domingo, 25 de setembro de 2011

O Outono e a melancolia...


Van Gogh, "árvores de Outono"

O Outono tinha chegado, com a sua nevoazinha sobre os tectos das casas, de manhã. Outras vezes eram as nuvens carregadas de chuva que se aproximavam, pairavam sobre os telhados para logo desaparecerem.

Camille Pissarro, "paisagem de Outono"


Vai chover? Não vai chover?

Eu gostava da chuva.

Olhava da janela do meu quarto a rua quase sem gente. Quem passava agasalhava-se num cachecol, num casaco de lã. Alguns traziam uma sombrinha.

Eu gostava muito do Outono!

Um dia a professora disse na aula para fazermos uma redacção. O tema era “O Outono e a melancolia”.

Fiquei espantada porque eu adorava o Outono e notava que com ele chegava uma certa melancolia, mas nunca tinha pensado nisso.

Estranhei que alguém me viesse dizer: "fala sobre isto, fala sobre a tua melancolia"...

Não sei bem o que escrevi, mas sei que falei do poeta José Duro, do seu destino, da sua mágoa.

E falei dos dias cinzentos, dos pássaros que viajam para outros países, da suavidade da temperatura, dos céus quase brancos.

uma das primeiras obras de Van Gogh, "árvores no Outono"

Talvez tenha falado da Serra e dos pinhais, que via da minha janela, numa paisagem azulada pelo nevoeiro, da luz dourada, cor de âmbar, que era repousante e me deixava ficar sonhadora, em contemplação.
quadro da pintora brasileira Raquel Taborelli, "Outono"


Pensativa, encostada nos braços, sem saber em que pensava, de olhos perdidos nos espaços abertos, com vontade de chorar, num sentimento de tristeza que me era agradável.

Vinham-me à memória os fins de tarde, os céus vermelhos até o sol mergulhar nas sombras e tudo escurecer. Os caminhos de areia, cheios de sombras e as pessoas que a noite engole.
O nevoeiro que volta a cair, devagarinho.
Van Gogh, choupos no vale


Por que me comovo?

Van Gogh, o caminho dos mendigos


A melancolia...

Hoje penso em Irene Lisboa...

"Porque espreitais, lágrimas

Viciosas, inoportunas, tão furtivas e tão repetidas.

Lendo, pensando...solícitas, solícitas"...


(João Falco, poema O coração, afinal, em "Outono havias de vir", p.36, Seara Nova, 1937)

Um pouco de chuva anunciada. A chuva vem, a chuva não vem?

"Cai chuva, chora.

Chora, chora.

Solidão, solidão!"

Imaginava os bancos dos jardins abandonados, a solidão que o Outono traz consigo. E sempre Irene Lisboa...

Ninguém fala do Outono sem falar das árvores e das folhas mortas que se juntam no chão, e o vento arrasta num rodopio de tons castanhos, dourados, vermelhos. A trepadeira de vinha virgem rubra que se agarra aos muros velhos

Com o barulhinho schschsch que fazem as folhas secas a arrastar pela areia dos caminhos.
fotografia de Rolando Palma


Como diz a canção.

“Ah! je voudrais tant que tu te souviennes des jours heureux nous étions amis...Dans ce temps-là la avie était plus belle et le soleil plus brillant qu’aujourd’hui...Les feilles mortes se ramassent à la pelle, tu vois je n’ai pas oublié...”

O Outono aí está uma vez mais, ainda disfarçado de Verão...
Um ventinho que corre mais fresco e agita suavemente as folhas, as noites que nos deixam respirar melhor, revelam que ele há de vir...

Os plátanos do largo e os salgueiros começam a perder as folhas, mesmo ali em frente.
Daqui a pouco virão os dias que me descansam, em que me sinto próxima de mim própria e de outros tempos.

"Outono havias de vir latente calmo", como diz Irene Lisboa.

Voltam os dias da melancolia...

"Les Feuilles Mortes" - letra do poeta Jacques Prévert, música de Joseph Kosma (1945)



"Ah ! je voudrais tant que tu te souviennes

Des jours heureux où nous étions amis.

En ce temps-là la vie était plus belle,

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui.

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle.

Tu vois, je n'ai pas oublié...

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Et le vent du nord les emporte

Dans la nuit froide de l'oubli.

Tu vois, je n'ai pas oublié

La chanson que tu me chantais.
C'est une chanson qui nous ressemble.

Toi, tu m'aimais et je t'aimais

Et nous vivions tous deux ensemble,

Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais.

Mais la vie sépare ceux qui s'aiment,

Tout doucement, sans faire de bruit

Et la mer efface sur le sable

Les pas des amants désunis.
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Mais mon amour silencieux et fidèle

Sourit toujours et remercie la vie.J

e t'aimais tant, tu étais si jolie.

Comment veux-tu que je t'oublie ?

En ce temps-là, la vie était plus belle

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui.

Tu étais ma plus douce amie

Mais je n'ai que faire des regrets

Et la chanson que tu chantais,

Toujours, toujours je l'entendrai !"

8 comentários:

  1. Ah! O Outono... A melancolia, os cheiros, as cores. Como o desejo!
    Irene Lisboa foi-me "apresentada" pela sua mãe, numa sugestão de leitura. Fiquei rendida para sempre!
    Beijinhos querida amiga

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  2. Obrigada. Resta-me desejar um feliz Outono às duas amadoras do Outono...
    Um beijo

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  3. O Outono é tudo aquilo que escreves.
    A tua escrita tem magia. Ao ler, visualizamos tudo de uma maneira mágica.

    Beijo doce, meu belo Falcão Lunar!!

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  4. Lindissimo post.

    O Outono, a minha estação preferida.
    E está tudo aqui no seu post.

    Um beijinho de Outono

    Blue

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  5. Excelente pauta

    Para mim o Outono é um apeadeiro

    para os belos relâmpagos

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  6. A natureza é sempre bela, como os quadros de Van Gogh ou Camille Pissarro, ou a tua alma sensível. Mas é verdade que o outono se associa como nenhuma outra estação à tristeza dos finais, amarelecem e caem ao chão as folhas que foram verdes,como os sonhos, as alegrias passadas, os amores mortos...
    Por isso.
    Mas também às vezes acaban coisas que nunca deveriam ter começado, assim que aleluia!!
    Feliz semana.

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