Como disse João Gaspar Simões:
“Cesário Verde cria
em Portugal a poesia do concreto, do vulgar e do quotidiano. Valoriza poeticamente
a linguagem por que se designam as coisas concretas. (...) Duma paisagem, duma
máscara humana ou cena social, sem pormenorizar, consegue apreender um certo
espaço da natureza. (...) A realidade é o seu leit-motiv. Teve o dom de
surpreender a vida.”
João Gaspar Simões
"Nas nossas ruas, ao anoitecer
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro, a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Vazam-se os arsenais e as oficinas,
Reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Seus troncos varonis
recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!”
(in Sentimento de Um Ocidental)
Um belo poema que a Maria João tão bem ilustrou!
ResponderEliminarLindo.
Um beijinho grande
Magnífico, un relato cheio de beleza e pessimismo também.
ResponderEliminarMenos mal que a Cesário Verde se lhe fez justiça depois de morto e se rescatou como o que é, um dos grandes poetas portugueses.
Beijinho
Muito bonito.
ResponderEliminarUma composição perfeita entre a imagem e o poema.
É estranho ler o poema assim sem estar todo corrido.
Beijinho. :)
Lindo, lindo, lindo!!
ResponderEliminarComo é possível descrever com tanta beleza e realidade, a labuta de outros tempos; o trabalho árduo do dia-a-dia!!
Magnífico!
As ilustrações são soberbas!
Bonito post.
Beijinho.:)