quinta-feira, 18 de abril de 2013

Os tubarões de areia de São Tomé

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mar de São Tomé, no blog alma de viajante

 
Por que me fui lembrar hoje dos tubarões de areia? A verdade é que nunca os vi por lá, mas, desde a chegada, que ouvira falar neles.
 
Tanto peixe que havia em São Tomé! Durante os cinco anos que lá vivi acho que só comi peixe!
Peixes enormes! Eram  chernes, gigantescos e  fresquíssimos, que vinham de São João dos Angolares, e que o pintor Nézò, também pescador, nos trazia à cidade capital.
 
Lembro-me sempre da imagem do meu empregado Zé Francisco a chegar à cozinha abraçado a um desses peixes, sem saber como lhe pegar, mais parecendo dançar com ele do que levá-lo, junto às roseiras de porcelana.

E vem-me hoje à ideia uma pintura que nada tem que ver com essa cena, mas que se aproxima, numa certa forma de ironia, do quadro The singing buttler, do pintor escocês Jack Vettriani.

 
Detrás de uma bananeira, o Senhor Semedo espreitava-o, com um ar divertido, sem se mexer para o ajudar.
 
Outras vezes ia com a Milly comprar os peixe ao Mercado do Ponto. Havia o peixe bonito, o voador, atum – tudo cortado em pedaços geométricos bem arrumadinhos uns ao lado dos outros....

 
 
Aparecia por vezes o fino espadarte azul, o Blue Marlin, que se pescava nas águas da Ilha do Príncipe.

Mas esse encontrava-se só no restaurante Blue Marlin, que pertencia a uns sul-africanos que eram igualmente "donos" do ilhéu Bom-Bom. 
 


Eu, na ponte que liga o ilhéu Bom-Bom à ilha do Príncipe

o Blue Marlin, ou espadarte

O restaurante deles era o  único sítio onde se conseguia comer carne boa: os célebres "T-bones", uma costeleta grande, assada nas brasas. E lembro uns amigos desses tempos, a Madalena e o Luís, que iam connosco...
 
 Bem, a verdade é que, no meio destes peixes todos, comia-se também tubarão...

 
Ora se os pescavam e se as pessoas os comiam, queria dizer que eles existiam.
 
De facto, avisaram-nos à chegada que era melhor ter cuidado no mar alto. “Mas quem vai mergulhar no mar alto?”, pensava eu.
 
Por causa dos tubarões, era perigoso também, nadar fora de pé, diziam. Ou nas praias isoladas.

Procurei sempre não me afastar do areal, confesso! Porque tinha medo das correntes traiçoeiras que, bastava afastar-nos uns metros do areal, pareciam querer sugar os corpos e deitá-los de encontro às rochas.
 
Nesses primeiros tempos, sempre que passeávamos junto ao mar, ao longo da balaustrada que o costeava desde o Pantufo, havia alguém que perguntava:
 
- Já viram os tubarões da areia?
 
Baia de Ana Chaves, à noite
 
Eu gostava de parar frente à baía de Ana Chaves, e ficar a contemplar a água e o desenho da baía, as cores variadíssimas da água conforme a hora do dia. E as pequenas ondas que vinham bater na balaustrada, ou se afastavam para longe da areia.
 
Era ali perto que o Água Grande, o rio de São Tomé, vinha misturar as suas águas com as do mar. Quem pensava em tubarões?
 
 
Os passeios eram feitos de pedrinhas brancas, a calçada portuguesa, e era frequente tropeçarmos nas raízes dos caroceiros que nasciam por toda a parte.
 
Da primeira vez que me falaram nos tubarões, fiquei em sobressalto.
- Tubarões? Aqui?
 
Nem me lembro quem nos contou a história verdadeira dos tubarões que viviam debaixo da areia da praia.
 
 
 
- Sim, na areia desta praia, mas são inofensivos! Vivem debaixo da areia.
 
Cada um tinha a sua ideia e todos diziam a sua: que era perigoso mergulhar fora da costa, que já tinham desaparecido pescadores ao largo de São Tomé.
A verdade é que ninguém os tinha visto. Mas todos falavam do assunto.

 
Um dia perguntei ao senhor Semedo. Riu-se, mostrando as gengivas onde faltavam dentes, com os olhos a brilhar tanto que eu me ri logo com ele.
 
- Ah! dôtôra, há tubarão de areia, mas esses não fazem mal à gente...

 
Estendeu o braço, apontando o mar como se estivesse ali mesmo do outro lado do passeio, ao lado da acácia de flores cor de laranja. O mar ficava perto da nossa casa, atravessada uma rua, estávamos na Marginal.

- Estão enterrados na areia, continuou. Dormem todo o dia e não vêm cá para fora!
Depois, encolheu os ombros e virou-se para mim, sempre com o mesmo sorriso.
- Acho que é assim. Os pescadores sabem destas coisas.
 
 
- Nunca saem cá para fora, senhor Semedo? De certeza?
Repeti o “cá para fora”, com um certo receio. Sentia-me inquieta.
- Nunca, dôtôra. Têm medo dos homens...
- Têm mesmo, senhor Semedo?
- Têm. E têm razão...



 
Encheu o peito de ar, como se ele fosse um daqueles homens de quem o tubarão tinha medo.
 
- E como é que eles comem? Não vêm à superfície?, perguntei.
- Oh! Os peixinhos vão ter com eles. E eles comem-nos. Há tantos...
 
Ficou a olhar, sonhador.
- Andam por ali a tratar da vidinha. E os tubarões comem-nos. É assim a vida no mar, dôtôra.
 
Gostava de me contar estas coisas o senhor Semedo.
- É assim, no mar..., repetiu.
Pensativo, afastou-se a arrastar a vassoura.
 
E eu ia dizendo mais para mim do que para ele :
“É assim a vida no mar, senhor Semedo...E na terra não é igual?”

 
O senhor Semedo já estava longe, na outra ponta do jardim, a resmungar baixinho e não me podia ouvir.

 

4 comentários:

  1. Estive sem computador, um problema ligado ao blogger ou um vírus? Voltou,"tratado", mas não me parece curado...
    Cor, letra, tudo é difícil de acertar! Esperemos que com o tempo melhor! A primavera já está aí...

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  2. Senti a sua falta! Espero que o problema esteja resolvido de vez e não tenha que se ausentar de novo!

    Gostei da história. Gosto das suas histórias!
    Se me dissessem que havia tubarões, mesmo que longe, e apesar de gostar tanto da água, já não me atreveria a meter-me no mar!Não, não! Admiro a sua coragem!
    Nunca tinha ouvido falar de tubarões da areia.

    (fui ao cinema ver um filme do Hitchcock, "Vertigo". Gostei.)

    Um beijinho grande. Já cá temos a Primavera!

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  3. Maria João, Estes textos são uma delícia! Leio, releio, fico saboreando palvras e imaginando histórias. OBRIGADA!

    Beijinhos
    Luísa

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  4. Querida Maria João, ainda bem que está de volta!! O que vale é que existe o telefone...

    Quanto aos tubarões, simplesmente deliciosas estas passagens.
    Em terra, parece-me que devem existir mais tubarões do que no mar. E, são bem perigosos... O nome deles é: HOMEM!!
    Eles comem tudo, eles comem tudo... diz a canção!

    Ficou muito bem na fotografia.:))

    Um beijinho.

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