terça-feira, 16 de julho de 2013

Pelos cafés de Porto Covo...


Em Porto Covo há muitos cafés! Para começar, o Café do Largo, o Marquês onde é bom tomar o café das 11, com óptimos croissants, a olhar para o largo, sobretudo na Primavera ou no Outono quando não aparece por lá muita gente e estão só os da vila.


Há o Café Pastelaria Viana, sempre acolhedora - porque eles são acolhedores desde que nos conhecemos, anos atrás. Uma vez, sabendo-nos sozinhos num natal, convidaram-nos a passar a consoada com a família, numa enorme mesa que apanhava quase todo o espaço do café.

Coisas que é bom recordar, quando a vida tumultua lá fora e nos sentimos atingidos até aos ossos pelas desgraças que ouvimos contar.

«- Fulano fechou o café...
O fulano era uma pessoa que conhecíamos.
- E o supermercado Coop, pergunto, também fechou?
- Não, esse ainda não...»

E vou perguntando por aqui e por ali. Todos se queixam. Lojas que fecham, apartamentos que não se alugam, são tempos difíceis para todos.

«- Mas fechou a loja do barro...
- E as miúdas que lá trabalhavam?
- Algumas foram para fora, tentar a vida em Sines. É maior, há mais coisas. Outras, estão em casa, no Cercal, na Sonega. Talvez as chamem quando chegar a estação alta, já estamos em Julho...
- Sim, vem aí a estação alta. Vão ter mais gente..., comentei, esperançosa.
- Pois é, só que a “estação” dura dois meses e temos que ganhar para o ano inteiro!»


É a vida.

«- Vamos andando... diz-me a senhora do Café do Mar, que tem um sorriso doce.
- E o seu filho? Lembro-me dele que era um rapazinho.
- Está lá dentro. Ajuda-nos aqui no café.»

Depois, há o café da esquina, grande espaço aberto cheio de vidraças sem cortinas nem protecções, com reclames colados, já desbotados do sol e do tempo.



Há homens de rostos enrugados, queimados pelo sol e pela aridez do vento do mar. 
Usam o boné sobre os olhos e, sentados cá fora, na esplanada, olham quem passa.
Falam, observam, jogam às cartas, tomam uma cerveja ou um bagacinho.

Outros preferem o sossego do interior. Algumas senhoras de certa idade lêem o jornal e tomam uma bica. Como eu, aliás.

Estes homens foram pescadores. "São pescadores", penso para mim. No olhar perdido, paira uma forma de espanto como se fixassem um outro mundo. 

Poucos fumam, mas todos olham os passantes.



Não são muitos os turistas, a estação vai baixa, mas sempre se encontra alguma coisa para comentar...

Lembram figuras dos contos do Manuel da Fonseca, tiradas do livro “À lareira, nos fundos da casa onde o Retorta tem o café” (1). 

O que é natural. Vindo de Santiago do Cacém, ele andou por ali, até fazia férias na pensão Boa Esperança que ainda hoje tem, no seu belo jardim, uma pérgola de trepadeiras, florida.


Não sei se leram estes contos, mas valem a pena! Comprei esse livro na primeira vez que estivemos em Porto Covo. Comprei-o na Papelaria local que faz gala em ser livraria e, ainda, o correio da terra! 

De facto, insiste ainda hoje a dona, que é uma simpatia: “A papelaria chama-se mesmo “O Correio”!"



A vida continua, na vila. Todos vão andando, todos tiveram que inventar novos modos para continuar a servir bem, gastando menos, com qualidade mas e baixando os preços.

- Se não, ninguém cá vem.


Agora, no tal café da esquina, detrás do balcão, está a D. Ana, de óculos e avental às bolinhas. Diz-me sempre que o chá verde  faz bem a tudo e eu concordo com ela. E é a minha bebida preferida quando ali vou.
Vem subsituí-la a D. Helena, uma bela mulher que se poderia dizer jovem se a vida não lhe tivesse caído em cima como caíu.

Conversamos e mostra-me a fotografia da filha, no telemóvel. Grandes olhos castanhos, boca sorridente, cabelos a esvoaçar.
- É bonita, não é?
- Bonita, mesmo!
Uma beleza morena, cheia de vida.
- Tem 25 aninhos...

E a mãe como era, na sua idade?, pensei. Mais bonita talvez. Como se adivinhasse o meu pensamento, a D. Helena acrescenta:

- Eu tenho 43, acredita? Ninguém mos dá. Sabe, quantos me deram há uns tempos? Bem, 53 anos, nem mais nem menos. Fiquei arrelampada!

"A vida foi dura...Altos e baixos", contou ela.

Divorciara-se e voltou à terra para casa dos pais, onde vivia. Tinham uma pequena lavoura, viviam num montinho e tinham lá tudo. Mas ela vinha trabalhar todos os dias ao café.



Sentou-se na nossa mesa, logo no segundo dia. Olhava-nos sem inveja, queria saber de nós, da nossa vida.

 Um ligeiro estrabismo fazia-a olhar-nos de lado. No entanto, devia ter sido uma mulher interessante, com um belo sorriso hoje perdido, que de vez em quando teimava em aparecer.

- Adoro cavalos! Desde pequenina que os monto. Os meus pais sempre tiveram cavalos.

Cavalos e o mar, Camarga

Sorriu. Era uma alegria poder dizer-nos isto.
- Serviam nos campos, para a agricultura...
Virou-se para mim, de repente:
- Já montou alguma vez?

Disse que sim. Tinham passado tantos anos! O tempo que passara assustou-me!

Ela continuou, a rir-se:
- Há dias montei o meu velho cavalo. Sentia-me nervosa, talvez tivesse mostrado a minha agitação e ele partiu disparado!


Mane-Katz, Cavalos loucos


Eu ri-me, a imaginar a cena. Lembrei-me dos cavalos loucos de Mane-Katz.

- Ainda me assustei...

Bateu com as mãos na mesa e levantou-se para atender os clientes.
Entrou o Sr. Balé que escreve poemas. Boné sobre os olhos, conversa fácil, sempre sorridente o Sr. Balé. 



Ficou ali em frente a falar connosco. À despedida,  ofereceu-me uma folha com uma poesia escrita à mão, numa bela letra desenhada.


Gostei do poema que falava de amores complicados. "É sentir eterna essa dor", escreve ele.

- Pode fazer da poesia o que quiser.  Tenho cópia...


Penso, pois, que o Sr. Balé não se importa que eu ponha aqui o seu poema (2)...

"Quando na vida existe amor
Da pessoa que lhe é tão querida
É sentir eterna essa dor
O grande amor da sua vida"


Pelo café, a conversa não muda. Saio e desço a  rua inclinada até ao limite da vila, para ver o mar.


"Ah! Esse não mudou!", suspirei, aliviada. 

Continuava à minha espera, puro, cheio da luz, as águas cristalinas a bater nas rochas douradas, com o mesmo azul, a mesma força de sempre, e uma segurança, a da sua permanência, na efemeridade da vida.

- O mar não muda nunca!

Mas muda, muda... e, a cada instante, nada é igual : o azul é sempre diferente, nas suas esfumaturas que vão do cinzento ao azul-turquesa e ao verde translúcido. 


As ondas rebentam contra as rochas bicudas, agrestes, que parecem cortadas por foices gigantes.


A água entra pelas pequenas grutas, e, em baixo, a “Praia dos Buizinhos”, como lhe chamam (tem lá a placa a dizer ...), desaparece sob a força da maré a encher. 


Em cima, na vila, contiua o vai-vem de todos os dias. Aqui, a paz é maravilhosa!




As horas passam e fico a ver o sol desaparecer no horizonte, com a sua cor anil, rosada, digna  de Monet.


(1) Manuel da Fonseca, “À lareira, nos fundos da casa onde o Retorta tem o café”, Caminho, 2000 (comprado em Fevereiro de 2007, em Porto Covo)



(2)O poema completo do Senhor Balé...

"Quando na vida existe amor
Da pessoa que lhe é tão querida
É sentir eterna essa dor
O grande amor da sua vida

O tempo continua a passar
E quando o via para ela olhava
De tanto olhar para ela
Mais o coração saltos  dava

“Penso que você de me ver sabe
Pois só tenho olhos para si”
Falei com o meu coração
Por escrito essas palavras li

Se não esperava isso de mim
Só mais tarde viria a saber
Com a certeza depois acreditava
Quando de mim viu as lágrimas correr

Parece que está iludido
Será essa a sua alma rara
Se a vê o coração acelera
Abala de triste, parece que pára"



12 comentários:

  1. Que bom ler os momentos simples que a querida amiga proporciona...e também a alegria que dá à gente linda que encontra!
    Porto Covo...sempre vos ouvi falar, desde o primeiro dia que vos conheci! Beijinhos da Casa do Castelo!.

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  2. Gosto da sua escrita que transforma em poesia todos os locais, todas as personagens. Fica-nos uma vontade imensa de tudo conhecer, porque já nos são simpáticos.
    Gostei muito!
    E as fotografias estão lindas!

    Infelizmente é a realidade dos nossos tempos: pessoas a ficarem desempregadas; locais de comércio a fecharem.
    Não conheço Porto Covo, mas deve ser bonito e tranquilo.
    Um beijinho grande

    ( Gostei da poema do Sr. Balé!)

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    1. Ainda bem que gostas! Dou muita importância à tua opinião! beijinhos.....

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  3. Gosto das fotos novas ali de lado, principalmente do Ratinho e Ouricinho!

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  4. Bom te ver amiga, bom saber mais de Porto Covo. Quando enfim se resolverem nossas vidas por aqui, eis um lugar que a rainha vai gostar.

    bjs cheios de saudades.

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  5. Que bela viagem minha cara amiga

    Partilhei esse chão com o nosso Manuel da Fonseca
    ao vivo

    Memórias vivas

    Bjs

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  6. É sempre tão bom lê-la! É como passear consigo, ter colo, aprender e sentir.
    Obrigada!
    Beijinhos

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  7. Maria João,
    Gostei muito de Porto Covo mas já não o visito há muitos anos. A sua descrição carregada de sensibilidade dá vontade de nos deslocarmos até aquele mar.
    É uma pena que não se invista mais no país e que se deixe morrer o que temos de melhor.
    Excelente reportagem fotográfica.
    Beijinho. :))

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  8. Cara MJ, seu texto maravilhoso, cheio de humanidade, é o primeiro que me dá uma dimensão mais concreta da crise em Portugal, que antes eu tinha de forma difusa e fria. Acho que não é à toa que os jornais não falam da vida comum, das pessoas comuns, como você tão bem faz: isso despertaria uma empatia nos leitores que tornaria ainda mais inaceitáveis as causas da crise, que eles querem esconder. Como você, também tento ler o rosto das pessoas, embora com muito menos sensibilidade. Um grande abraço!

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    1. Tem razão, amigo Mateus, a crise não é difusa - está mesmo por cá, bem assente nas mais pequenas coisas. E dói!
      Sabe?, eu sempre pensei que se não tentarmos "ler o rosto das pessoas", como diz bem, para que andamos cá??? Estamos todos no mesmo barco...Temos de ser solidários !
      Grande abraço!

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