quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Morreu Claude Lévi-Strauss: como não falar dele?...













Como não saudar este homem especial, no momento em que desaparece? Num momento em que se agudizam os racismos étnicos e de todos os tipos, em tempo de intolerância contra o outro, o diferente, o que não é igual a nós, como não lembrar uma pessoa como ele e o que ele escreveu?





A propósito do seu desaparecimento, disse o etnólogo japonês, Junzo Kawada, tradutor de muitas das seus obras como por exemplo "Tristes Tropiques"(1955):
"Quando desaparece uma grande personalidade, nós dizemos que uma estrela gigante caíu do céu. Claude Lévi-Strauss foi sem dúvida uma dessas estrelas. Voou para o infinito e é com esse sentimento que esta noite olho para o céu cintilante de estrelas..."
Kawada, seu amigo e discípulo, acentua deste modo o lugar enorme que o antropólogo desaparecido tem no pensamento contemporâneo japonês: diríamos, no pensamento contemporâneo universal.

"O Brasil foi a experiência mais importante da minha vida", disse Lévi-Strauss que ali viveu de 1933 a 1939, depois de ter sido nomeado Professor de Sociologia, na Universidade de S. Paulo.
É no Brasil que realiza os seus primeiros trabalhos, vivendo junto dos índios Bororo, no estado do Mato Grosso.

O Brasil que hoje o recorda com respeito, pela voz do Professor José Ribamar Freire (citado pelo jornal Le Monde de hoje):
"O respeito por Claude Lévi-Strauss é incrível, aqui. Lembro-me de estar a estudar em Paris, seguindo o curso do Professor Maurice Godelier. Já nessa altura, quando Lévi-Strauss fazia uma conferência, esse professor famoso deixava o seu curso para ir assistir à conferência. E nós seguíamo-lo ..."

Numa entrevista ao jornal "Le Monde", em 14 de Julho de 1962, afirmava Lévi-Strauss:

"Longe de ver no pensamento selvagem ("La pensée sauvage" (1962) é o título de uma das suas obras mais importantes) um parente pobre do pensamento domesticado ("pensée domestiqué"), considero-o antes como um ser natural. A natureza engendra o pensamento como outras formas de vida: animal, vegetal e mineral. E mais. Este pensamento selvagem é racional. Codifica, quer dizer, classifica, rigorosamente, apoiando-se em oposiçãoes e contrastes, o universo físico, a natureza viva e o próprio homem, tal qual se exprime nas crenças e nas suas instituições. O pensamento selvagem tem o seu princípio numa ciência do concreto, uma lógica das qualidades sensíveis tal como a encontramos em certas actividades".





Quando o entrevistador lhe pergunta se não será exagero falar de "ciência" responde: "O pensamento selvagem não é filho do acaso. Os motivos que o inspiram são verdadeiramente científicos, se é verdade que a ciência implica um desejo de conhecimento só pelo prazer de conhecer, uma vontade vocacionada para a observação e que dirige todos os seus esforços para a classificação.
O conhecimento zoológico e botânico de certas populações ditas primitivas cobre centenas se não milhares de espécies, distingue variedades e sub-variedades..."
Aluna de Letras, fiz Etnologia Geral e Antropologia, apesar de estar no curso de Filologia Românica: escolhi-as como cadeiras de opção. E lembro bem a capa do livro "La pensée sauvage": uns amores-perfeitos. Associo-a ao meu pai porque foi ele que mo deu. Nessa altura "descobri" que era também esse (la pensée) o nome do amor-perfeito.
E penso agora nos amores-perfeitos selvagens, do campo, les pensées sauvages, que o meu pai tanto gostava de colher: iguais aos outros dos jardins, mas pequeninos, e, se possível, ainda mais delicados apesar de "selvagens"...

Hoje Le Monde dedicou cinco páginas a esta figura notável de historiador, Mestre de antropologia, etnólogo, homem de cultura, criador...
Cito uma passagem da bela "editorial" de Eric Fottorino, director do jornal:
"Adepto do "olhar distante" ("Le regard éloigné" é o título de um livro publicado em 1992) para melhor abranger a espessura do real, Lévi-Strauss disse, muitas vezes sozinho, verdades duras. Em especial que o outro, porque é diferente, não é inferior. Que a diversidade não pode justificar a desigualdade. Que "le barbare, c'est d'abord l'homme qui croit à la barbarie". Que o olhar etnocentrado, ou tecnocentrado, confundindo progresso material e civilização superior, é uma falta (falha) do espírito, um excesso de si-próprio. A sua obra oferece um antídoto ao racismo et aux preconceitos. Lévi-Strauss terá conseguido este equilíbrio tão precioso quanto precário, que vê o próprio do homem no que ele tem de comum com todos os homens para viver juntos, corrigido pela diversidade das culturas, sem a qual desapareceria a riqueza das minorias, sal da terra humana".
Haveria tanto a dizer... Limito-me a saudar a estrela gigante que, em 30 de Outubro, caíu ... mas que ontem, hoje, e sempre, vagueia e vagueará pelo céu estrelado, alumiando esta terra que amou na diversidade das suas culturas...
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Algumas datas da sua vida:
1908: nasce em 28 de Novembro, em Bruxelas
1931: Curso de Filosofia
1935: partida para o Brasil e primeira investigação sobre os Bororo e os Caduveo
1939: a Guerra, é mobilizado, reintegrado no ensino e depois afastado, pelas leis anti-judaicas
1941: partida para os Estados Unidos
1942: curso de Etnologia na Escola Livre dos Altos Estudos de N.Y.
1948: regresso a Paris e defesa de uma tese, na Sorbonne: "Les Structures élémentaires de la parenté", publicada em 1949
1959-82: professor no Collège de France
1973: eleito para a Académie Française
1995: eleito Presidente de Honra da comissão instalada para elaborar o projecto de um Museu das artes primitivas
2006: assiste à inauguração do Musée du Quai Branly
2009: 30 de Outubro: morre em Paris
Títulos de algumas obras:

1952: Race et Histoire
1955: Tristes Tropiques
1958: Anthropologie structurale
1962: Le Totémisme aujourd'hui e La pensée sauvage
1971: L'homme nu
1973: Anthropologie structurale II
1983: Le regard éloigné
1985: La potière jalouse
1991: L'histoire du lynx
1993: Regarder, écouter, lire
1994: Saudades do Brasil
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Legendas das imagens:
1. Quadro de Júlio Pomar
2. fotogafia de indios ameríndios
3. Lévi-Strauss, no seu escritório
4. capa de "Tristes Tropiques"
5. Lévi-Strauss, no Brasil (entre 1933-39)
6. capa de "La pensée sauvage"

2 comentários:

  1. De facto, como não falar sobre ele?
    E a obra que Lévi-Strauss deixou permite-nos ir «conversando» com ele.

    Belíssimo, este Pomar! Não conhecia.

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  2. "Apanheio-o", por acaso e já não sei onde... Também não conhecia.
    Obrigada por ter vindo "ver"...

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