A Elinor e eu, na Dizengoff
Quando passava em frente do
café, que ficava ao fundo da minha rua, ouvia chamar:
- Marie!
Era a Elinor...
Rehov Ben Yehuda
Tudo era perto da sderot Ben Gourion que era no fundo o passeio público e onde me habituara a passear desde os primeiros tempos.
eu à janela, na Rehov Lassalle, 4
Tivera vários nomes,
vários proprietários, várias decorações durante os anos em que ali vivi. Agora não tinha nome.
Elinor viera trabalhar no café da Lassalle,
há pouco.
Conheci-a, antes, noutro café, perto da Sderot Nordau. Um café muito diferente, com uma atmosfera oriental, cheio de sofás e
almofadas de sedas coloridas, paredes pintadas de verde pálido, cadeiras
lacadas, mesinhas baixas.
Um dia fechou.
Um dia fechou.
Em Telavive, tudo é muito
rápido. O efémero ronda por ali e a efemeridade das coisas, dos lugares e das
pessoas sente-se mais do que em qualquer parte do mundo.
Também os cafés sofrem desse mal: abrem e fecham,
mudam, renovam-se enquanto as pessoas vão e vêm, procuram novas coisas, outros lugares.
Telavive é a cidade nova, saída
do nada: criada das dunas, sem passado, vive intensamente a vida que passa.
Vive, porque aprendeu que nada é para sempre.
Telavive é a cidade sem intervalo, sem
repouso, onde se procura viver o momento fugaz, sem olhar para trás.
“O passado “passou”, o amanhã pode nunca chegar: vivamos o dia de
hoje”, foi a máxima que nos ensinou logo um amigo cheio de sabedoria.
Dizia Steinbeck, (The Winter of our Disconfort): “Quem fica
agarrado ao dia que passou, arrisca-se a ficar parado toda a vida!”
Penso que é assim mesmo...
Viver. Rir e chorar, e andar sempre em frente, porque o caminho é por ali,
atrás de cada passo difícil, outro virá - talvez melhor. Se não for amanhã, será depois ainda.
Por que não há-de vir?
Por que não há-de vir?
Mas estava a falar do café da Rehov Lassalle, um café na
esquina da minha rua.
Pois é, como dizia, os cafés vão e vêm, não duram,
como que engolidos num movimento constante de vai e vem e de renovação, de insatisfação.
Nada perdura? Sim, o calor
humano, a amizade profunda passados os anos que lá vivi.
- Marie...
Ela sabia que eu entrava sempre no café, mas chamava-me todas as vezes com medo que eu não entrasse.
Eu ia lá por causa da Elinor...
Era um café simples, mas com um
ambiente agradável pela música que ela costumava pôr.
E pela conversa da Elinor...
Elinor era uma judia cuja
família viera de Marrocos, uma sefarad
pois. Gostava de falar da família dela, um pai muito religioso e uma mãe,
francesa, que se convertera ao judaísmo quando o conheceu, em Paris.
Chegara a Israel, com 18
anos, para fazer o serviço militar, e aprendeu hebraico nessa altura.
Queixava-se às vezes: “esqueci completamente a minha língua. Já não sei escrever francês!”
Ria-se e concluía, sincera: "bem, confesso que em hebraico também não escrevo correctamente... Só escrevo bem inglês porque aprendi na escola com as regras da gramática.”
No entanto, falava essas línguas
perfeitamente, e entendíamo-nos de todas as maneiras. Até nos gostos musicais,
trocando CDs, gravando cassettes.
Um dia, emprestou-me um disco de
Francis Cabrel que eu nunca tinha ouvido.
- É para ti porque tem uma
canção de que gosto muito, “Petite Marie”e a “petite marie” és tu!
Ria-se, com um grande sorriso aberto.
Quando ela tinha tempo íamos até a Promenade ver o mar.
- Viens, Marie. Un petit café?
Quando ela tinha tempo íamos até a Promenade ver o mar.
A dada altura cansou-se dos
cafés e foi trabalhar na Rehov Sheinkin
- a rua dos artistas de Telavive.
Perto do Museu Reuven Rubin e do Shouk Ha-Carmel, o mercado.
Uma rua onde havia galerias de arte, exposições num jardinzinho ali perto, casas em estilo Bauhaus, cafés antigos, lojas modernas de todos os tipos.
Perto do Museu Reuven Rubin e do Shouk Ha-Carmel, o mercado.
Reuven Rubin, Cavalos azuis
Uma rua onde havia galerias de arte, exposições num jardinzinho ali perto, casas em estilo Bauhaus, cafés antigos, lojas modernas de todos os tipos.
- Faço a contabilidade, disse-me.
Pedia dois minutos ao patrão e
ele deixava-a sair. Íamos dar uma volta, comer gelados ou sumo de romã e ver as
lojas de discos muito boas, onde descobri CDs
de Jazz raríssimos.
Ou íamos a um restaurante que tinha um quintalinho no interior, quase um pomar, onde se estava bem no Verão.
Ou íamos a um restaurante que tinha um quintalinho no interior, quase um pomar, onde se estava bem no Verão.
Comíamos uma sopa gelada à base de iogurte, com pepino aos
quadradinhos e hortelã picada.
o Shouk Ha-Carmel
Por vezes subíamos a rua até
chegar ao antigo e histórico “Café
Tamar”, relíquia de Telavive, onde reinava ainda uma grande mulher (em todos os
sentidos), Sara Stern, a dona, por detrás do balcão da caixa, ou a jogar às cartas.
Mas a maior parte das vezes encontrava-a sentada a uma das mesas, com um grupo de amigas da mesma idade, a jogar às cartas, a fumar e a conversar, ou a comer.
Olhava-nos com uns olhos verdes curiosos e perguntava por que não comíamos também a sopa que estava a comer.
De facto, costumávamos comer, de
Inverno, uma forte sopa de tomate e pimentos vermelhos, muito espessa, numa tigela grande, com uma
fatia de pão frito e por cima um ovo estrelado!
- Oh! Elinor!
Penso nela.
Na minha cozinha fartávamo-nos de falar. A cozinha que era o meu “escritório”. Na parede tinha colado postais de todo
mundo, que me enviavam os amigos, fotografias, bilhetes, avisos e contas a
pagar.
Bebíamos chá verde e comíamos bolachas de chocolate.
Nunca me pediu nada, nem nos momentos mais difíceis da sua vida, vida
sem segurança, de jovem sem família perto, deslocada, sem ter feito estudos a
sério, vivendo de trabalhos precários.
Mas eu gostava de lhe dar
prendas – coisas que sabia que lhe faziam falta e, dentro do embrulhinho, punha sempre alguns shekalim escondidos.
Quando vim embora de Telavive, foi
triste a despedida.
Anos passaram, talvez sete,
talvez menos.
Perdi o contacto com Elinor:
desaparecera da morada, do telefone. Silêncio total.
E como na vida tudo acaba por
acontecer – bom e mau- eu quero lembrar-me é do bom... ouçam o que me aconteceu!
Um dia voltámos a Telavive. Lá
voltei a percorrer a Dizengoff, a Ben Yehuda,
a Sheinkin. As ruas onde passeara durante cinco anos, com o meu cão pela trela.
Café Segafredo, na rehov Dizengoff
A meio da Dizengoff fica um café onde nos habituáramos a ir
beber um bom café italiano, era o “Segafredo”.
Entrámos. O café não mudara nada: os mesmos donos, a mesma estrutura envidraçada, a mesma cor vermelha lacada dos balcões, as mesas pretas pequeninas e as cadeiras confortáveis, tudo lá estava.
Entrámos. O café não mudara nada: os mesmos donos, a mesma estrutura envidraçada, a mesma cor vermelha lacada dos balcões, as mesas pretas pequeninas e as cadeiras confortáveis, tudo lá estava.
Resolvi tirar uma fotografia. Vim cá para fora
de máquina em punho.
Pela lente, via a rua que conhecia bem, o exterior do café envidraçado e pintado de encarnado, as
árvores, as construções inacabadas, as flores aqui e ali, as árvores.
E, de repente...
- Impossível!, pensei.
No entanto, o rosto que vi aparecer, conhecia-o bem. Apertei a máquina com força.
No entanto, o rosto que vi aparecer, conhecia-o bem. Apertei a máquina com força.
- Não pode ser...
Não era, pois não? Mas era. Era a Elinor!
- Marie!
Elinor está hoje em Paris.
Estará? Ela não consegue
parar...
Essas amizades, são escritas a fogo e não saem mais mais dos nossos corações. Ela é linda.
ResponderEliminarE se gosta de viajar ... um dia ela vai dizer ... MARIE!!!
vamos torcer.
bjs nossos
eis uma cidade que gostaria de conhecer.
Que saudade! Foram anos inesquecíveis! Encontrámos pessoas únicas! Vivemos no fio da navalha da vida... que é como se vive a sério!
ResponderEliminarBonita homenagem a uma amiga que se vê muito suave e carinhosa, linda, que te ajudou certamente a viver melhor a estância em Telavive.
ResponderEliminarA amizade é como o sal do pão, o azúcar do café, a canela do leite merengado...
Não imagino a minha vida sem um bom amigo sempre perto. Se as duas vivêssemos na mesma terra talvez fôssemos boas companheiras, quero imaginar que sim, eu considero-me uma pessoa fácil (penso!) e muito fiel, disso tenho a certeza. Acho que não há verdadeira amizade sem constância, mas também, como diz Carmen Posadas, "siempre hay que saber qué se puede esperar de cada amigo"...
Beijinhos
São memórias assim, laços construidos, que dão sentido à vida. Só!
ResponderEliminarBeijinhos cheios de saudades
Obrigada MJ por partilhar mais uma das suas histórias de vida. Gosto tanto de as ler...
ResponderEliminarum grande abraço para si e para a Elinor :)
Fabuloso!
ResponderEliminarAcredita no acaso? Acredita no destino?
Eu acredito no destino e acho que nada acontece por acaso!!...
Existem pessoas que nos marcam para sempre e que estarão sempre presentes. Independentemente dos anos que passem, do sítio onde estamos, das circunstâncias...
Olá, querida M. J. Falcão,
ResponderEliminarQue estória maravilhosa! Como disse nosso poeta Vinícius de Moraes, "a vida é a arte do encontro".
Aproveito para convidar você e os leitores do seu blog para as comemorações do terceiro aniversário do Jazz + Bossa.
Quem acertar o nosso desafio ganha um dvd maravilhoso: Ray Brown e Milt Jackson em Montreux;
http://ericocordeiro.blogspot.com.br
PS.: fiquei com inveja da loja onde se podiam encontrar raros cds de jazz :-)
Ainda bem que puderam "conhecer" um pouco a Elinor!
ResponderEliminarObrigada! Ela vai ficar contente...
E agora ainda mantém o contacto com ela ou perdeu-o outra vez?
ResponderEliminarQue história linda.
Há um mail que circula por aí que diz que há amigos que passam, amigos que ficam, amigos por pouco tempo, amigos para sempre, mesmo que nunca mais se vejam, amigos...amigos...
Há pessoas que ficam para sempre connosco.
Mas é bom, como diz a Maria haver sempre aqueles amigos que temos perto.Não precisam ser muitos.
Uma história muito linda e gostei muito das fotografias.
Um beijinho grande
MJ,
ResponderEliminarGostei muito desta memória que partilhou. Uma bela história, uma história cruzada por dois momentos. O tempo passa, temos que olhar o futuro, mas o passado não se esquece e tem destes tesouros.
Obrigada por este maravilhoso momento!
Ando com mais trabalho.
Beijinhos. :))))
Isabel, percebo a tua pergunta: ainda tem contacto com ela?
ResponderEliminarTenho! Não tenho a direcção porque ela muda de tempos a tempos, esteve em Paris, voltou a Telavive. Mas tenho o email...
Inclusivamente está no Facebook e "falamos"...
beijinhos
Gostei muito deste texto (pelas fotografias, pelas imagens escritas de como será Telavive e pelo reencontro que nos é contado, gosto muito de acreditar em reencontros assim).
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
Querida Maria João,
ResponderEliminarO extraordinário não é a historia em si.
Para nós aqui histórias destas são o quotidiano.
O que é extraordinário é a forma tão natural, tão sentimental, como a Maria João escreve as suas recordações.
Também nós temos as nossas recordações do dia em que a Maria João e o Manuel aqui desembarcaram, para ocupar o lugar de representante da Cultura Portuguesa em Israel, e a nossa amizade nasceu espontaneamente.
Não somos só nós, Tel Aviv não vos esquece. Pense no reverso, para a Elinor, e para dezenas de pessoas como ela, que tiveram a dita de vos conhecer, a história que ficou gravada é a do casal que chegou dos confins do Ocidente e aqui lhes proporcionou tanto carinho, tanta naturalidade e tanta amizade.
Bem hajam e voltem muitas vezes, voltem sempre.
Obrigada, Inácio! Também eu me lembro desse encontro histórico! Grande abraço e a nossa amizade SEMPRE!
ResponderEliminarMaria ciao
ResponderEliminarMi e' piaciuto vedere Tel aviv!!!
E tu come stai?
Non ci siamo piu' sentiti ma ti penso spesso
Da noi tutto bene
Bacioni
Lea
A Elinor respondeu-me:"Marie,j'adore!"
ResponderEliminarOnt devrait ce revoir pour que tu puisse raconter la suite de cette belle histoire :)
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