sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Katherine Mansfield, uma vida curta, e os contos imortais...



A simplicidade dos seus contos toca-nos. Uma tristeza, melancolia, procura da solidão envolve-nos. A sua sensibilidade, sempre notável, falando de temas comuns: das vidas vulgares, sem grandes histórias, das pessoas normais e sensíveis.

Fala das pequenas coisas: o espanto de ter uma casa nova, as saudades de alguém que passou. As viagens inesperadas, as pessoas que se encontram por breves momentos.

Uma pereira em flor, numa noite de luar, a felicidade intensa sem se saber por quê...

Os pequenos sofrimentos causados por alguém que nos magoou. Os “etc” infindáveis das "monstruosidades vulgares", feliz título de José Régio.



Tudo isto em descrições cuidadas, criadas “de dentro”, “por dentro”, deixando ver a alma das personagens que aflora, delicadamente. Porque tudo passa pelo filtro da sensibilidade e pela delicadeza – mesmo nas coisas mais brutais - da alma da narradora.

A análise dos sentimentos, das coisas indizíveis, da timidez, da dificuldade de falar  é importante nos contos de Mansfield.

O movimento e o colorido em tudo o que escreve, também. O das paisagens que desfilam ao lado de um comboio, que vai sem se saber bem onde. O dos lugares anódinos que de repente ganham vida. Ou perdem vida...

Igualmente, a sugestão que comunicam certos ruídos que ajudam a revelar atmosferas, lugares. As onomatopeias que a autora usa de modo justo, e sem nunca exagerar, são criativas: o ruído do comboio, o gorgolejar das garrafas, os pássaros, o barulho das rolhas a sair dos gargalos de vidro: os pof-pof, paf-paf, toc-toc...

A edição de "Coisas de Ler" (Prelúdio e Felicidade), que me ofereceu a minha aluna Erya

Do Prefácio de John Middleton Murry à edição do “Diário” (“Journal”, Editions Stock, Club des Libraires de France, “edição integral e definitiva” cuidada por John Middleton Murry e André Bay, poeta e romancista francês,1956) retiro algumas passagens sobre a vida da autora:


Wellington

Katherine nasceu em Wellington, na Nova Zelândia em 14 de Outubro de 1888. Era a terceira filha de uma família de cinco filhos. (...) 


a casa onde Katherine Mansfield nasceu

Com 13 anos enviam-na para Inglaterra para continuar os estudos no Queen’s College de Londres, onde permanece até aos 18 anos.”
contra-capa do mesmo livro

Com outros jovens da sua geração participa na liberdade intelectual pela sua admiração por Oscar Wilde e pelos “decadentes” ingleses, mas o seu principal interesse no momento é a música. Inicia o estudo do violoncelo chegando a ser uma óptima intérprete.”

Regressa ao seu país (1906-1908), contra vontade, e ali passa dois anos de rebelião completa contra o pai.
Acaba por conseguir voltar a Londres. Antes, passa uma temporada na Alemanha, por motivos que a magoam e humilham: engravidara, e os pais mandaram-na para lá. A criança não chega a nascer viva.

Nesta segunda estadia, em Londres, troca a música pela literatura. Conhece Virginia Woolf, T.S. Elliot, D.H. Lawrence. 

Em Dezembro de 1911, encontra o escritor John Middleton Murry, ela tem 22 anos e ele 23 e decidem viver juntos, em 1912. Ela considera-o um "companheiro da alma". Casam, apenas, em 1918. Separando-se pouco tempo depois. Entendiam-se melhor quando estavam a viver separados, diziam...



Vida afectiva instável, tempos modernos, de "amor livre" , bissexualidade de l'air du temps?, a verdade é que não foi muito feliz.
Katherine e John, em 1920

Começa a escrever, mas a receptividade dos editores aos seus contos é nula.
Um dia, porém, o director da revista The new Age reconhece o valor dos textos que ela lhe envia - e publica-os.
Depois, vai ser noutra revista, Rythm (dirigida por J. M. Murry, 1912-3) que vai publicar, regularmente, os contos e artigos sobre literatura.


Escreve "Numa Pensão Alemã", que é publicada sem sucesso. Continua a escrever, desanimada. Por vezes pára. Retoma o entusiasmo. Cai e levanta-se...


Quando o irmão mais novo, o seu preferido, vem de Wellington e passa em Londres uns meses (1915), antes de partir para a "frente de batalha", falam de muitas coisas do passado. Sente saudades.
Ele morre, poucos meses depois, em combate, e Katherine decide escrever as recordações da sua infância, em Wellington, pensando nele. Será "Bliss and Other Stories" - "Felicidade", em português...

edição em Portugal

No Brasil


Muitas passagens do seu Diário são dedicadas a esse irmão e a essa saudade e à obrigação que sente de contar tudo.

"Direi tudo. Mas vai ser preciso dizê-lo com um sentimento de mistério, um esplendor, um brilho de sol desaparecido, porque tu, meu pequeno sol que me alumiavas, tu deitaste-te, e desceste devagar a colina esplendorosa do mundo. Agora, é preciso que eu cumpra o meu papel."(op.cit.pág.146)

Adoecera já e é no sul de França, em Bandol, que escreve “L’ Aloès”, a história que prometera escrever...

Uma longa novela que será depois publicada de forma reduzida e diferente com o nome de “Prelúdio”. Quando aparece, não vai despertar nenhum interesse”, continua J.M.M. “Os jornais e revistas nem se deram ao trabalho de fazer uma “nota de recepção”.

Mas há uma história curiosa no meio disto tudo! Uma história boa...
O senhor que imprimiu o livro, na sua tipografia de província, pessoa simples, fica espantado com a verdade dos caracteres e a vivacidade dos pequenos heróis.
Escreve-lhe a dizer o que sentira: “Bolas! Os miúdos  parecem de verdade!”

Diz ainda J. Middleton Murry:

É o momento de triunfo de Katherine, toda a vida preferira o louvor das pessoas simples “sem literatura” ao da sociedade cultivada e ao dos críticos. Isso tornou-se ainda mais marcante quando, depois da publicação de “Felicidade” (Blyss,  1920), começa a receber numerosas cartas de gente simples que amava a sua obra e sobretudo a pequena Kézia. (...) Sentiu-se responsável perante esses leitores. A eles, devia a verdade, a pura verdade.”

Declarara-se já a tuberculose que a vai vitimar em 1923 e resolve  voltar para França, no midi, outra vez em Bandol, que tanto amava e que tinha um clima suave, bem diferente do de Inglaterra.

Nem Bandol, nem o clima,  a podiam salvar. O mar não era o melhor tratamento para a tuberculose...

Em 1920, saíra "Bliss". Em 1922 sai “Garden Party”, que acabara de escrever em 1921. Considerado um dos seus melhores livros, tem enorme sucesso.



Mas em 9 de Janeiro de 1923, morre, inesperadamente, aos 35 anos...

***

Em Portugal, ainda há editoras que têm a coragem de publicar hoje “coisas” boas: “Coisas de ler” publicou “O insustentável peso da solidão”, que inclui os contos “Prelúdio” e “Felicidade”.
Antes, publicaram outro livro: “Numa Pensão Alemã” (2002), contos inesquecíveis, alguns deles bem dolorosos.
Também a Relógio d' Água publicou em 2008 "O Garden Party".




Em 1944, saiu em Portugal a tradução de “Diário”, por Fernanda de Castro. Mais tarde, sai a edição das “Cartas”, tradução de Manuela Porto (s/d), na Editora Portugália.

Existia (ainda existe? onde? Na Livraria Lumière talvez...) a edição portuguesa de “Felicidade” na saudosa Colecção Miniatura (Livros do Brasil).  É mesmo um dos primeiros livros da editora, o nº 8!

No Brasil, Mansfield foi traduzida pelo escritor Érico Veríssimo (“Felicidade”, em 1940, sai na Livraria do Globo e, em 1964, de novo, agora na Editora Novas Fronteiras) e há inúmeras outras edições dos seus livros.


Em 1973, passou uma série na BBC - “The Picture of Katherine Mansfield” realização de Alan Cooker, com Vanessa Redgrave e Jeremy Brett, dois grandes actores.

A Biography” foi escrito por Jeffrey Meyers, H. Hamilton, 1978

Biografia breve, na wikipédia:


9 comentários:

  1. É uma autora que nunca li. Vou ler logo que possa. Não sabia que havia o diário em português. Tenho-o em espanhol. mas é difícil de ler.Desisti.

    Gostei muito deste post.
    Um beijinho

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  2. Li alguns contos dela de que gostei muito, é tal como muito bem dizes.
    Esquivaste, no resumo da sua intensíssima vida, os amores lésbicos (?).
    Feliz fim de semana, um beijão.

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    1. Hesitei. Acabei por acrescentar a sua bissexualidade.
      Continuo a pensar que o escritor "é", limita-se a "ser" - quase sem biografia, ou que isso não tem grande importância.
      O que sabíamos nós desses amores, ou da brutalidade de Tolstoi, ou da homossexualidade de Proust? Nada. No entanto, deram-nos TUDO!
      Beijinhos e bom fim de semana ao sol!

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  3. Excelente síntese. Era jovem quando li alguns livros desta escritora inglesa. A simplicidade da escrita e a solidão, como conteúdo, vieram ao meu encontro de jovem.Ficou ,sempre em mim, uma nebulosidade de sentimentos que perdura.Não sei explicá-la.Parece haver na sua escrita uma estética do simples , do pequeno,da miniatura, em oposição ao grande e complexo.Uma espécie de
    deus das pequenas coisas. José Manuel Romana

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  4. Tem razão, Romana: ela fala da magia das pequenas coisas... Das pequenas coisas tão profundas e importantes como as grandes, afinal...

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  5. Gostei muito do que escreveste sobre a K.Mansfield, de que gosto tanto, minha irmã! Há muito que não leio nada dela, acho que vou hoje pegar num livro desses, talvez até no fundo o "Diário"...
    Não foi ela que escreveu que "lamentar-se é um enorme desperdício de energia"? E "que nunca se deve olhar para trás..."
    Um grande abraço, beijinhos, Mamé.

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  6. Sabia que gostavas. Também voltei ao Diário dela. E os contos nunca cansam nem passam de moda... beijinhos

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  7. Cara Falcão, recebi alguns contos dela a uns 3 anos atrás, mas a tristeza me incomodou muito e não quiz prosseguir. Talvez agora avance.

    um abraço da zerafim

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