domingo, 28 de abril de 2013

Um pouco dos belos versos de Cesário Verde, "apresentados" por Gaspar Simões...







Como disse João Gaspar Simões:

 “Cesário Verde cria em Portugal a poesia do concreto, do vulgar e do quotidiano. Valoriza poeticamente a linguagem por que se designam as coisas concretas. (...) Duma paisagem, duma máscara humana ou cena social, sem pormenorizar, consegue apreender um certo espaço da natureza. (...) A realidade é o seu leit-motiv. Teve o dom de surpreender a vida.


João Gaspar Simões


Ora leiam...


Andorinhas, vitral de Cesare Picchiarini




"Nas nossas ruas, ao anoitecer
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.




Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.



Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.



E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro, a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.
Carlos Botelho, Barcos no rio

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!


Abel Salazar, Vendedoras no Mercado do Anjo

Vazam-se os arsenais e as oficinas,
Reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas opulentas!


Varinas de Lisboa,foto de1900


 Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
um barco na tormenta, por Dagane

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!”

(in Sentimento de Um Ocidental)

4 comentários:

  1. Um belo poema que a Maria João tão bem ilustrou!
    Lindo.
    Um beijinho grande

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  2. Magnífico, un relato cheio de beleza e pessimismo também.
    Menos mal que a Cesário Verde se lhe fez justiça depois de morto e se rescatou como o que é, um dos grandes poetas portugueses.
    Beijinho

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  3. Muito bonito.
    Uma composição perfeita entre a imagem e o poema.
    É estranho ler o poema assim sem estar todo corrido.

    Beijinho. :)

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  4. Lindo, lindo, lindo!!

    Como é possível descrever com tanta beleza e realidade, a labuta de outros tempos; o trabalho árduo do dia-a-dia!!

    Magnífico!

    As ilustrações são soberbas!

    Bonito post.
    Beijinho.:)

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