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"Pouco antes do nascer do sol, os helicópteros voam baixo sobre o ligeiro espelho de água que divide a aldeia de Sundvollen do paraíso perdido de Utoya.
Os motores dos Sea King, que e transportam médicos e enfermeiros, martelam o ar com o seu ritmo inquietante.
Em pequenas barcas brancas os pescadores e os voluntários chegados das aldeias chamados pelo tam tam da Internet iluminam o perfil escuro do mar, repercorrendo para trás e para diante os oitocentos metros que dividem as duas costas.
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Pais esmagados pela angústia esperam notícias no Hotel Sundvollen Hotel, ponto de encontro dos que escaparam.
Gritos contínuos. Uma mulher vomita apoiada num banco. Está frio, e o vento gélido.
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A alterofobia levada ao paroxismo do ódio, à insuportabilidade do outro e da diferença - seja ela étnica, de religião ou política- pode conduzir a casos extremos psicopáticos, como neste caso. Mas esse sentimento de intolerância existe latente, em pessoas ainda normais...
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Culpa dos ideólogos e leaders de certos partidos extremistas que “giram” pela Europa, apontando como os bodes expiatórios da crise – e de todas as desgraças - os forasteiros.
Que não discutem as ideias e se limitam a apontar "culpados". Os culpados são sempre os estrangeiros. Os “métèques” de todos os tempos - de que falava Georges Moustaki.
Leio António Sérgio (Volume II dos “Ensaios”, “O Reino Cadaveroso ou o Problema da Cultura em Portugal”, Clássicos Sá da Costa).
Conta ele que o tempo em que nós portugueses fomos grandes foi o das Navegações: que criaram em nós a atitude crítica, a atitude de independência em relação à Autoridade dos textos”.
De curiosidade e abertura ao novo, ao diferente.
Cita Garcia da Orta e os seus Colóquios dos Simples e Drogas.
Foi essa abertura a outra realidade tão diversa da circunstante europeia que nos levou às grandes descobertas.
A descoberta do desconhecido: o outro, os outros, a natureza-outra, a realidade-outra, o homem-outro!
A “nova terra, o novo céu, o novo homem”.
É Garcia da Orta quem diz “não importa a sabença, mas o contributo da busca para a libertação do espírito”, considerando-se ele mesmo um “inquiridor de verdades”!
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Também citado por António Sérgio, aparece o cosmógrafo e navegante Duarte Pacheco e o seu Esmeraldo de Situ Orbis.
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Por isso é "melhor ter muito visto", diz.
O conhecimento é fecundo e dá muito...
Na Noruega foi esse espírito doente, medieval, escolástico e peripatético, intolerante e fechado sobre si, sim, foi ele que fez a carnificina!
Espírito reduzido onde o "plenilúnio da cultura" (de que falava Sérgio) não chegou.
Da cultura verdadeira e aberta, construtiva, que amplifica e abrange em vez de reduzir e fechar...Garcia da Orta nasceu em Castelo de Vide, cerca de 1500 e morreu em Goa, cerca de 1568.
"A experiência é a madre de todas as cousas, per ela soubemos redicalmente a verdade..."
Esmeraldo de Situ Orbis, p. 196
http://carreiradaindia.wordpress.com/category/o-esmeraldo-de-situ-orbis-duarte-pacheco-pereira/
MJ,
ResponderEliminarGostei muito deste post. Um excelente NÂO à ignorância, à violência, ao xenofobismo, ao fundamentalismo venha ele donde vier.
Não sei o que dizer está tudo dito por si de uma forma muito elegante!
Beijinhos e grata por este momento. :)
Adoro Moustaki.
Mais um fracasso insuportável da inteligência!
ResponderEliminarAdorei este seu post.
ResponderEliminarTanto se aprende aqui.
Maria João,
ResponderEliminarQueria agradecer-lhe este texto e associar-me ao seu grito de indignação. Como é possível não aceitar a riqueza do hibridismo e da mudança?!...
Um grande abraço,
Lurdes
Tanto a sonhar e tanto coisa desnecessária acontecendo. Bom ler aqui, não me angustia tanto.
ResponderEliminarbj meu
E o único modo de reagir qual é? Eu acho que é exemplar o que disse o primeiro ministro: "continuar a ser como somos,prezar a democracia e dar as mesmas liberdades".
ResponderEliminarSó assim "eles" não terão a vitória que desejariam ter. Seja lá "eles" quem forem e venha donde vem esse horrendo fundamentalismo ou intolerância.
Com um pouco mais de cuidado, claro!