quarta-feira, 3 de abril de 2013

Simenon e Maigret...sempre!



Nunca é de mais falar de Simenon! 

Da sua capacidade de criar personagens verdadeiros, de os pôr a pensar e a sentir diante de nós, como seres vivos, que  fazem o bem ou o mal, que se enganam, que tentam emendar-se...

Simenon, ao contrário dos autores policiais que  procuram intrigas complexas, com escritas barrocas e espirais de sofisticada astúcia, era um escritor que escolhia normalmente uma intriga simples mas as personagens que desenhava eram fortes. 

Tinham vida mesmo! A começar pela figura de Maigret, claro, e pelos 4 "magníficos" ajudantes: Lucas, Janvier, Torrence e o jovem Lapointe. E continuariamos com os infindáveis personagens das suas histórias...


Maigret (Bruno Cremer) e os "quatro magníficos" 



Maigret e os 4 (desenho encontrado na net)



E continuando pela Madame Maigret, a doce Madame Maigret, com o seu sentido prático e um certo bom senso, mas com um tanto de aventura também... Ela e os seus cozinhados, as suas óptimas receitas!

Existe um livro -que tenho, como é "obrigatório" para uma apaixonada de Maigret e de Simenon- sobre essas apetitosas coisas que ela cozinha...

O herói  (quantas vezes anti-herói...) era acima de tudo um ser “humano”, obrigado a ir ao fundo da lógica da sua situação e do seu drama.
Explicava Simenon como começavam as suas histórias: 

"Um homem qualquer, ou uma mulher, um sítio qualquer. O que poderá acontecer-lhes que os vai obrigar a ir até ao limite de si? Eis a questão. Pode ser por vezes um incidente banal mas que vai transformar as suas existências." (in "L'Âge du Roman", Editions Complexes, 1988)

Mensagens? Não creio que o escritor se preocupasse muito em deixar “mensagens”, limitava-se a viver intensamente a sua vida e a comunicar, no papel, as suas experiências, ou as coisas que observara nos outros e fizera passar pelo seu próprio "filtro": O seu olhar, o seu interior.

No entanto, dos seus romances “desprende-se” uma lição: mensagem ambígua e complexa: não há culpados nem inocentes. Há erros, culpas que se criam e se acumulam por um nada; culpas que se formam quase sem razão, culpados que até podem ser inocentes...

Quantas vezes Maigret, o humaníssimo Maigret, perdoa essas faltas e protege o “criminoso” que não é culpado, afinal, aos seus olhos. Porque tudo poderia ter acontecido de outro modo. Porque esse criminoso era afinal uma vítima... 

E, depois, ele sabia que há sempre os verdadeiros culpados sobre os quais não caem as culpas, porque protegidos a alto nível, aparentemente prejudicados ou até inocentes mas que, aos olhos de Maigret, nunca estarão “inocentes”. 


Maigret-Michael Gambon


Aos  quais não perdoa e, se puder, castiga, pelo menos com o seu desprezo.

Os seus romances são de uma riqueza incrível! Fala dos locais que ama, com uma emoção especial: onde passou a infância e foi “menino de coro”; onde vinha de férias e  ia comer as ostras, como em la Rochelle que tanto aparece nos seus romances.

Há simpatias que se “sentem” logo no início da história. Como sentimos logo a  compreensão profunda do comissário Maigret, figura tão especial dentro do romance policial, pelos desprotegidos da sociedade, pelos marginais tantas vezes, pelas mulheres da vida, pelos pequenos ladrões... 
No fim, uma simpatia por todos os que têm sentimentos, sofrem, amam, têm paixões...

E o leitor entra, desde a primeira página, neste clima forte de sentimentos excessivos. Porque Maigret, o aparentemente suave Maigret, o compreensivo Maigret (“comprendre et ne pas juger” era o seu lema) pode ser, como o seu criador Simenon, um homem excessivo! E ser duro e vingativo. Mas sempre humano. 

O comissário Maigret-Bruno Cremer


Georges Simenon escreveu centenas de livros. Diz PierreAssouline, um dos seus seu biógrafos:

 “Ele escrevia cinco livros por ano. Tudo nele é coerente [na desmedida]: nasceu sob o signo do excesso.. Quando fala é durante horas; quando escreve é um livro de 3 em 3 meses e perde 5 kg por livro; quando escreve cartas são 10 por dia; quando ganha dinheiro é uma fortuna; quando é adaptado ao cinema passa a ser o escritor “mais adaptado”...

E continua a falar da sua admiração pelo escritor.


“Foi, de facto,  um romancista de uma fecundidade extraordinária: escreveu 192 romances, 158 novelas, além de obras autobiográficas e numerosos artigos e reportagens sob seu nome e mais 176 romances, dezenas de novelas, contos e artigos sob 27 pseudónimos diferentes. As tiragens acumuladas dos seus livros atingem mais de 500 milhões de exemplares. É o autor belga, e o quarto autor de língua francesa, mais traduzido em todo o mundo.”



encontrei-o publicado em Moscovo, numa colecção de bolso

Só para terminar, tenho que referir uma belíssima e "perfeita" série inglesa: "Maigret", que ando a ver em DVD.






Série da BBC de que não consigo encontrar  a "continuação" (só encontrei as 2 primeiras temporadas e elas são 5!)! Com  um maravilhoso actor, Michael Gambon, que até nos faz esquecer que é inglês de tal modo entra na pele do comissário, sem falhar nada. 

Importante saber que Michael Gambon é um conhecido e respeitado actor de teatro inglês, especializado em Shakespeare, o que me faz admirar mais a sua "simplicidade" em se debruçar sobre Maigret. 
Ou, melhor, assinalar a grandeza da personagem de Maigret que atraiu o grande Gambon!


aqui, Gambon no papel do detective cantor, outra série da BBC

Como nada falham os seus co-actores, nos papéis (difíceis para um inglês, ou, melhor, para um estrangeiro...) dos inspectores dele - de Lucas, a Janvier ao jovem Lapointe que se vestem, comem, respiram como se acabassem de sair de um dos romances de Simenon!



Não quero esquecer outro "grande" Maigret: o actor Bruno Cremer que -de modo bem diferente, com mais secura e distanciamento (aparente) tem uma presença digna da figura que interpreta...


Georges Simenon 



Deixo esta biografia breve do autor (reduzida e retrabalhada por mim sobre tudo o que encontrei na net):

estátua de Maigret, na Bélgica, inaugurada por Simenon, em 1966



“Simenon nasceu na rua Leopold, em Liège (Bélgica).
Em 1905, a família mudou para a rua Pasteur (hoje chamada Rua Georges Simenon). A família é originária do ‘’Limburgo belga’’, uma região de terras baixas próximo a Meuse, um corredor de passagem entre a Flandres, a Valónia e os Países Baixos.
Georges começou a aprendeu a ler aos três anos na escola Sainte-Julienne. A partir de 1908, começa a escola primária no Instituto Santo André, onde foi, nos seis anos seguintes, um dos três melhores alunos.
Nesta época, a mãe começa a alugar quartos para estudantes ou estagiários de várias origens, o que foi para a criança que ele era uma extraordinária abertura para o mundo.
A partir de 1914, vai estudar com os jesuítas no Colégio São Luís.
Em Janeiro de 1919, em conflito aberto com a mãe, começa como repórter no jornal "La Gazette de Liége", período extraordinário para o jovem de 16 anos, que escreve mais de 150 artigos com o pseudónimo de "G. Sim.".
Começa a interessar-se particularmente pelos inquéritos policiais, e assiste a conferências sobre “polícia científica”, feitos pelo criminalista francês Edmund Locard.
Nesse ano redige o seu primeiro romance, "Au pont des Arches", publicado, em 1921, com seu nome de jornalista.
A partir de 1919, publica o primeiro de cerca de 800 sketchs humorísticos sob o nome de Monsieur Le Coq. Nessa época, os anos 20, aprofunda o seu conhecimento do meio boémio, das prostitutas, dos bêbados, anarquistas, artistas e mesmo futuros assassinos.
Frequenta um grupo de artistas chamados "La Caque", onde encontra uma estudante de Belas-Artes, Regine Renchon, com quem se casa em 1923.

Quando o pai morre, parte par Paris, com Regine, descobrindo a grande capital que aprende a amar com suas desordens, seus delírios. E vai à descoberta de seus bistrots, brasseries e restaurantes, encontrando seus personagens na população parisiense, artesãos, serviçais, pobres das ruas.

Começa a escrever com diversos pseudónimos e sua criatividade lhe assegura um rápido sucesso financeiro.
Em 1928, faz uma longa viagem de barco, para suas reportagens, descobrindo a água e a navegação, que aparecem sempre em sua obra. Decide em 1929 fazer uma viagem pela França, explorando os canais num barco que mandou construir, o ‘’Ostrogoth’’, no qual viverá até 1931.
Em 1930, numa série de novelas escritas para a ‘’Detective’’, colecção encomendada por Joseph Kessel, aparece pela primeira vez o personagem ‘’Comissário Maigret’’.
Em 1932, parte para uma série de viagens e reportagens na África, na Europa, Rússia e Turquia. Depois de um longo cruzeiro pelo Mediterrâneo, embarca para uma volta ao mundo entre 1934 e 1935.
Nas suas escalas, produz reportagens, encontra numerosos personagens e faz muitas fotos. Não se furta também de descobrir o prazer com mulheres de todas as latitudes.

Na obra de Simenon, trinta e quatro romances ou novelas se passam em La Rochelle, que descobriu em 1927 passando suas férias na ilha de Aix, seguindo a sua paixão por Josephine Baker. Naquele ano descobriu também uma paixão pela navegação e por La Rochelle, onde no ‘’Café de la Paix’’, -que aparece em obras suas e se tornaria seu quartel-general.
Durante toda a guerra, entre 1940 a 1945, continua vivendo na sua vila da Vendée.
Desse período há vinte romances, onde o que se sobressai é a região de Vendée, uma região luminosa, impressionista, onde o mar reencontra a terra.

Em 1945, após o termino da guerra, vai viver no estado de Connecticut, nos Estados Unidos da América, percorrendo nos dez anos seguintes todo esse continente, para saciar sua curiosidade e seu apetite de viver. Durante esses anos americanos, visita sempre Nova Iorque, Flórida, Arizona e a Califórnia e toda a costa Leste, milha a milha, os motéis, as estradas e as paisagens grandiosas. Ali vai descobrir outra faceta do trabalho policial e da Justiça.  E conhecerá ainda sua segunda esposa, a canadense Denise Quimet, 17 anos mais jovem, com a qual vai viver uma paixão intensa de sexo, ciúmes, disputas e álcool.

Em 1952, é nomeado para a academia belga. Volta definitivamente para a Europa em 1955, onde após um movimentado período na Côte d'Azur se instala em Epalinges, ao norte de Lausanne, Suíça, mandando construir uma grande mansão.
Em 1960, preside o festival de cinema de Cannes, que aquele ano premiou com a palma de ouro La dolce vita de Fellini.

Em 1972, Simenon renuncia ao romance, mas não havia acabado de explorar os meandros do homem, a começar por ele mesmo, em uma longa autobiografia com 21 volumes ditada em um pequeno gravador." (wikipedia).


Já aqui falei de Simenon, em 2009, no início destes "trabalhos" do blog...
http://falcaodejade.blogspot.pt/2009/09/georges-simenon-esse-fenomeno-saiu-em.html
É Impressionante o que se escreveu sobre Simenon ou sobre a sua personagem Maigret. Inútil repetir-me. Deixo mais duas ideias, na "net" (para mim, incompreensíveis de tão sofisticadamente "técnicas"...

"tese " de Murielle Wenger

Ou a Enciclopédia Migret, na net

4 comentários:

  1. Excelente viagem partilhada

    Na verdade - a ficção é outra realidade
    que nos transporta

    ResponderEliminar
  2. São dele, os primeiros policiais que comecei a gostar de ler, talvez ao mesmo tempo ou logo a seguir aos da Agatha Christie e há anos descobri um romance/novela dele que não era um policial e que também adorei, "A Sonsa",na Colecção Miniatura :)
    um beijinho
    Gábi

    ResponderEliminar
  3. Gostei muito de ler!
    Tanto que escreveu, tantos pseudónimos!
    Assim uma espécie de Fernando Pessoa do policial!(ah!ah!ah!)
    Muito interessante!
    Vi muitos filmes policiais na televisão, mas li poucos livros. Gostei dos que li...

    Um beijinho grande

    ResponderEliminar
  4. André Gide considerava-o o maior romancista francês do século XX. E talvez tivesse razão... talvez o grande Proust seja mais um memoralista do que um romancista...

    Simenon não foi, apenas, um escritor polilial -foi muito mais que isso.

    Os seus romances "duros", como lhes chamava, são magistrais -e recordo "Quartier nègre", obra-prima da Grande Literatura.

    ResponderEliminar