quinta-feira, 29 de setembro de 2011

E as crianças? Deixem-nas sonhar e brincar! "Let The Children Play!"




"E as crianças, Senhor! /Por que lhes dais tanta dor/por que padecem assim?", já se lamentava Augusto Gil...

Habituados às imagens de violência e de guerra e fome, de abusos, já estávamos e agora aparecem outras formas de "agressão" às crianças.
Longe vão os tempos do maravilhoso e terrível romance "David Copperfield" do grande Dickens, dos tempos da revolução industrial, que tão cruamente falava da infância dolorosa!...

E no entanto as crianças continuam a ser "empurradas" para uma vida adulta sem terem chegado a ter infância real...
Deixem as crianças brincar! Viver aventuras com os amigos! Mesmo andar à pancada...
Deixem-nas aborrecerem-se! Deixem-nas sonhar! Ou lerem histórias para crianças, com bonecos e fantasia...
Não as façam crescer como os frangos de aviário: à força!
Hoje combates há combates de luta-livre e meninas que imitam as mães e se maquilham como elas...

Onde está o tempo da infância?

No Reino Unido fazem furor os combates de luta livre entre miúdos de 8/9 anos. Treinados, enquadrados por adultos, agitam-se num ringue-jaula, de mãos nuas, e batem-se como grande, magoam-se e choram...como crianças.

"A luta entre as duas crianças, gravada em vídeo e colocada no site You Tube, ocorreu no dia 10 num clube social da localidade de Preston, na presença de 250 espectadores adultos.

"Crianças de oito anos que combateram sem capacete ou qualquer protecção, lutaram fechadas num ringue rodeado por grade metálica, a exemplo da modalidade conhecida como 'cagefighting' (luta em jaula)".

"http://joaoesocorro.wordpress.com/2011/09/22/video-com-criancas-lutando-numa-jaula-chocam-britanicos-assista/

“Não é ilegal, mas está a anos-luz daquilo que se espera de uma sociedade como a britânica no século XXI. Há quem pague para ver duas crianças de oito anos a lutarem dentro de uma jaula. A reportagem é da SkyNews.”

Dezenas de espectadores seguem o desafio, de olhos fixos, animam os lutadores em quem com certeza apostaram como nas corridas de cavalos, ou nas lutas de cães.

Ou nas lutas de galos: que barbaridade...

Por outro lado há as lolitas, as crianças-mulheres que hoje se vestem e se maquilham como as mães, que usam sapatos de salto alto a sério, feitos para o tamanho delas, e que já põem “botox” nos lábios para ficarem mais sexy.

Que tristeza! É tão bom ter uma infância...

http://aeiou.expresso.pt/barbarie-rapazes-de-8-anos-lutam-em-jaula-no-reino-unido-video=f675865#ixzz1ZMkgfDD3


O grande poeta Mário de Sá Carneiro



Crise lamentável

Gostava tanto de mexer na vida,

De ser quem sou – mas de poder tocar-lhe...

E não há forma: cada vez perdida

Mais a destreza de saber pegar-lhe.

Viver em casa como toda a gente

Não ter juízo nos meus livros – mas

Chegar ao fim do mês sempre com as

Despesas pagas religiosamente.

Não ter receio de seguir pequenas

E convidá-las para me pôr nelas –

À minha Torre ebúrnea abrir janelas,

Numa palavra, e não fazer mais cenas.

Ter força um dia pra quebrar as roscas

Desta engrenagem que empenando vai.

– Não mandar telegramas ao meu Pai,

– Não andar por Paris, como ando, às moscas.

Levantar-me e sair – não precisar

De hora e meia antes de vir prà rua.

– Pôr termo a isto de viver na lua,

– Perder a frousse das correntes de ar.

Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas

Por casa dos amigos que frequento –

Não me embrenhar por histórias melindrosas

Que em fantasia apenas argumento

Que tudo em é fantasia alada,

Um crime ou bem que nunca se comete

E sempre o Oiro em chumbo se derrete

Por meu Azar ou minha Zoina suada...

Paris - Janeiro 1916.

Mário de Sá-Carneiro, Poemas Completos

Edição Fernando Cabral Martins

Assírio & Alvim, 2001


A voz crua e desiludida de Florbela Espanca





Perdi os meus fantásticos castelos


Perdi os meus fantásticos castelos

Como névoa distante que se esfuma...

Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:

Quebrei as minhas lanças uma a uma!


Perdi minhas galeras entre os gelos

Que se afundaram sobre um mar de bruma...

- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? -

Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!


Perdi a minha taça, o meu anel,

A minha cota de aço, o meu corcel,

Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...


Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...

Sobre o meu coração pesam montanhas...

Olho assombrada as minhas mãos vazias...


Florbela Espanca, in “A Mensageira das Violetas”





domingo, 25 de setembro de 2011

O Outono e a melancolia...


Van Gogh, "árvores de Outono"

O Outono tinha chegado, com a sua nevoazinha sobre os tectos das casas, de manhã. Outras vezes eram as nuvens carregadas de chuva que se aproximavam, pairavam sobre os telhados para logo desaparecerem.

Camille Pissarro, "paisagem de Outono"


Vai chover? Não vai chover?

Eu gostava da chuva.

Olhava da janela do meu quarto a rua quase sem gente. Quem passava agasalhava-se num cachecol, num casaco de lã. Alguns traziam uma sombrinha.

Eu gostava muito do Outono!

Um dia a professora disse na aula para fazermos uma redacção. O tema era “O Outono e a melancolia”.

Fiquei espantada porque eu adorava o Outono e notava que com ele chegava uma certa melancolia, mas nunca tinha pensado nisso.

Estranhei que alguém me viesse dizer: "fala sobre isto, fala sobre a tua melancolia"...

Não sei bem o que escrevi, mas sei que falei do poeta José Duro, do seu destino, da sua mágoa.

E falei dos dias cinzentos, dos pássaros que viajam para outros países, da suavidade da temperatura, dos céus quase brancos.

uma das primeiras obras de Van Gogh, "árvores no Outono"

Talvez tenha falado da Serra e dos pinhais, que via da minha janela, numa paisagem azulada pelo nevoeiro, da luz dourada, cor de âmbar, que era repousante e me deixava ficar sonhadora, em contemplação.
quadro da pintora brasileira Raquel Taborelli, "Outono"


Pensativa, encostada nos braços, sem saber em que pensava, de olhos perdidos nos espaços abertos, com vontade de chorar, num sentimento de tristeza que me era agradável.

Vinham-me à memória os fins de tarde, os céus vermelhos até o sol mergulhar nas sombras e tudo escurecer. Os caminhos de areia, cheios de sombras e as pessoas que a noite engole.
O nevoeiro que volta a cair, devagarinho.
Van Gogh, choupos no vale


Por que me comovo?

Van Gogh, o caminho dos mendigos


A melancolia...

Hoje penso em Irene Lisboa...

"Porque espreitais, lágrimas

Viciosas, inoportunas, tão furtivas e tão repetidas.

Lendo, pensando...solícitas, solícitas"...


(João Falco, poema O coração, afinal, em "Outono havias de vir", p.36, Seara Nova, 1937)

Um pouco de chuva anunciada. A chuva vem, a chuva não vem?

"Cai chuva, chora.

Chora, chora.

Solidão, solidão!"

Imaginava os bancos dos jardins abandonados, a solidão que o Outono traz consigo. E sempre Irene Lisboa...

Ninguém fala do Outono sem falar das árvores e das folhas mortas que se juntam no chão, e o vento arrasta num rodopio de tons castanhos, dourados, vermelhos. A trepadeira de vinha virgem rubra que se agarra aos muros velhos

Com o barulhinho schschsch que fazem as folhas secas a arrastar pela areia dos caminhos.
fotografia de Rolando Palma


Como diz a canção.

“Ah! je voudrais tant que tu te souviennes des jours heureux nous étions amis...Dans ce temps-là la avie était plus belle et le soleil plus brillant qu’aujourd’hui...Les feilles mortes se ramassent à la pelle, tu vois je n’ai pas oublié...”

O Outono aí está uma vez mais, ainda disfarçado de Verão...
Um ventinho que corre mais fresco e agita suavemente as folhas, as noites que nos deixam respirar melhor, revelam que ele há de vir...

Os plátanos do largo e os salgueiros começam a perder as folhas, mesmo ali em frente.
Daqui a pouco virão os dias que me descansam, em que me sinto próxima de mim própria e de outros tempos.

"Outono havias de vir latente calmo", como diz Irene Lisboa.

Voltam os dias da melancolia...

"Les Feuilles Mortes" - letra do poeta Jacques Prévert, música de Joseph Kosma (1945)



"Ah ! je voudrais tant que tu te souviennes

Des jours heureux où nous étions amis.

En ce temps-là la vie était plus belle,

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui.

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle.

Tu vois, je n'ai pas oublié...

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Et le vent du nord les emporte

Dans la nuit froide de l'oubli.

Tu vois, je n'ai pas oublié

La chanson que tu me chantais.
C'est une chanson qui nous ressemble.

Toi, tu m'aimais et je t'aimais

Et nous vivions tous deux ensemble,

Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais.

Mais la vie sépare ceux qui s'aiment,

Tout doucement, sans faire de bruit

Et la mer efface sur le sable

Les pas des amants désunis.
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Mais mon amour silencieux et fidèle

Sourit toujours et remercie la vie.J

e t'aimais tant, tu étais si jolie.

Comment veux-tu que je t'oublie ?

En ce temps-là, la vie était plus belle

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui.

Tu étais ma plus douce amie

Mais je n'ai que faire des regrets

Et la chanson que tu chantais,

Toujours, toujours je l'entendrai !"

No fim deste domingo, mais uma música: Bob Dylan - "Forever young" (with lyrics on screen)



sábado, 24 de setembro de 2011

Outra canção da cantora Tori Amos - "Total Eclipse Of The Heart"



Tori Amos é o pseudónimo de Myra Ellen Amos Cantora, compositora e pianista norte-americana.
Vi-a anteontem num programa da Arte e gostei do modo das canções acompanhadas ao piano. Algumas lembravam a melodia das baladas irlandesas.
A voz não será das mais "marcantes" talvez.
Diziam que nas suas composições se inspirava na música de Satie e em Schubert. Quis ouvir mais... E aqui vos deixo um pouco do que soube sobre esta cantora...
De momento encontra-se em tournée pela Finlândia, San Petersburgo vindo por aí abaixo até Moscovo, Luxembrurgo e finalmente Paris. No ano passado esteve no OLymoia, desta vez apresenta-se noutra sala, Le Grand Rex, ( Boulevard Poissonniere) no dia 5 de Outubro.

Nasceu em 22 de Agosto de 1963 no Hospital Old Catawba, em Newton,na carolina do Norte, durante uma viagem que a família fazia para Georgetown.
Os avós maternos são de ascendência mista - europeia e cherokee oriental.

Amos esteve à frente de um grupo de cantoras e compositoras no começo da década de 90, sendo digna de nota, no começo da sua carreira, como uma das poucas cantoras e intérpretes pop que usam o piano como instrumento principal.

É conhecida por suas músicas emocionalmente intensas, que tratam de uma variedade de assuntos.

Como crítica social, e algumas vezes activista, alguns dos tópicos que mais aborda incluem feminismo, religião e sexualidade. e tragédia pessoal.

Alguns dos seus singles mais bem-sucedidos incluem “Crucify”, “Silent All These Years”, “Cornflake Girl”, “Caught a Lite Sneeze”, “P“Profesional Widow”, “Spark” e “A Sorta Fairytale”.

http://youtu.be/w5sa2LoqUog

http://youtu.be/nzK0tCK2QNg

http://youtu.be/TLZuR_-ZM_U

Disse-me a Carlota que esta canção ainda é mais bela cantada por Bonnie Tyler... Vou ver!

http://youtu.be/IgRfvWAZw5w

http://youtu.be/eIup5g0nCQQ

Tori Silent All These Years - Tori Amos ft. Leonard Cohen





The Smiths - I'm So Sorry

Mais : The Smiths - "There is a light that never goes out"...

Música para animar o domingo! "Lovesong" -The Cure

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O ratinho está desiludido com o aluno...

Vi o ratinho pensativo à janela. Habituada a vê-los agora sempre juntos, ele e o aluno, fiquei surpreendida.
- Então, ratinho hoje estás sozinho?
- Estou.
Pareceu-me que não queria falar mais do assunto. O ratinho é muito reservado. Deixei-o e continuei a dar um jeito no quarto. Foi ele que se virou para mim e disse:
- Estou farto de dar aulas!

- Ai, sim? E o teu aluno ?
- É um preguiçoso, não quer aprender. Anda a brincar com a gatinha japonesa, ou com o limpa-chaminés...
Falava com ar de enfado. Pensei que estava ferido no seu amor-próprio.
- Não ligues, ele ainda é muito miúdo.
- Uma criança parva é o que ele é. Sempre deitado pelos cantos, não ouve o que lhe digo, a cantar enquanto lhe explico... - É um pouco anarquista...
Já tinha reparado naquela atitude de independência.

- É um rebelde! E malcriado! Vira-me as costas, nas aulas. Eu a explicar e está sempre distraído!...




















- Deixa passar o tempo, ratinho. Ele vai voltar às aulas. Vai precisar das tuas lições.

- Diz que não, que já aprendeu muito na vida, e que eu lhe quero meter as minhas ideias e os meus gostos na cabeça. Até o yoga... Vê tu! Agora faço yoga sozinho e ele fica a olhar para o ar!- Pode ter alguma razão..., amenizei eu.

- Aprender é sempre bom! Dizem que se deve aprender até ao fim da vida! Ensinaste-mo tu...
- É verdade. Mas há tempo para tudo. Talvez seja cedo para o que lhe queres ensinar...
- Cedo? Para ler livros? Conhecer países? Ver pintura? Não me parece... Mostro-lhe as cidades: Moscovo, Londres, e ele fica é a olhar para os bonecos!
Olhou para mim, indignado.

- Anda para ali com uns brinquedos, põe-se de barriga para o ar quando eu falo dos livros.
- Ainda é muito novo...
- Novo? Tem quase a minha idade!
Não sei qual é a idade do ratinho, por isso calei-me.
- Não dizes nada?
- Espera, ratinho, deixa o tempo passar um pouco...


De repente, ouvi um barulho aos meus pés. Era o ouricinho a falar. Tem uma voz fininha mas muito musical. Ajudei-o a subir para a mesa.
- Ó professora! Estava ali a ouvir o que ele dizia. E...
“Ó, Professora?” Esta era boa...
- Não se deve escutar às portas!, disse logo o ratinho.
- Não estava a escutar. Ouvi, porque vinha a entrar... Ó professora, repetiu, ele é injusto!
- Por quê?, perguntei.
Tinha que arbitrar aquele conflito nascente...
- Porque não me deixa ter as minhas opiniões, por isso...
- Não deixo? Mas tu não sabes nada...
Ria-me por detrás da máquina fotográfica.
- Sei sim. Observo. Na minha vida vi muitas coisas! Tenho a minha experiência e tu só falas da tua.
- Eu? Mas eu queria ensinar-te o que sei...

- Não me deixas ver com calma as coisas de que eu gosto! Não me ouves.

- Não ouço? De que é que tu gostas?
- Gosto do quadro da Vue de Delft, por exemplo, de quadros coloridos de olhar, de ler devagar...Um professor tem que ouvir também, não é professora? - Sim, tem que ouvir. Mas eu não sou a tua professora, o ratinho é que é teu professor...
- Uma professora é sempre professora, disse com um grande sorriso.
O ratinho olhou-o, irónico.
- Isso fui eu que te ensinei...
- Pois foste... Tu já me ensinaste umas coisas. Mas não te armes em bom a julgar que eu sou ignorante!
- Só queres brincar com a gatinha japonesa... - Vês, estás a ser injusto com ela. Brincamos mas conversamos também. Estivemos a ver como funciona a clepsidra! Eu gosto de ver para aprender.
Olhou para nós, a rir-se:
- Até fiz yoga em cima da clepsidra! E de pés para o ar!
- A sério?, perguntei eu, desconfiada.

Ele acrescentou, com ar malandro:


- E ela ensina-me japonês...
- A sério?, entusiasmou-se agora o ratinho. Oh! eu adorava saber falar japonês!
- Pois é. Eu pedi-lhe... Tu és muito orgulhoso, não pedes nada.

Afinal o ouricinho era menos infantil do que julgávamos eu e o ratinho. Pensei na gatinha japonesa a quem não dávamos tangta importância. Ele tinha razão. O que iria protestar o ratinho? Fiquei à espera.


O ratinho esteve calado muito tempo. Depois, disse, numa voz séria:
- Tens razão. Acho que me deste uma lição... Tenho que ouvir o que tu dizes! Podes perguntar sempre...


Pronto, tinham feito as pazes! Que alívio!
O ratinho já estava ao pé do ouriço branco. O temporal tinha passado.

- Sabes uma coisa?, vou pedir à gatinha japonesa que me ensine japonês!

Saltaram os dois para o chão e desapareceram pela porta. Ouvi-os rir no corredor.


Estes bichinhos são espantosos! Quem me dera ter a idade deles...

Já os estou a imaginar amanhã a fazer yoga juntos outra vez...