LUCIANA
STEGAGNO-PICCHIO E OS LIVROS
Pensei em Luciana. Lembro-me dela muitas vezes. Lembro o seu
espírito arguto, a inteligência viva, a cultura e a sensibilidade, a capacidade
de admiração, da ironia e da provocação.
Nada a assustava. Era corajosa nas opiniões e lutava num ambiente universitário
nem sempre fácil. Pelo contrário, muito difícil. Sempre com um sorriso irónico, ou com uma certa raiva contida, elegante.
Conheci-a bem, trabalhei com ela, assisti às suas aulas,
interessei-me pelas coisas de que falava, com espírito livre e divertido.
Antes de a conhecer, lera a sua História do Teatro Português, o
que escrevera sobre Gil Vicente.
Instituto Camões, Homenagem a Luciana
Mulher atraente, bonita em todas as idades da vida, com uns olhos lilases (ou cor de avelã) e
os cabelos ruivos, naturais ou pintados –que importa?- era uma mulher a quem
era difícil de resistir aos seu fascínio.
em 1956, linda!, quando veio pela 1ª vez a Portugal
Em 1989, Roma
Em Roma, 1989 (nós de partida), no jardim da nossa casa
Estava pronta a ajudar os outros, quando lho pedissem. E quem não
precisa dos outros?
Fazia anos a 26 de Abril. Um dia festejámos no dia 25 de Abril, pois
o Manuel fazia a 24. Fomos tomar um cappuccino ao Caffè Greco, em Roma. Rimos
da vida. Fizemos votos para muitas coisas boas.
Nós já tínhamos saído de Roma nessa altura e estávamos em Telavive
onde ainda houve a hipótese de ir visitar-nos, convidada pela Universidade de Jerusalém.
Mas não chegou a ir e não nos voltámos a ver.
De Telavive, mandei-lhe uns contos que escrevera e ela
respondeu-me logo:
“Eu sabia há muito tempo não que tu escrevias, mas que eras capaz
de escrever. Chegaram as tuas “Recordações da Ilha” e as outras páginas. Olhei
para as datas. As mais recentes são sempre as melhores. Deves continuar a
escrever. E publicar. E não fechar nas gavetas. Manda as Recordações da Ilha para uma revista boa portuguesa, a Colóquio/Letras, talvez. Merecem.
Ficou-me na pele aquela chuva, nos olhos aquelas gotas a reluzir nas árvores.
Tenho pena de não ter visto S. Tomé ao vosso lado. Mas irei a Tel Aviv. Logo
que a minha vida se desanuvie. Agora está ainda muito complicada. (...)”
Foi uma das pessoas que me empurrou para escrever e querer publicar. Esse livrinho foi publicado, em São Tomé, na UNEAS (União dos Escritores e Artistas de São Tomé), com o nome de "Ilhas na bruma" (2006).
Foi uma das pessoas que me empurrou para escrever e querer publicar. Esse livrinho foi publicado, em São Tomé, na UNEAS (União dos Escritores e Artistas de São Tomé), com o nome de "Ilhas na bruma" (2006).
Luciana Stegagno Picchio nasceu no Piemonte, em Alessandria, no
ano de1920 e morreu em 28 de Agosto de
2008, em Roma.
Para os que não sabem, foi uma filóloga, historiadora da cultura,
crítica de Literatura, especialista em literatura medieval portuguesa, e também
da história do teatro português e brasileiro. Lusófona, pois, muito conhecida e
não só nos países de Língua Portuguesa. Conhecida.
Licenciada em Arqueologia Grega, pela Universidade de Roma,
tornou-se numa reputada filóloga iberista.
Professora Catedrática na Universidade La Sapienza de Roma, de
1969 a 1996 leccionou Língua e Literatura Portuguesa e Literatura Brasileira. Mais tarde teve o título de Professora Emérita da Universidade de La Sapienza.
Escreveu ensaios e livros sobre estas literaturas, dedicou-se ao teatro português, escrevendo vários livros (Profilo della letteratura drammatica portoghese ou Ricerche sul teatro portoghese).
Publicou em La storia della letteratura brasiliana (Torino, 1997) que sai nesse mesmo ano, traduzida, no Brasil.
Foi publicada na colecção "Que sais-je?" a sua "La littérature brésilienne" (P.U.F., 1983), e "La Méthode Philologique" (com prefácio do linguista Roman Yakobson, Paris, 1982).
Aula Magna de "La Sapienza"
Escreveu ensaios e livros sobre estas literaturas, dedicou-se ao teatro português, escrevendo vários livros (Profilo della letteratura drammatica portoghese ou Ricerche sul teatro portoghese).
Publicou em La storia della letteratura brasiliana (Torino, 1997) que sai nesse mesmo ano, traduzida, no Brasil.
Foi publicada na colecção "Que sais-je?" a sua "La littérature brésilienne" (P.U.F., 1983), e "La Méthode Philologique" (com prefácio do linguista Roman Yakobson, Paris, 1982).
Foi professora visitante em
vários países, entre os quais Portugal, Brasil, Estados Unidos, tendo aqui
colaborado em Boston com o linguista Roman Jakobson. Conheceu bem Jorge de
Sena, nessa altura na Califórnia, professor na Universidade de Santa Bárbara.
Pertenceu à Academia de Ciências de Lisboa, teve assento na
Academia Brasileira de Letras.
Colaborou na página de cultura do jornal italiano La Repubblica, a
partir de 1987.
Em 1988, recebeu a Ordem de
Santiago e Espada pela sua acção de divulgadora das literaturas de língua
portuguesa.
Em 2001, o Instituto Camões presta-lhe uma grande homenagem, durante o lançamento do livro “A Língua
Outra- Luciana Stegagno-Picchio, uma fotobiografia”, organizada por Alessandra Mauro, que fora sua aluna.
Um livrinho saiu, depois da morte dela, em italiano, “La Lingua
Altra”, com a longa entrevista que lhe fez Alessandra Mauro, que também
conheci. Foi o filho, Michele, que no-lo enviou.
Conta como amava Portugal, onde chega pela 1ª vez em 1956. Um Portugal que a
deixa espantada, com uma língua próxima e estranha, sem pronomes, dizia, "não dizem "tu", tratam-se todos por o senhor, a senhora, a menina..."
Tinha aqui muitos amigos,
de David Mourão-Ferreira a Alexandre O’Neill (amiga fiel dos dois, até morrerem),
ou Lindley Cintra (“uma espécie de herói universitário, doce e excessivo,
adorado pelos alunos e, sobretudo, pelas alunas”) e J. Prado Coelho (“um dos
críticos mais lúcidos do momento”).
E lembrei-me dela a propósito dos livros que amamos sem muitas
vezes perceber por que razão...
Lévi-Strauss
Nessa entrevista, a dado momento diz uma coisa extraordinária e verdadeira: que o livro lhe faz bem, a alimenta, lhe dá energia...“Às vezes (como me aconteceu há tantos anos com Bergson, Sartre, Walter Benjamin, Lévi-Strauss) fico fascinada e sinto que o livro me faz bem, me alimenta, me dá a alegria da descoberta: e então não o largo até ao fim, não saio de casa, não respondo ao telefone, e, com os amigos, só falo disso.”
E escreve.
A entrevista refere muitos assuntos, desde a infância no
Piemonte, junto de um pai culto e exigente, às viagens, aos gostos literários,
aos amigos. De tudo fala. Com
simplicidade. Da fotobiografia, confessa:
“Não me considero um personagem universalmente tão interessante
que possa ser apresentada assim (...). Penso que talvez queiram saber de mim,
reconstruir o percurso, mais do que uma carreira, que me levou a fazer algumas
viagens, a escrever alguns livros e tornar públicas algumas opiniões, sempre
relativas à minha experiência, que é essencialmente a de uma italiana estudiosa
de culturas e de línguas ou, se preferirem, de expressão portuguesa. Uma vida
em português. Numa língua outra”.
Publicações dedicadas a Portugal:
Storia del teatro portoghese (Roma, 1964 - História do Teatro Português, Lisboa, 1969); Profilo della letteratura drammatica portoghese (Milano,
1987); “Ricerche sul teatro portoghese”, ( Roma, 1969).
Publica edições críticas de poesia e prosa medieval, renascentista e moderna; ensaios críticos sobre os principais autores portugueses (da poesia galaico-portuguesa, a Camões e a Fernando Pessoa).
"Filologia e Literatura I - Idade Média", Edicões 70, 1979
"Mar aberto. Viagens dos Portugueses", Editorial Caminho, reedição 1999
"A lição do texto"
Publica edições críticas de poesia e prosa medieval, renascentista e moderna; ensaios críticos sobre os principais autores portugueses (da poesia galaico-portuguesa, a Camões e a Fernando Pessoa).
"Filologia e Literatura I - Idade Média", Edicões 70, 1979
"Mar aberto. Viagens dos Portugueses", Editorial Caminho, reedição 1999
"A lição do texto"
No Brasil:
Sobre a Literatura Brasileira
escreveu a sua História: “Storia della letteratura brasiliana”, Torino, 1997 - saída
depois no Brasil, “História da Literatura
Brasileira”, Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1997.
É considerada "especialista" de vários escritores brasileiros, de Machado de
Assis a Guimarães Rosa, Murilo Mendes, Gonçalves Dias e outros.
Outras publicações:
“La Méthode Philologique” com prefácio de Roman Yakobson,
Paris, 1982
“La Littérature Brésilienne” colecção “Que Sais-je” (Presses
de la Cité), 1983
Curiosidade:
Era considerada a "maior lusitanista do mundo", pelo poeta
e intelectual português David Mourão Ferreira
Conta Antonio Tabucchi:
- "Em 1965 entrei numa aula e estava uma senhora
muito bonita a declamar: "Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo! E ai,
Deus!, se verrá cedo!" Comecei a ouvir esta professora, Luciana Stegagno
Picchio, falar de uma escola galego portuguesa, de 1200, que tinha produzido
tanta poesia que até um rei escrevia (D.Dinis). No final do ano, fui o melhor
aluno e ganhei uma bolsa de estudo passar o Verão em Portugal."
Parece uma mulher extraordinária, daquelas que merecem a nossa admiração.
ResponderEliminarA Maria João devia MESMO publicar os seus livros!
Um beijinho e continuação de uma boa semana.
Dás-me uma inveja enorme por teres tratado com gente tão preparada e interessante como Luciana S. P., considerada a mais importante luso- brasileirista da Europa, nada menos.É dela esta reflexão, a propósito de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o livro de Saramago que me chegou mais dentro: " Porquê devemos temer o castigo eterno quando o castigo, para o justo, deveria ser na nossa vida, no remorso e na consciência da nossa indignidade?"
ResponderEliminarPenso que o teu melhor livro está por escrever, espero que tenhas coragem e o escrevas, porque a tua melhor obra és tu mesma.
Beijinhos