Quando Michael Brenner entrou na sala, Eileen estava junto da janela,
encostada ao parapeito, com um livro fechado no colo. Olhava as árvores do
jardim, absorta.
Era uma sala pequena, de paredes claras e com uma decoração
agradável, alguns quadros modernos e uma estante cheia de livros. Lá ao fundo
adivinhava-se a vegetação que delimitava a Via Cassia, a esta hora sem
trânsito. Com o rosto apoiado na mão e o olhar ansioso, triste e doce, que lhe
vira no restaurante.
Não ouvira tocar à porta nem ouvira a criada que anunciara a
chegada de Michael. Ouvia música, com os headphones, isolada, abstraindo-se de todos os
outros ruídos. Mas alguma coisa sentiu porque, de repente,
sobressaltada, fez o gesto de se levantar. Ele pôs-lhe a mão no braço, a
impedi-la.
-Não se incomode, por favor...
-Não se incomode, por favor...
Tirou os auscultadores e pousou-os delicadamente na mesa ao lado.
-Eu conheço-o. Mas não me lembro onde foi. Onde é que o vi?
Passou a mão pelos olhos, afastou da testa uns imaginários cabelos
despenteados.
- Desculpe... Tem sido um período tão estranho. Ando confusa e
custa-me a entrar no que me aconteceu.
- Chamo-me Michael Brenner e não nos conhecemos. Vimo-nos um dia,
é verdade. Sou detective.
Ela fixou-o com mais atenção.
- Detective?
Ele repetiu:
- Detective. Vim falar consigo porque não acredito que seja
culpada do assassínio do conde Orsini.
- O meu marido? Não o matei. Não era capaz...
Ergueu os ombros, imperceptivelmente, desviando o olhar.
- Como sabe que não fui eu?
Parecia desolada.
- Toda a gente me olha como se acreditasse na minha culpabilidade.
Eu é que o encontrei, no chão, morto. Viram-me com a pistola na mão...
- Eu sei que viram.
- Eu não me lembro de nada! Podia ter sido eu?
- Não foi!
- Tem a certeza?
Parecia assustada.
- Quem o mandou ter comigo? Quem lhe falou em mim? Onde é que nos
vimos?
- Esteja descansada, sou seu amigo. Vimo-nos no restaurante ao pé
do Pantheon. Estava muito
nervosa, chorou. Lembra-se?
- Chorei? Ah, sim, nesse dia...
- Sim, chorou, foi nesse dia..., ia repetindo Michael.
Queria acalmá-la. Tinha tanta vontade de a ajudar.
- Lembro-me, sim. Tive vergonha quando o vi olhar para mim.
Era o jovem de cabelos ruivos que a olhara com simpatia.
“E uma ponta de comiseração”, pensava.
Ela chorava e deixara cair o garfo com que enrolava os spaghetti e, antes que o criado acorresse para a ajudar, ele levantara-se da mesa para lho entregar.
- Meti-lhe pena, não foi?
- O que pensei não tem importância nenhuma. Quero ajudá-la.
Ela suspirou. Interessou-se um pouco mais. Fixou-o, com atenção.
- Disse que se chamava Brenner? É inglês?
- Sou...
- Eu sou americana. Sabe bem poder falar na minha língua. Acha que
fui eu, Mr. Brenner?
- Julgo que não foi. Observei-a o tempo suficiente, nesse almoço,para a conhecer
um pouco pelas suas reacções. Sou bom observador e estou habituado a “avaliar” as pessoas, digamos assim...
Ela soriu, pela primeira vez.
- Conhece-me um pouco?
Coisa estranha, pois nem eu me conheço! Nem sei o que faço. Nem o que fiz, não me lembro...
- É possível. A verdade é que eu sei que não é capaz de matar. Não
o matou, portanto...
- O Ugo? O meu marido?
- Sim, o seu marido.
A ideia de não ter morto o marido e, portanto existir, à solta pela cidade, alguém –
desconhecido?, conhecido?- que o tivesse feito, pareceu aterrorizá-la.
- Quem foi, então? Quem o mandou ter comigo?!, voltou a perguntar, de novo ansiosa.
As mãos agarraram-se aos braços da poltrona e as
unhas arranhavam o tecido, num ruído irritante de que ela não dava conta.
- Não tenha medo de mim, sou um amigo, já lhe disse.
- Eu não tenho amigos...
Baixou o olhar e disse num tom agressivo:
- Nem tenho medo!
O grito de Eileen era sincero. Mas Brenner pensou que,
apesar de não ter consciência disso, ela tinha medo. E corria perigo.
(Maria J. Falcão, "Morte de um desconhecido", romance policial inédito)
Ilustração: Zianaida Serebriakova, "Retrato de senhora"
Gostei deste "cheirinho"! Vai-nos deixar ler mais?
ResponderEliminarFico curiosa...
A pintura é linda. Da pintora russa.
Um beijinho grande
Muito bem!!
ResponderEliminarNem queria acreditar...
Mas em simultâneo não me surpreende!! Visto reunir os predicados todos para o fazer.
Gostei muito. Fico à espera do desenrolar da história.
Um beijinho grande.
Gostei muito! Agora vou ler o 2º
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