Nessa manhã tínhamos decidido ir para o Norte da ilha de S. Tomé, em direcção a Neves, mas sem chegar lá mesmo.Neves (que se chamava Nossa Senhora das Neves) fica sobre o mar. Lembro que me pareceu uma cidade sem grande interesse, nem gente nem vida, apenas um pequeno miradouro num largo com esplanada.
No entanto, a ideia que guardo é a de uma costa acidentada e bela, com ravinas a pique e um mar esverdeado e translúcido e um rio que desaguava ali perto.
Quando as chuvas chegaram, inesperadas e violentas, receei que fosse uma daquelas tempestades súbitas, típicas dos trópicos, que me assustavam.
De facto, lá iam os dois de mão dada, avançando.
Quando entrámos, todos muito nervosos pelo susto, desatámos a rir, aliviados.
Perto, havia boas praias.
O mar formava naquela zona uma lagoa e naquela manhã estava lindo como sempre, com as suas águas tranquilas.
Passámos adiante e escolhemos a praia que ficava do outro lado do ribeirinho que corre até ao mar. Um ribeirinho transparente e cheio de seixos redondinhos e escorregadios.
Levávamos um lanche, a Dáy e o Zac foram connosco. O Zac estava sempre pronto para sair!
Quando as chuvas chegaram, inesperadas e violentas, receei que fosse uma daquelas tempestades súbitas, típicas dos trópicos, que me assustavam.
O céu fechou, cinzento, o mar perdeu a cor turquesa de momentos antes, e ficou escuro, cor de chumbo.
Recolhemos a roupa e os sacos, vestimo-nos a correr e fomos buscar o jeep.
Recolhemos a roupa e os sacos, vestimo-nos a correr e fomos buscar o jeep.
Atravessámos de novo o tal ribeirinho, agora um rio. Enchera, sem darmos por isso, naqueles poucos minutos, e era agora um perigo.
A praia não tinha outra saída. Atrás ficavam os coqueiros em mata cerrada. O vento e a chuva dobravam-nos, o ruído assustava-nos.
Só a Dáy não tinha medo e continuava a rir, habituada a calcorrear praias e areias, ribeiros em plena cheia, ou secos e pedregosos.
Vejo-a, como se fosse hoje, decidida como sempre, alegre, a puxar pela mão do Manuel e a levá-lo, conduzindo-o pelo trilho dentro da água, procurando o caminho de pedrinhas que ela adivinhava com os pés, mais do que podia ver.
Os pézinhos dela, descalços, iam à frente, cuidadosos, os olhos dela fixos na água, e procurava apoio, tentando equilibrar-se.
Os pézinhos dela, descalços, iam à frente, cuidadosos, os olhos dela fixos na água, e procurava apoio, tentando equilibrar-se.
Dizia-me, preocupada, na sua voz rouca que carregava um pouco os rr, espreitando para trás, para mim:
- Dôtôrra, põe o pé onde eu pus. Eu levo dôtôrr...
- Dôtôrra, põe o pé onde eu pus. Eu levo dôtôrr...
De facto, lá iam os dois de mão dada, avançando.
O Zac olhava-nos espantado, vendo naquela agitação minha algo de movimento estranho, causado pela precipitação da fuga...
Instintivamente, sentia o meu receio mas, ao mesmo tempo, esperava que eu decidisse, no fundo confiante porque acreditava que a sua dona podia resolver tudo.
Ele nunca conseguiria atravessar o ribeirinho com as suas patinhas, pequeno como era.
Ele nunca conseguiria atravessar o ribeirinho com as suas patinhas, pequeno como era.
Meti-o dentro do saco onde tinha trazido as sanduíches e os sumos mais as toalhas. Pu-lo bem aconchegadinho no fundo do saco e pus as asas do saco bem seguras ao ombro.
Os pés tacteavam as pedras e os olhos seguiam o caminho dos pés da Dáy.
Ela, nos seus dez anos, orgulhosa da missão, segurava com força a mão do seu amigo mais velho.
Quando chegámos ao outro lado, virámo-nos para trás a ver a corrente do rio que se ouvia correr, mais bravia.
Ela, nos seus dez anos, orgulhosa da missão, segurava com força a mão do seu amigo mais velho.
Quando chegámos ao outro lado, virámo-nos para trás a ver a corrente do rio que se ouvia correr, mais bravia.
A chuva era torrencial agora.
Mas o jeep era um ponto seguro, esperava-nos para nos levar a casa.
Quando entrámos, todos muito nervosos pelo susto, desatámos a rir, aliviados.
O Zac continuava espantado, mas - como sempre- entrou na brincadeira e pôs-se a ladrar, a ladrar, misturando o seu ladrar aos nossos risos...
***
NOTA: Neves é uma cidade em São Tomé e Príncipe, sendo capital do distrito de Lembá. Tem uma população estimada em 7392 habitantes. A cidade tem vindo a sofrer uma forte industrialização e é atravessada pelo Rio Provaz.
Lindo.
ResponderEliminarGostei de ver a Dáy, que já conhecia dos seus contos ,onde a ternura está sempre presente.
Um beijinho
Isabel
MJ,
ResponderEliminarSim, estas memórias são belas e trazem-me uma terra que gostava de conhecer. A praia faz lembrar vagamente uma das praias que conheci em Goa.
A Dáy tem um sorriso lindo e como protectora deve ter-se sentido muito feliz. O Zac deve ter mesmo apanhado um susto com a agitação.
As fotografias estão lindas.
Obrigada! :)
Muito bom vir aqui, sempre, conhecer um pouquinho da chamada Felicidade e que bom que ela xiste. Muitos bjs - 5
ResponderEliminarMJoão,
ResponderEliminarQue saudades destes textos de ser-gente-pessoa!! Obrigada, querida amiga!
Beijinhos
Luísa
Mais uma bela história... :)
ResponderEliminarGosto muito de ler as suas memórias!
beijinho