O ratinho quer ter um aluno!

Apareceu aqui por casa um bichinho tímido, assustado, com o pelo eriçado e muito branco. Parecia mesmo ter necessidade de amor...
Confesso que ao princípio nem percebi que bicho era. Mas o ratinho adoptou-o e até o deixava estar no quentinho do saco-cama. Outro ratinho? Um carneirinho? Descobri que era um ouriço.
Não sei onde o ratinho o encontrou (porque isto são coisas do ratinho!)
Só me disse:
- Arranjei um aluno...
- Um aluno? Tu não és professor...
- Como é que sabes?
Pôs um ar importante:
- Tenho até muita coisa para ensinar!

E olhava para o ouriço, muito quieto, a ouvir já tudo...
- Acredito, ratinho. Mas o quê?
- Pode-se ensinar tudo, não é? Basta ter alguma experiência de vida.
“Experiência de vida o ratinho?”
Acrescentou, logo, com o mesmo ar sério:
- E muita vontade, é óbvio...

"É óbvio, ratinho?"

- Eu estou sempre a descobrir coisas novas nas tuas caixinhas cheias de conchas da praia, e dos colares que usas.

Ia mexendo no armário, na escrivaninha, revolvendo tudo.

-Ensino-lhe de que material são feitas as conchas... Madrepérola! Mostro-lhe os colares de casca de côco de São Tomé, os de âmbar da Rússia...

O ouriço tinha o ar de um aluno, todo atento, a ouvir o seu mestre. Continuava sentadinho num cofre de madeira, a espreitar.

- E o que vais ensinar ao ouricinho branco?

- Tudo o que aprendi, coisas que vi, outras que tu me ensinaste... Os cheiros dos teus perfumes, todos diferentes. - E o cheirinho bom do primeiro café da manhã!

- Eu ensinei-te isso?

Estava espantada, confesso.

- Sim, claro. És professora, não és?
- Sou...

- E mais coisas! A ver as árvores do liceu, olhar o céu que muda todos os dias, as nuvens. A ficar encantado com o vôo das gaivotas e das pombas.

Todas as manhãs lá estava no seu poiso, era verdade...

Pensou, a olhar lá para fora. O ouriço saltou para o pé dele, no parapeito da janela. Olhava também, mas não sei o quê...

Queria lembrar-se de tudo o que podia vir a ensinar ao ouriço...

- A Arte! A pintura!

- Os livros... Os teus policiais! O Sherlock! O Dr. Watson! E o Moriarty tão mau... Lembras-te?

- Claro que lembro! Eu sei que aprecias tudo isso...- E as flores na varanda, as plantas...

De repente, animou-se:

- E a música da Billie Holiday. Ah! E daquele homem fantástico que me faz sempre rir, o Louis Amstrong!

Estava sensibilizada com estas palavras. Quase comovida.
-Sabes?, é o que eu gosto: as coisas simples da vida!

Olhou-me, terno, ao lado do ouricinho:

- Não te disse que eu ia ser o teu último aluno?

- Disseste. E eu até gosto muito!
Os bigodes tremeram um pouco e desviou o olhar.
- Parece que há para aí umas pessoas a dizerem no blog que querem ser teus alunos...
Tinha havido de facto umas “conversas”...
Irónico, disse esta frase com alguma afectação:
- Alunos da "escola da vida", dizem...
Pareceu-me ver ciúmes na ironia do ratinho. Era terrível o ratinho poeta!
Para o acalmar, disse:
- Pois foi. Mas era brincadeira, ratinho...
- Talvez fosse...

Agora estava a olhar preocupado para o ouriço, o aluno, que o olhava embevecido, com grande admiração e um pouco de receio...

“O professor já inspira respeito”, ri-me para dentro.
- Tu és o meu aluno mais querido, ratinho!

Riu-se com as gargalhadinhas do costume:

- Não faz mal... Eu sei que sou o teu melhor aluno...

E, num sorriso enorme:

- Só que agora... eu também tenho um aluno...