pássaro azul, jóia de Jean-Schulamberger (internet)
Quem não gosta de contos de fadas? Eu gostei sempre e ainda gosto de os ler. A história d' O Pássaro Azul, o príncipe prisioneiro do próprio corpo, O Pássaro de Fogo, ardendo em liberdade, O Príncipe Encantado, ou a Princesa Adormecida no Bosque...
desenho de uma história russa, talvez o Pássaro de Fogo
Dos contos dos Irmãos Grimm a Hans Andersen, de Andersen a Selma Lagerloff e Oscar Wilde toda a minha vida girou à volta dos contos fantásticos, do maravilhoso, dos pássaros animais que falam e dos pássaros que pensam, das forças do bem e do mal em luta, do impossível, da justiça e da injustiça, dos encantamentos, dos deuses e das fadas e dos duendes...
Ilka Gede, sem título
Hoje deixo-vos a minha história: "A lenda do pássaro azul e do milhafre negro"...
"A ave de rapina, negra e bela, voava em círculos altos, à roda das serranias, concentrando o olhar na presa, em baixo. Quase que as olhava com ternura.
Os olhos amarelos melancólicos, que sabiam ser ternos, tornavam-se de repente negros e faiscantes, lembrando o olhar dos lobos quando a lua cheia os faz uivar, desesperados e famintos.
As asas de penas negras de veludo, que sabiam abraçar o próprio corpo, podiam transformar-se de repente em lâminas cortantes ou em garras que dilaceravam até ao fundo a carne da sua presa.
Sabia disso o pássaro azul, lá no alto da sua árvore.
salgueiros (wheeping willow) internet
Vira-o lutar com outro pássaro grande como ele, e matá-lo: gritos entre penas arrancadas e gotas de sangue, no azul do céu sereno e indiferente. Adivinhara o perigo, quando o vira passar, alto, descendo em círculos cada vez mais baixos, mais cerrados, aproximando-se do ninho onde se defendia, escondido, esperando que ele não o visse.
Protegera o seu ninho com penas fofas e raminhos e bocados de musgo verde e suave, ainda húmido, que arrancava do tronco das árvores com o biquinho amarelo e forte, quando o pássaro negro andava por longe.
Tirara também a penugem do próprio colo azul - e com tudo isso se envolvia no seu canto. O ninho que pusera bem alto, demasiado alto, longe dos perigos.
Em baixo a floresta bem podia arder, o vento zunir e quebrar as árvores, os rios encherem e tudo levarem no seu caudal. O passarinho não temia a natureza.
O perigo vinha de outro lado. Do meio do arvoredo de onde vinha o pássaro de olhos aveludados luzentes como brasas a arder, furando os ares à procura, nunca satisfeito, olhos que o atraíam e amedrontavam.
milhafre negro (internet)
Contra o pássaro negro nem o ninho alto oferecia protecção. As cegonhas tinham passado, antes do Outono, em direcção aos países quentes do Sul, como todos os anos.E tinham-no avisado
- Tem cuidado, pássaro azul. O pássaro de asas negras ronda por perto...
A cegonha mais velha, à frente do bando, dissera-lhe mesmo:
- Vem connosco! Acompanhamos-te até lá o fundo do vale. Há árvores tão altas como a tua, lindos choupos junto ao rio.
- Vem com o nosso grupo..., insistiram as jovens cegonhas, curiosas da viagem, a desafiá-la.
in internet, bosque de bétulas
O pássaro azul sabia como eram belas as bétulas do vale e como o céu era azul junto ao ribeirinho, mas, na sua árvore empoleirada no cimo do monte escarpado, no seu velho e amdo eucalipto de tronco descascado e folhas longas e ainda perfumadas, não quis. Aquele era o seu lugar.
- Não vou, não vou...
A velha cegonha abanou as asas esticadas - e insistiu:
- Vem agora, antes que seja tarde. Anda para o vale connosco. Olha que um dia destes ele vem e leva-te!
- Não quero deixar a minha árvore. Eu gosto de morar cá em cima, de ver o céu perto de mim, de sentir as nuvens voar sobre a minha cabeça. Gosto de contemplar as montanhas e de ouvir o vento zunir, quando a tempestade envolve o meu ninho.
Riu e disse ainda, um pouco nervosa:
- Gosto de sonhar e pensar nas neves eternas que devem estar para lá do horizonte...- Então, adeus, pássaro azul. Tu lá sabes...
Mas no fundo pensava que o pássaro azul não percebia nada da vida.
- Adeus, cegonhas.
Pensava com os seus botões:
“Eu sei que um dia vai chegar aquilo que chamam de destino. Seja ele o pássaro negro ou outra coisa.”
Lembrava o voo do pássaro que, tempos antes, passara ferido de morte, logo que a caça abrira.
O corpinho cheio de chumbo, sangrando um fiozinho, os olhos já meio vidrados, o pássaro cinzento cor de camurça, ia caindo devagar, voando com uma asas só, a outra arrastando-se pesada de morte.
- Adeus pássaro azul, vou morrer!, dissera-lhe com voz triste.
- Quem te feriu? Por quê?!
- Oh... que importa? Chegou a minha hora...
Sentiu o farfalhar das asas, como seda, arrastando-se pela mata. O voo terminara.
“Um dia também a minha hora vai chegar. Para quê partir? Fugir para quê? Ninguém me obriga a deixar o meu canto! A minha árvore, a minha vista até ao infinito...”
Amava o sol, o céu azul, as nuvens branquinhas ou cinzentas e cerradas dos dias de trovoada, o riscar em brasa dos raios, o barulho dos trovões. Aquilo era o seu mundo!
Sentiu aproximar-se o voo do milhafre. Escondeu-se no fundo do ninho, onde se sentia mais protegido.
- Não, milhafre, não é ainda a minha hora!, murmurou baixinho.
Apertava as asinhas de encontro ao corpo frágil e as patinhas arranhavam o chão de raminhos secos, com medo. Fizesse o que fizesse, sabia que a ave negra havia de vir um dia. Tremia. Fazia-lhe medo aquela ideia!
Sabia que um dia, quando voasse desprevenido, ou quando repousasse, julgando-se seguro, com o biquinho sobre o peito, quase a dormir, o milhafre havia de chegar.
Sim. Sabia que o caçador de olhos agudos chegaria, cruel, negro e impiedoso, egoísta e indiferente, e que as garras dele lhe iriam direitas ao coração.
Mas enquanto tivesse vida, o pássaro azul queria escolher a liberdade de ficar!"
E aqui está a minha história do pássaro azul...
(as fotografias que não estão legendadas são minhas)