fadagoza que eram os taxistas da praça e íamos para casa da tia. A casa ao fundo da Rua Acciaioli estava cheia de luzes e lá dentro cheirava a bolos!
Todos em volta duma grande mesa, comíamos uma refeição ligeira em vez do jantar porque, mais tarde, havia a ceia: bacalhau com batatas e couves, peru, azevias, filhós, fatias da china e outros doces que nunca mais acabavam!
Todos em volta duma grande mesa, comíamos uma refeição ligeira em vez do jantar porque, mais tarde, havia a ceia: bacalhau com batatas e couves, peru, azevias, filhós, fatias da china e outros doces que nunca mais acabavam!
E, a seguir, ainda à
mesa, afastando as toalhas bordadas e os doces, começavam as
histórias da tia Zezinha, as brincadeiras da tia Marquinhas e do meu avô, as gargalhadas dela que adorava brincar... E a
minha avó (contava-me ela)deitava as rolhas do champagne
e os papéis dos bombons para o outro lado da
mesa onde estava, solene, a tia Leopoldina que nada perturbava.
Púnhamos na cabeça chapéus ou
coroas de papel brilhante cheios de estrelinhas e de luas, abriam-se os embrulhos-surpresa que davam estalinhos e tinham rebuçados lá dentro.
Depois, eram as cantigas ao desafio em que o meu avô primava com a minha avó, o jogo do loto em que se ganhavam (ou perdiam) feijões, o jogo da bisca, ou o dominó, à espera que chegasse a meia noite. Esse velho dominó do meu avô guardo-o eu. Com o desgosto de lhe faltar uma peça: a pedra 6/6....
Depois, eram as cantigas ao desafio em que o meu avô primava com a minha avó, o jogo do loto em que se ganhavam (ou perdiam) feijões, o jogo da bisca, ou o dominó, à espera que chegasse a meia noite. Esse velho dominó do meu avô guardo-o eu. Com o desgosto de lhe faltar uma peça: a pedra 6/6....
No momento de abrir
as prendas, havia exclamações de surpresa, de alegria, e risos até que nós
começávamos a cabacear de sono, ou adormecidas em cima da mesa.
O meu pai dizia que
era hora de voltarmos, e alguém nos ia levar. O meu pai estava sempre deserto de voltar para a casa amarela...
Entrávamos em casa, meio a dormir, e íamos meter-nos na cama, quase vestidas, e quando a minha mãe que
vinha acabar de nos despir, já nós dormíamos a sonhar com o Pai Natal.
Vlaminck, rua de Murnau e casa amarela
Na
manhã seguinte, haveria outras prendas. Sabíamos que o Pai Natal, no seu carro puxado por renas, as iria deixar, ainda nessa noite, deitando-as pela chaminé da cozinha...
Suponho que adormecíamos, felizes, a pensar nesse
momento.
(1) Para quem nunca viu uma grafonola aqui fica este post que explica tudo...
Gostei tanto de ler estas suas memórias. E gostei das pinturas e fotos que escolheu (como sempre!).
ResponderEliminarBoas Festas :)
Um beijinho grande:)
Adorei o Natal em casa da Tia "Mariquinhas". Tudo tão bonito e tão acolhedor.
ResponderEliminarAs árvores e as animações são giríssimas.
Querida amiga, um Feliz Natal na companhia das suas pessoas queridas.
Amanhã tenho a família cá em casa, não sei se posso vir dar um beijinho. De forma que deixo aqui um, muito especial e natalício.
Também eu lembro com saudades os Natais da minha infância. Um beijinho, Maria João.
ResponderEliminarAinda falamos, mas desejo um Natal muito Feliz:)
ResponderEliminarUm beijinho grande:)
Este blogue tem um encanto especial. Com recordações escritas na memória de MJ que partilha generosamente por quem tiver a sorte de aqui vir parar.
ResponderEliminarNão tenho feito comentários aqui porque há um problema informático (?) deste lado que não compreendo, sempre que o faço.
Boas festas de Natal para si, MJ, e para todos os ue lhe são próximos.
adoro....sempre com tanto pormenor e ternura...és um anjo,querida
ResponderEliminarJana. mil beijinhos