Na
manhã seguinte da chegada a Porto Covo, ouvi o Ouricinho protestar:
-
Quando é que vamos ver o mar?
Ainda estava deitado na caminha, mas todo esperto. Começou a saltitar dum lado para o outro, na sala, espreitando todos os cantos do pequeno apartamento.
Depois foi ter com o Ratinho que já estava acordado, à janela do quarto.
Depois foi ter com o Ratinho que já estava acordado, à janela do quarto.
- Não queres ir?, perguntou ao Poeta.
Respondi-lhes:
-
Vamos, mas com calma! Não gosto de pressas...
Estive
mesmo para acrescentar: sou alentejana...mas calei-me. Não queria estar a
brincar com o meus alentejanos, mesmo ali em pleno Alentejo...
Eles
já se tinham entretido do outro lado, na sala.
-
Olha a piscina, Dan!
-Vais
tomar aqui banho, na piscina?, perguntou-me o Ouricinho.
Tinha
trazido só o meu velho fato de banho encarnado, desbotado do cloro da piscina, e estava à espera de ir uma manhã, sem ninguém me ver... Ou de noite... que bem mais apetitosa me parecia!
Entretiveram-se a apanhar sol no parapeito da janela. O
dia foi correndo e, pela tardinha, chamei-os.
-
Bem, vamos então à praia...
Houve
grande entusiasmo. Descemos a pé à vila, pelo caminho fabuloso que é a
vereda que vai serpenteando desde lá de cima até ao mar.
A vista vai variando, conforme as curvas, ora as serranias ora o porto, lá ao fundo, cheio de barquinhos. E a espuma das ondas a entrar pela pequena baía.
A vista vai variando, conforme as curvas, ora as serranias ora o porto, lá ao fundo, cheio de barquinhos. E a espuma das ondas a entrar pela pequena baía.
Comprei
o Monde, como sempre faço, alguns postais e selos.
E, como não podia deixar de ser, comprei um livro policial, da colecção Vampiro.
As meninas da loja agitavam-se no meio dos livros.
A papelaria "O Correio" é um lugar onde me sinto sempre bem! Cheira a livros e a cadernos! E tem gente simpática a atender-nos!
Desta vez, foi um da Mary Rinehart “A cicatriz reveladora” que já tinha lido - mas que gostei de reler durante aqueles dias de repouso, porque é bem escrito.
E, como não podia deixar de ser, comprei um livro policial, da colecção Vampiro.
As meninas da loja agitavam-se no meio dos livros.
A papelaria "O Correio" é um lugar onde me sinto sempre bem! Cheira a livros e a cadernos! E tem gente simpática a atender-nos!
Desta vez, foi um da Mary Rinehart “A cicatriz reveladora” que já tinha lido - mas que gostei de reler durante aqueles dias de repouso, porque é bem escrito.
A
seguir, fomos sentar-nos no Café do Marquês, mesmo no largo, a tomar café e a comer o "croissant" quentinho, que dividimos pelos três.
o largo do Marquês
Pouco durou o sossego. Ouricinho já tinha saltado para o chão:
- E a praia? Já estou farto de estar aqui sentado!
Não é capaz de estar quieto muito tempo...
E
seguimos caminho, eles a espreitar tudo, eu a tirar fotografias.
-
Olha ali os alentejanos à porta da igreja... De boné!
Era
o Ouricinho que parara em frente deles, sempre observador.
-
Não disseste que eram pescadores?, perguntou o Ratinho. Afinal são como os
outros alentejanos que já vimos...
Desiludido?
Acho que não.
-
Alentejano é alentejano...afirmou o Ouricinho, peremptório. Não é?
-
Sim, são pescadores, mas também trabalham no campo.
-
Sim. A vida é difícil sempre. Com o mar ao lado e as colheitas fracas, tantas
vezes sem trabalho, viraram-se para o mar.
-
Ah!, é verdade o que dizes... Tantas fomes houve no Alentejo!
Não
sei como sabia tantas coisas, a verdade é que estava sempre a ouvir atento ao
que dizemos lá em casa.
-
Como sabes?, perguntei só por perguntar. E a resposta veio rápida.
-
Então não nos leste bocadinhos das histórias e dos poemas do Manuel da Fonseca?
Logo
o Ouricinho declamou, na sua voz fininha:
- “Eram campos, campos, campos...” A Maria Campaniça, não é?
-
Pois, concordei, têm razão os dois. Era assim.
Continuámos a andar até à praia.
Trazia na mão o livro que comprara e
apetecia-me sentar a lê-lo. Havia ali um muro baixinho e sentei-me.
Avistava-se o mar e a Ilha do Pessegueiro. Tentei ler, mas era demasiado bela a vista que se estendia até ao horizonte.
Avistava-se o mar e a Ilha do Pessegueiro. Tentei ler, mas era demasiado bela a vista que se estendia até ao horizonte.
A
luz batia na superfície das águas, as ondas vinham defazer-se, de mansinho, como pedaços de algodão branco.
E a verdade é que eles não estavam calados nem quietos um momento!
- Olha!, disse o Ouricinho.
Perto,
do lado de terra, vejo duas ou três famílias de ciganos, ou a mesma família
quem sabe? Três roulottes estão arrumadas no parking pequeno.
-
Olha os ciganos!, repetiu.
-
O que tem isso de especial? É gente como nós...
O Ratinho dava uma lição de civismo ao amigo.
Andavam
a ceifar a erva alta, para pousar as bancadas. A tela abriu-se de repente sobre
eles como um circo.
Um
cão ladrou mesmo ao nosso lado. Olho e vejo que está preso com um cordel, mas tem uma coleira
bonita.
O
Ratinho espreitou, assustado, por detrás do meu livro.
O
Ouricinho encostara-se a ele, muito calado.
-
Tem dono ou foi abandonado?
-
Não. Já o conheço... Vi-o ontem. Querem ouvir uma história?
E
contei-lhes o que me tinha acontecido na noite anterior:
- Sabem? O
cãozinho branco e preto, que parece um perdigueiro, vi-o logo na primeira
noite. Gania, aflitivamente, parecia chorar. Talvez não quisesse estar sozinho
ou tivesse medo. Ou tivesse frio, pois a noite estava fria e ventosa.
Ouviam-me, interessadíssimos.
Ouviam-me, interessadíssimos.
- Fiz-lhe
festinhas, dei-lhe um pouco do croissant que não tinha acabado, mas ele
escondia-se detrás dos arbustos e não me deixava chegar a ele. Vi que tinha
água ao lado, fiquei mais descansada.
Eles
olhavam-me espantados.
Confesso
que não lhes disse o que tinha pensado: “se não estivesse no hotel, levava-o já
para casa!”
E
continuei a contar-lhes:
"Hoje
de manhã, ainda vocês dormiam, vim até aqui ver se cá estava. Trouxe uns
bocadinhos de carne do jantar."
-
Chorava?, perguntou o Ratinho.
- Não. Já não tinha medo, era de dia...não chorava. Falei-lhe e dei-lhe de comer.
-Conta mais coisas! Gosto tanto!
Era o Ouricinho que se chegara para mim, ternamente.
Era o Ouricinho que se chegara para mim, ternamente.
Continuei:
“Ouvi,
então, a voz de uma mulher que falava para mim.
-
Muito obrigada...
Virei-me,
surpreendida, pois não tinha visto ninguém, tão entretida estava com o cão. Lá ao fundo, a aldeia brilhava.
Era
uma mulher alta, de longos cabelos compridos atados com uma fita, saias
compridas e olhos profundos.
E disse outra vez:
- Obrigada.
-
É seu? O seu cão é lindo!
-
Tenho dois cães. O outro está ali.
E
lá estava um pequenito, castanho, com ar de perdigueiro também.
Quando
voltava para o hotel, depois do almoço, passei por lá e não vi o cão. Falei com o senhor que estava sentado perto das tendas, numa cadeira de praia e que me parecia o chefe, pela idade.
- Então, o perdigueirinho branco e preto onde está?
-
Está lá dentro...
E
apontou para uma das caravanas.
-
Se o deixasse solto, ia meter-se debaixo de algum carro...
O
senhor tinha grandes bigodes brancos,
cabelo hirsuto e um chapéu no alto da cabeça.
-Tenho
que o prender...
Enrugou
a face crestada de muitos sóis, enquanto os olhos franzidos me observavam
tranquilamente.
-
Outras vezes, á noite, levo-o para casa.”
- Gostaram da história?
Eles
estavam pensativos a olhar para o cãozinho.
-
Fez bem o dono... Podia-se matar. É pequenino, não sabe o que faz...
Era
o Ratinho, no seu ar sério.
- Ainda bem que esta noite o vai pôr na roulotte! Gostas dele?, perguntou o Ouricinho.
Percebi
que estava com ciúmes. Talvez com medo que eu pensasse pedi-lo ao cigano. Ou comprá-lo.
-
Gosto muito dele, mas tem donos!
Como se me ouvisse, alguém falou:
-
É meu...
Uma
cigana loira e bonita com uma saia vermelha e brincos compridos aproximara-se e fixava-nos do lado de lá da estrada. Fez-me lembrar o quadro de Ceija Stokha, a pintora cigana.
Ceija Stokha, A mãe
-
É o meu cão, repetiu.
-
Pois é, é dela...
Desta
vez tinham falado os dois ao mesmo tempo. Afinal, o Ratinho também devia estar
com ciúmes...
Voltámos
para o hotel, mas meti-os dentro da minha mala, porque estavam muito cansados.
Adormeceram depressa... O ar do mar, com certeza. Ou a emoção da história do cãozinho que eu julguei abandonado e que eles recearam que quisesse levar para casa...
NOTA: Mary Rinehart, escritora americana (1876.1958). Começou a escrever livros policiais 14 anos antes de Agatha Christie.
"A cicatriz Reveladora" saiu em 1913. É autora de outros bons romances de suspense, com um enredo misterioso, como "O mistério da escada de Caracol" ou "O homem da cama nº 10".
Procurem na Livraria Lumière: há lá imensos livros desta colecção!
"A cicatriz Reveladora" saiu em 1913. É autora de outros bons romances de suspense, com um enredo misterioso, como "O mistério da escada de Caracol" ou "O homem da cama nº 10".
Procurem na Livraria Lumière: há lá imensos livros desta colecção!
São os períodos de venda, armam-se as barracas e se tenta o sustento. Lindas diga-se de passagem.
ResponderEliminarMas esses dois estão descobrindo o mundo heim, que delícia vê-los assim, a ganhar vida atravês dos eu coração.
bjs grandes amiga,
bom passeio,
bom verão.
Têm razão, amigas, e foi lindo vê-los! "Eles" adoraram! beijinhos
EliminarQue maravilha de post!
ResponderEliminarLevava o cãozinho para casa? Já a estou a ver a levá-lo e o Manuel primeiro a reclamar mas depois a afeiçoar-se a ele! Era, não era?
E chegou a tomar banho à noite, na piscina?
Adorei as fotos, principalmente as do mar e a sexta, com o Ratinho e o Ouricinho a apanharem sol no parapeito da janela! Ainda bem que desta vez os levou! Eles são um pouco traquinas e ciumentos, mas merecem!
Um beijinho grande e obrigada por mais um magnífico post! :)
Obrigada, minha fiel leitora! Por uns momentos considerei essa hipótese, mas era troppo complicato! Nos fundo, se ele não tivesse donos, sei lá o que faria? Se ele nos "adoptasse"???
ResponderEliminarEles são uns ciumentos estes dois! à piscina ...não fui à noite (e o Manuel???)mas sim na última manhã: não resisti!
beijinhos
Ai que confusão!...
EliminarEu dizia que o Manuel se afeiçoaria ao cãozinho.
E depois perguntei se a Maria João tinha tomado banho à noite na piscina...já vi que não, mas não resistiu a um mergulhinho!
Eu esta semana se calhar já vou até à piscina-praia com a minha sobrinha. Estou só a mentalizar-me para comprar um fato-de-banho novo...para gordinhas! :(
Beijinhos e boa semana!
Uma reportagem tecida de afectos e olhar mágico. Senti Porto Covo inteiro!
ResponderEliminarBeijinhos
Luísa