quinta-feira, 1 de setembro de 2011

"Dersu Uzala", filme de Kurosawa, sobre um livro do escritor russo Arseniev


Hoje quero falar de um filme maravilhoso: Dersu Uzala.

O filme foi tirado de uma obra de Vladimir Arseniev, escritor russo, explorador que viajou no Extremo Oriente da Rússia, na zona do rio Ussuri. Filmado na Sibéria pelo realizador japonês Akira Kurosawa, a figura do Capitão Arséniev foi interpretada pelo actor soviético Yuri Solomin, enquanto o papel de Dersu Uzala foi interpretado por um grande actor russo, Maksim Munzuk .
Ao serviço do Império Russo, Arseniev explorou toda a região do Ussuri, no ponto mais a oriente da Rússia, realizando 3 expedições a pé, acompanhado por cossacos e guias nativos siberianos. Contou essas expedições militares e as suas aventuras numa série de livros: “A taiga do Ussuri” (1921) e “Dersu Uzala" (1923).Foi o primeiro autor a descrever a flora siberiana e o modo de vida das gentes da taiga, a zona da floresta boreal.

Lembro Jules Verne e "O Correio do Czar", cavalgando pela taiga siberiana em direcção a Irkutsk...
Vladimir Klavdiyevich Arseniev Nasceu em 10 de Setembro de 1872, em São Petersburgo, e morreu aos 57 anos em 4 de Setembro de 1930.
São Petersburgo, Nevski Prospect


Na primeira das suas viagens conheceu Dersu Uzala, caçador nativo, da etnia dos "hetzen" foi seu companheiro, guia e amigo, de 1902 a 1907.

Dersu Uzala, fotografado por Vladimir Arseniev


Os hetzen são uma minoria étnica que vive na zona da Sibéria e na província chinesa de Heilongjiang, hoje chamados “nanais” na língua Russa e que no filme chamam "goldi".

Dersu, o homem da taiga - a floresta de coníferas- , das montanhas, da neve e do rio, é uma pessoa simples, séria e generosa. Viveu de 1850 a 1908. a taiga siberiana

Arseniev diz que Dersu "é a alma mais pura" que conheceu.

Espírito animista vê em todos os seres que o rodeiam “gente”. Tudo na vida é gente: desde o Sol, gente muito importante, “porque se desaparecer todas as gentes morrem”, à Lua (gente não tão importante), aos animais selvagens, a todos os habitantes da floresta, mesmo os mais insignificantes.


Todos têm direito a viver e a ser respeitados. Num equilíbrio difícil para quem é caçador. Porque para Dersu Uzala a ética e a justiça contam.


Gentes são também os ramos de árvores, os troncos, as pedras e os espíritos dos mortos com quem fala.

Conhece e sobretudo respeita todos os habitantes da floresta, os seres mesmo ínfimos; ama a vida e a terra sob todas as suas formas.
Respeita Ambar, o tigre siberiano, que ronda o pequeno grupo. Fala-lhe para ele se afastar: "a taiga é muito grande! Cabemos cá todos, vai-te embora..."




O tigre acaba por ser ferido de morte por um tiro de Dersu. Olha para trás, corre e desaparece na "taiga".


O terror entra, de repente, no espírito de Dersu, porque ele matou uma “gente” da floresta, sem ser para comer, e nunca mais terá paz.

Quando Arseniev lhe diz “mas ele salvou-se, foi a correr, não o mataste...” , ele sabe que não é verdade e que lhe acertou: “o tigre vai correr, correr até perder as forças e morrer...”

Como os habitantes da taiga fazem.


Um dia, em 1907, acabada a campanha, Dersu, fragilizado por falta de vista, aceita ir viver na casa de Arseniev, em Khabarovsk.


Catedral de Khabarovsk



Khabarovsk hoje



Vladivostok, o início da Sibéria, em 1910


Ali vive um ano, depois “foge” da cidade para a sua zona natal. Arseniev compreende-o e aceita.
Dersu volta para a “taiga”, a região de Primorsky Krai, na ponta extrema da Sibéria, que faz fronteira com a China, a Coreia do Norte e o Mar do Japão.


À procura do seu destino. Quando chegará a vingança de Ambar?

Aqui, ou no fim do mundo... somos gente todos!


http://cidadesaopaulo.olx.com.br/livro-dersu-uzala-vladimir-arseniev-iid-46395100

Encontrei num blog ("Catatau") “As primeiras impressões” de Arseniev, sobre Dersu.
Gostei imenso de ler!


Esse homem me interessou. Algo nele era especial, original. Ele soava simples, paciente, mantendo-se modesto, sem insinuações. Conversamos juntos. Ele contou várias coisas sobre sua vida, e quanto mais me contava, mais inclinava minha simpatia. Eu via diante de mim um caçador primitivo, que durante a vida inteira viajou na taiga e estava livre desses vícios que a civilização das cidades traz. Por suas palavras eu soube que ele obtinha seus fundos para viver com sua arma, trocando objetos de caça por tabaco, munição e pólvora.


Obteve seu rifle por herança do pai. Contou ter agora 53 anos; nunca teve uma casa, e viveu sempre sob o céu aberto, apenas montando no inverno abrigos temporários de cascas e palha. Os primeiros clarões de suas memórias de infância eram: um rio, uma cabana rústica e o fogo, o pai, a mãe, e uma pequena irmã.


"Todo mundo morreu tempos atrás", ele terminou o relato e se perdeu em pensamento. Permaneceu brevemente silencioso e continuou: "Antes eu também tive uma esposa, um filho e uma filha. A varíola terminou com todos. Agora permaneço sozinho…"

Sua face se entristeceu pela lembrança dos sofrimentos. Tentei confortá-lo, mas que era meu consolo para esse homem sozinho, de quem a morte levou a família, a única consolação na velhice? Ele não reagiu e apenas baixou um pouco mais a cabeça.


Eu tentava de algum modo expressar minha simpatia, fazer algo, mas não sabia exatamente o que fazer. Finalmente pensei em algo: ofereci a ele trocar sua velha arma por uma nova. Mas ele recusou, dizendo ser a berdanka prezada por evocar a memória do pai, que ele a usava e ela ainda atirava muito bem. Alcançou-a escorada na árvore, e começou a acariciá-la.”

http://catatau.blogsome.com/2009/08/21/as-primeiras-impressoes-de-vladimir-arseniev/


3 comentários:

  1. Muito interessante!
    Nunca li este livro nem vi o filme embora goste do Kurosawa.
    "viveu sempre sob o céu aberto" é um despojamento e um hino ao silêncio que me atrai mas julgo que não conseguiria viver assim.

    Muito obrigada por esta partilha.

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  2. Olá MJ Falcão,

    Nem imagina o significado que Akira Kurosawa tem para mim.
    Gostei muito deste seu post, não conhecia o livro nem o filme.
    Uma informação preciosa.

    Um grande beijinho

    Blue

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  3. Ana, o filme é uma pequena maravilha! É um hino à vida, à terra, aos seres (todos), à amizade!
    Blue, tem de ver o filme porque é especial... Encontrei-o por sorte na FNAC do Chiado aqui em Lisboa. Já andava à procura dele há muito tempo.
    Não digo que empresto (até emprestava às duas!) porque seguiu já para a minha filha que está a viver longe daqui, num lugar um tanto inóspito...
    Um beijo às duas e bom fim de semana

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