domingo, 22 de maio de 2011

História de um ratinho chamado Poeta

Diálogo matinal comigo própria:

- Será que uma pessoa se pode afeiçoar a um bichinho?

- Claro que pode...

- E a um boneco?

- Também. As crianças fazem sempre isso...

- E uma pessoa (normal) crescida, e com idade para ter juízo, também se pode prender a um animalzinho?

- Pode, pode. Acontece...

Pois é, concluo. Foi o que me aconteceu a mim!

Comprei há tempos um ratinho, por um euro e meio, daqueles cuja compra reverte em benefício da Unicef.
Era um bonequinho de pelo branco e macio, com as patinhas e o rabo comprido de camurça cor de rosa.
Comprei-o –juro! - só para ajudar a Unicef.
E, de repente, descobri que o meu ratinho está mais dentro do meu coração do que eu julgava.
Deixou de ser um ratinho-objecto, passou a “ter vida” e chama-se mesmo já "ratinho-poeta".
Parece que este meu bichinho ganhou vida sozinho, “animou-se”!
Aparece logo assim que acordo e abro a janela. vai espreitar lá para fora as árvores e fica, com um ar nostálgico, a contemplar a paisagem.
Em que pensará o ratinho-poeta?

Quer olhar para tudo, participar, agir, meter-se na minha vida, vir beber o meu café, ler o que eu escrevo...
Adora até espreitar os livros que estou a ler...
Gosta de ser ele a escolher a chávena em que tomo o café, e, incerto, olha a ver de qual delas é que eu gosto mais. Parece perguntar-me :

"Preferes a chávena preta, ou a vermelha das bolas brancas... ou a dos coraçãozinhos?"

E eu escolho esta ou aquela, conforme o dia...

Não sei como isto aconteceu mas, sem eu dar por isso, entrou no meu dia a dia...
Às vezes vem atrás de mim para a sala e é muito capaz de subir para o computador a ver as imagens. Brinca com os objectos espalhados pelos sofás...

Já percebi que gosta de ouvir a Billie Holiday, sobretudo depois de ver que a Bilie também tinha um animal de que gostava, o Mr. Dog...
Entretém-se a ver as cambalhotas do Snoopy colado numa agenda azul que eu comprei para fazer as contas.Já pensei se não será ele que me abre as gavetas da mesinha de cabeceira e vai mexer em tudo!

Quando, de manhã, vou à procura dos óculos para ler, nunca encontro o que quero.

Pode ser um dybbuk, é certo, mas também pode ser o ratinho-poeta...Mal me distraio, já anda em cima da cómoda a mexer nas caixas dos botões, ou no meu cofre cheio de sóis e luas onde guardo alguns papéis.

Empoleira-se, espreita lá para dentro e hoje estava a cheirar os meus perfumes.
Não me importo, claro.
Ele é doce, faz-me boa companhia, ouve tudo o que digo. Até vai à caixinha dos remédios escolher os que devo tomar.
Descobri que gosta de livros policiais e vai encostar-se, com ar interessado, à capa das histórias do Dashiell Hammett ou do John Le Carré -que são os que ando a ler agora...

Talvez queira que eu lhe conte o que se passa. E queira saber a que ponto vai a história da Gail e do Perry, perdidos naquele mar de espiões russos.

Ou se o Sam Spade encontrou o culpado...
Olha com um ar curioso para a capa dos livros e espera que eu me decida qual dos dois vou ler.

Outras vezes, tira as flores da jarrinha e vem com elas ao colo para mas dar.
Já pensei se o ratinho estará apaixonado por mim...
Por vezes assusta-se com as notícias e fica preocupado, a ver a minha expressão...
Lembro-me que foi o que aconteceu quando me viu a olhar para as fotografias do Bin Laden.
Fixou-me como se tentasse perceber o que eu sentia.Penso que gosta de saber mesmo o que se passa pelo mundo pois o focinhito dele está sempre dentro dos jornais...
Os seus olhos são duas continhas pretas, expressivos, a observar tudo. Observam-me.

Fica à espera de me ouvir falar.
E eu falo com ele. Ou julgo apenas que falo com ele? Não importa. Falamos...

Quando, finalmente, depois de tomar os meus cafés, abro o livro e me ponho a ler, deita-se de barriga para o ar, a descansar.

Enternece-me.
Cativou-me? Ou cativei-o eu?

É uma grande responsabilidade isso de “cativar”, disse-me há dias o meu amigo Mr. Butterfly...

"Nobre amiga, deixo uma frase de Antoine de Saint-Exupéry em "O Pequeno Príncipe":
“Tu és eternamente responsável por aquilo que cativas”.
Isto para dizer o tamanho de minha felicidade em fazer parte de seu ciclo de amizade. Namaste."

Tem razão, mas a amizade é amizade! E ter uma companhia destas logo pela manhã, vale a pena!


Vale toda a responsabilidade da responsabilidade...

Acho que o meu ratinho-poeta também sabe disso...

NOTA

Namastê ou namasté (em sânscrito: é um cumprimento ou saudação usada no Sul da Ásia. Namaskar é considerado uma forma ligeiramente mais formal, mas ambas as expressões expressam um grande sentimento de respeito.

13 comentários:

  1. Adorei!Adorei!Adorei!
    Este seu post está o máximo!
    Uma ternura.
    E o Poeta...que coisa mais doce!
    Oxalá a Unicef faça outra campanha igual.
    Também quero um ratinho desses!!

    "Tu és responsável por aquilo que cativas"
    É uma frase muito bonita.

    Um beijinho
    Isabel

    ( a chávena branca com coraçõezinhos é a mais gira )

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  2. Não resisto a vir acrescentar : a última foto está...um espanto!

    Que ratinho encantador.
    Vai ganhar fãs.

    Isabel

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  3. Ó Isabel, obrigada! Acredita que já me convenci (quase...) que falo com o ratinho? Ele é tão "humano"!
    A frase do Principezinho é de facto muito bela e verdadeira!
    Beijinhos e boa noite!

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  4. Acredito.
    É giro ,giro.
    Boa noite.

    Isabel

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  5. Que bonito Maria João!!
    Um grande beijinho.

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  6. MJ Falcão,

    Delicioso, delicioso. Eu tenho uma rosa que trato com doçura para ver se resiste.
    "Cativar" que palavra tão difícil.
    Beijinhos e que bom ser como é Maria João.

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  7. Eu também gostava de acreditar, Jana, mas precisamente isso é o mais difícil com os anos.
    Oxalá fosse possível que um ratinho de peluche se apaixonasse por nós, porque esse seria o amor mais lindo e mais incondicional.
    Tenho aprendidas algumas coisitas que são o meu tesouro, guardo-as num baú tão pequenino que me cabe inteiro no coração. São histórias de certezas — poucas, mas inegociáveis.
    Beijinhos, leio-te todos os dias. Parabéns pelos teus posts e pelo êxito que têm.

    24 de Maio de 2011 00:36

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  8. Também quero um ratinho-poeta assim!
    Gostei muito deste post.
    um beijinho
    Gábi

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  9. Se eu tivesse Facebook, criava já uma legião de amigos do Ratinho-Poeta! É tão bom ter quem nos ajude a partilhar a solidão!!

    Beijinhos e saudades

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  10. Adorei este belíssimo post.
    Tão bem que me "cativas" com as tuas palavras.
    Um abraço!

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  11. Até eu fiquei encantado com o carismático ratinho, minha cara MJ Falcão.
    Tenho certeza que ele também adora jazz - falando nisso a programação do festival de Estoril está fantástica!
    Aproveite bastante!!!!

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  12. `´E tão lindo...Comovi-me... O rato poeta é uma maravilha, mas também a dona dele, ou Amiga, soube, de maneira muito especial ao estilo sensível dela, apresentar esse Amigo valioso. Eu tenho um gato, oNicolau, mas esse é gente... Também me entende e chama por mim, mas o teu Poeta é maior, porque tu és muito grande, querida João. Bjitos

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  13. Este ratinho teve sucesso! Ainda vai ser famoso um dia... Obrigada a todos os "seus" amigos!
    o falcão

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