(
Para a Lurdes S., apreciadora de literatura anglo-americana, leitora atenta de livros policiais e outros... a quem prometi voltar a Dashiell Hammett)
Prometi voltar a falar de Dashiell Hammett, escritor policial que muito aprecio.
Já aqui falei dele (1) e da qualidade dos seus livros, do seu estilo seco e directo, da "verdade" das suas personagens.
Refiro mais alguns dados biográficos, que ulteriormente recolhi, para "completar" o que já disse das outras vezes... (em baixo, refiro um site muito completo (2) sobre o escritor)
Samuel Dashiell Hammett nasce em 1894 em Maryland. Depois dos estudos secundários, muito jovem, arranja alguns empregos pouco prestigiosos, para ajudar a família que era pobre.
Em 1915, entra como detective na famosa Agência de Investigação Pinkerton.
Em 1922, decide deixar de ser detective... para escrever sobre detectives.
Essa data coincide, é certo, com a primeira crise séria de tuberculose, que torna a sua saúde frágil de mais para a profissão dura que desempenhava.
É entre 1922 e 1931 que escreve a maior parte das suas short-stories e os cinco romances policiais.
Uma curta carreira de escritor, nove anos. Em 1934, publica The Thin Man e...mais nada. Acabou-se.
Decidiu abandonar o género policial para se dedicar a escrever longos romances como os de Hemingway ou de Scott Fitzgerald.
Não tinha que ser assim...
Os livros são muito bem recebidos pelo público. De facto, Hammett tem um estilo directo e -sobretudo- traz para o que escreve o conhecimento pessoal dos assuntos de que fala, a experiência própria, fala do mundo de certas pessoas que conheceu bem e serão as suas personagens “verdadeiras”, verídicas porque “existiram”, eram reais.
Dashiell Hammett, na verdade, fala só do que sabe, e é fiel nas descrições de lugares ou ruas. Se assinala um prédio ou um apartamento, numa rua de San Francisco, ou um drugstore, é muito natural que ele existisse e até pode lá estar ainda hoje...
Não se percebe esse longo silêncio. Era famoso, os leitores amavam-no. Mas a verdade é que nos 27 anos que lhe restam de vida pouco mais vai escrever.
Faz folhetins para a radio, dos quais não se preocupou em guardar "rascunho"... Escreve mais algumas short stories todas com nível.
De facto, D.H. -que foi praticamente um dos criadores do género “hard-boiled”- contribui para “elevar” esse tipo de policiais, a pulp-fiction, publicada em revistinhas de aventuras, baratas.
Algumas dessas short stories mostram uma personagem, o narrador ou protagonista, homem de meia idade, forte, manhoso, que leva até ao fim os seus inquéritos “doa a quem doer” e vai ser o protagonista de dois romances.
É o agente (Operativo) da Continental Detective Agency, conhecido apenas por Continental Op, ou mesmo só Op.
Os romances em que aparece são The Dain Curse (Estranha Maldição) e Red Harvest (Colheita Sangrenta), romance do qual gostaria de falar hoje.
Mas, antes, não quero deixar de recordar outra personagem que também aparece nos contos e num só romance, Sam Spade, talvez a personagem mais bem conseguida do autor.
Houve quem dissesse que Hammett consegui criar uma personagem numa réplica de só três linhas. Suponho que se referiam a Sam Spade. O início do "Falcão" dá-nos de súbito uma pessoa viva, de carne e osso!
Sam Spade é o detective do famoso “The Maltese Falcon”, que, ao contrário por exemplo do detective de Chandler -Philip Marlowe- que é o herói da maioria das suas novelas, entra num único romance. Sam era o nome por que o chamavam em miúdo e a figura terá alguma coisa de autobiográfico, se bem que Hammett nunca tenha querido "mostrar-se", "abrir-se": dizia Lilian Hellman - a segunda mulher da sua vida. que ele era das pessoas mais "secretas" que conhecera e pouco tinha conseguido saber da vida passada dele.
Em 1930, é contratado como cenarista para trabalhar em Holywood, onde vai encontrar a escritora Lilian Hellman, que se tornará célebre sobretudo no teatro.
Nos anos 50, aproxima-se de movimentos da esquerda, e é considerado “compagnon de route” do Partido Comunista americano, o que vai atrair sobre ele a atenção do "House Un-American Activities Committee". É chamado a testemunhar e a revelar os nomes de pessoas conhecidas (acusadas de anti-americanismo), e recusa. Pagará essa sua acção com 5 meses de prisão.
Estamos no momento da perseguição (“peste política”) desencadeada por Joseph McCarthy. Os seus livros são postos numa “lista negra” e retirados do mercado.
É talvez um dos raros escritores de romances policiais americanos reconhecido ainda hoje pela “intelligentzia” nacional.
A sua recusa da psicologia didáctica e explicativa, o seu laconismo descritivo, o gosto pela “visualização” fizeram com que muitos o comparassem a Hemingway.
Minado pelo álcool e pela doença morre, sem um tostão, amparado por Lilian, em Nova Iorque, em 1961.
Homem de contradições “foi simultaneamente celebridade e recluso, um escritor famoso que deixou de escrever quando o era, um marxista que duas vezes, nas duas Guerras, arrisca a vida pela América, um homem saudável sempre derreado e destruído, um homem que escolhe ir para a prisão em vez de delatar nomes, revelar informações que ele achava eram só dele...”
(Alguns dados são retirados do Prefácio da edição francesa de "Moisson Rouge" tradução de "Fly Paper", colecção folio, 1968: outros pura e simplesmente da wikipédia. Sobre a biografia e pormenores sobre publicações, etc, do site que abaixo indico.)
Mais pormenores:
* "O romance Red Harvest encontra-se na lista dos 100 Melhores Romances de 2005, assinalada pelo TIME publicados em língua English entre 1923 e 2005. Entre nomes como Virginia Woolf, Graham Greene, etc.
A lista foi compilada pelos críticos do Time, Lev Grossman e Richard Lacayo."
*André Gide dizia de Hammett: "Os seus diálogos podiam bater-se com os de Faulkner ou Hemingway”
*Site importante sobre este autor:
A "Colheita Sangrenta" existe em tradução portuguesa em edição recente, na editora "O Quinto Selo" (2008), da colecção "Os Falcões", assim como "O Falcão de Malta" e "A Chave de Cristal" (2009), escolhas que muito
valorizam a editora...
Breve resumo de "
Colheita Sangrenta":
O "Agência Continental" é contactada por Donald Willsson para resolver um problema em Personville, cidade conhecida por "Poisonville" –jogo de palavras intraduzível: "person: pessoa/poison: veneno"- pelos seus habitantes.
Mas antes de o agente Op chegar, Willsson é assassinado.
O romance começa assim:
"A primeira vez que ouvi falar de Personville chamada Poisonville, foi por um ruivo pretenciosos chamado Hickey Dewey numa grande sala do Big Ship, em Butte. Mas como ele confundia os "r" com os "i" não reparei no modo como deturpou o nome. Mais tarde haveria de ouvir homens capazes de misturar r e i fazem a mesma deformação. Julguei primeiro que era uma espécie de humor fácil ligado ao mundo da delinquência. A minha visita a Personville demonstrou logo o erro.
Fechei-me numa das cabines telefónicas da estação, liguei para o "Herald" e chamei Donald Willsson para lhe anunciar a minha chegada.
-Quer vir a minha casa às dez esta noite?, disse ele numa voz bem timbrada. Mountain Boulevard, 2010. Apanhe o eléctrico para a Brodway e desça na Laurel Avenue, fica a duas ruas dali."
Quando chega à direcção indicada, Donald não está. A mulher, evasiva, diz que vai voltar em breve, mas Donald não volta a aparecer vivo.
O agente Op, da "Continental Detective Agency" de San Francisco, nunca indica o nome e só é conhecido pela descrição do trabalho que faz.
Desta vez é contratado para trabalhar sobre um problema mas, como vimos, a pessoa que o contratou é assassinada antes de o ver.
O assassínio de Donald leva-o a falar com o pai de Willsson, Elihu, um industrial da terra que vê a sua influência ser ameaçada por vários “gangs” que ele próprio chamara à cidade para lhe resolverem os problemas laborais ligados com os empregados, greves e sindicatos, etc.
Op consegue arrancar uma “promessa” -e uma carta assinada por ele- em como pagará uma certa quantia pela “limpeza” da cidade...
Mas depois de resolvido o assassínio do filho, Elihu recusa o contrato que assinara.
Durante a investigação, Op encontrara Dinah Brand, tipo da mulher fatal, possível amor de Donald Willsson e igualmente possível "moll" (companheira/associada?) do gangster Max "Whisper" Thaler.
Há ainda o polícia corrupto, Noonan, a quem o agente OP consegue arrancar informações, e espalhá-las de modo a provocar uma guerra entre as diversas facções do gang.
O que acontece depois?
Na manhã seguinte, ao acordar, vê Dinah... Não, não vou contar!
Terá o Op sido "comprado", sido "vítima", também ele, da acção corruptora do "gang"?
Op continua a investigação, incansável.
A meada começa vai-se desenrolando. ao longo do romance...
Corrupção, infâmia, morte.
Ler o livro para saber mais!
(1) sobre Dashiell Hammett escrevi alguns "posts". Em 1 de Abril de 2009: "O Falcão de Malta e outras coisas e "Continuando..."; em 5 de Abril "Ainda Dashiell Hammett"
(2) ver o site:
Lista das "Colecções de Contos" -ou Publicações em revistas, Magazines -(lembram-se do Magazine policial "Elllery Queen"?)- e dos Romances de Dashiell Hammett, nas várias reedições:
Novels:
1) Red Harvest, 1929 (novel)
2) The Dain Curse, 1929 (novel)
3) The Maltese Falcon, 1930 (novel)
4) The Glass Key, 1931 (novel)
5) The Thin Man, 1934 (novel)
6) Blood Money, 1943 (novel written in 1927 -poderia estar na base de "Colheita Sangrenta")
Short stories:
7) The Adventures of Sam Spade, edited by Ellery Queen, 1944 (stories)
8) The Continental Op, edited by Ellery Queen, 1945 (stories)
9) The Return of the Continental Op, edited by Ellery Queen, 1945 (stories)
10) Hammett Homicides, edited by Ellery Queen, 1946 (stories)
11) Dead Yellow Women, edited by Ellery Queen, 1947 (stories)
12) Nightmare Town, edited by Ellery Queen, 1948 (stories)
13) The Creeping Siamese, edited by Ellery Queen, 1950 (stories)
14) Woman in the Dark, edited by Ellery Queen, 1951, (novella and stories)
15) A Man Named Thin, edited by Ellery Queen, 1962 (stories)
16) The Big Knockover, edited by Lillian Hellman, 1966 (stories)
17) The Continental Op, edited by Steven Marcus, 1974 (stories)
18) Woman in the Dark, introduced by Robert B. Parker, 1988 (novella)
19) Nightmare Town, edited by McCauley, Greenberg & Gorman, 1999 (stories)
20) Crime Stories and Other Writings, selected by Steven Marcus, 2001 (stories)
21) Lost Stories, edited by Vince Emery (stories)