No ferry que se aproxima de Newhaven, a sul da costa inglesa, um homem novo está encostado à amurada. Fuma nervosamente. Tem os cabelos ruivos, os olhos castanhos, e as olheiras fundas de quem não dorme há muitas horas.
-Que pesadelo!..., diz em voz baixa.
E continua a pensar:
“Como é possível voltar a casa e saber que está morta...!? Saber que não a volto a ver...”
Olha fixamente a costa cada vez mais perto, respira fundo.
“Pouca sorte com as ilhas. Nesta, onde nasci, vou encontrar a minha mãe, morta. Quando deixei a outra ilha, perdi a minha infância, o meu pai...”
Revia os espaços de África, o verde infindável da floresta na bruma, o mar dum azul sempre vivo, a chuva a bater no telhado da casa, as torrentes de lama vermelha descendo a rua na estação das chuvas. O jardim tropical e os frutos que lhe pareciam de todas as cores do mundo...
-Que pesadelo!..., diz em voz baixa.
E continua a pensar:
“Como é possível voltar a casa e saber que está morta...!? Saber que não a volto a ver...”
Olha fixamente a costa cada vez mais perto, respira fundo.
“Pouca sorte com as ilhas. Nesta, onde nasci, vou encontrar a minha mãe, morta. Quando deixei a outra ilha, perdi a minha infância, o meu pai...”
Revia os espaços de África, o verde infindável da floresta na bruma, o mar dum azul sempre vivo, a chuva a bater no telhado da casa, as torrentes de lama vermelha descendo a rua na estação das chuvas. O jardim tropical e os frutos que lhe pareciam de todas as cores do mundo...
E a imagem da mãe vinha, no seu vestido branco com papoilas, a segurar o chapéu de palha com uma das mãos, as fitas vermelhas caídas atrás, sobre os cabelos ruivos, e os olhos azuis a brilhar, divertidos.
-Meu Deus! Como foi possível!? Ela não podia morrer! Não podia...
Voltara a falar alto, gritava sem dar por isso.
Sacode a cabeça mas as imagens não o largam. Via os pais e a irmã no jeep atolado, num caminho deserto. Eles, miúdos, com o pai e o Zurigo a tentarem tirá-lo da lama, pondo enormes folhas de palmeira debaixo das rodas...
A mãe, agarrada ao volante, a rir-se.
“Desapareceu tudo num instante...”
Esse mundo maravilhoso de espaços abertos desaparecera e, de repente, o sentimento de perda, tremendo e doloroso, quando chegara à cinzenta Inglaterra.
“O que é que eu vou fazer? Morreste... A vida parou... Separados para sempre, mãe... E calo-me? Aceitei já a tua morte?”
Uma angústia enorme invadira-o. Vinham-lhe à memória uns versos de que a mãe gostava de Hanoch Levin:
“Silent…meaning you did not rise, did not rebel…”
Aceitar a morte dela?
“Meaning you go this way, I go that...”
Aceitar, sem gritos, nem protestos?
“Desapareceu tudo num instante...”
Esse mundo maravilhoso de espaços abertos desaparecera e, de repente, o sentimento de perda, tremendo e doloroso, quando chegara à cinzenta Inglaterra.
“O que é que eu vou fazer? Morreste... A vida parou... Separados para sempre, mãe... E calo-me? Aceitei já a tua morte?”
Uma angústia enorme invadira-o. Vinham-lhe à memória uns versos de que a mãe gostava de Hanoch Levin:
“Silent…meaning you did not rise, did not rebel…”
Aceitar a morte dela?
“Meaning you go this way, I go that...”
Aceitar, sem gritos, nem protestos?
“Sem me revoltar? Em silêncio, mãe?! Não é possível!” No entanto, ali estava ele, aceitando, sem se rebelar, sem gritar...
Tinhas razão quando dizias que aceitaria a tua morte em silêncio...
“Inelutável”, repetias, “todos aceitamos... Vais ver... "
Parecia-lhe ouvir a voz doce e com um pouco de tristeza: “Fica só o pensamento, a lembrança, mais nada...”
Tinhas razão quando dizias que aceitaria a tua morte em silêncio...
“Inelutável”, repetias, “todos aceitamos... Vais ver... "
Parecia-lhe ouvir a voz doce e com um pouco de tristeza: “Fica só o pensamento, a lembrança, mais nada...”
Recordava bem a sua voz, declamando, devagar:
"... you burst out crying and then were silent,
meaning you did not rise, did not rebel,
meaning you were reconciled, meaning
I go this way, you go that."
meaning you did not rise, did not rebel,
meaning you were reconciled, meaning
I go this way, you go that."
"Sim, eu por este caminho, tu por aquele..." Mais sozinho e mais vazio.
"Recomeçar tudo do princípio, sem ti? Sem o teu olhar, o teu cuidado? Habituar-me a nunca mais te ver! Ó mãe, como é possível?”
Com uma das mãos tentou pôr ordem nos cabelos, despenteados pelo vento e pela maresia. Impaciente, segurava o cigarro aceso na outra.
-Não quero! Não posso aceitar!, gritou.
-Não quero! Não posso aceitar!, gritou.
Encolheu-se dentro do duffle-coat, arrepiado e sozinho.
“Mais frio que em Amesterdão! Será sugestão, pelo cinzento do céu? Acho que sou eu estou gelado por dentro...”
“Mais frio que em Amesterdão! Será sugestão, pelo cinzento do céu? Acho que sou eu estou gelado por dentro...”
A costa parecia aproximar-se rapidamente, o movimento das pessoas começara. Ouviam-se os motores a aquecer.
Entrou no carro, sentou-se e ficou a olhar para o mar, à espera.
Sem ele querer, o pensamento voltava atrás. Soubera da morte da mãe pelo telefone. Joan falara-lhe de Abidjan.
-“Michael querido, vou dar-te um desgosto enorme. Desculpa, tenho de ser eu a dizer-te, só eu é que posso... Uma coisa horrível...”
A voz suspendeu-se por um instante, depois ouvira-a respirar fundo e dizer num arranque:
-“A mãe morreu...”
-“A mãe? Estás maluca?!”
-“Morreu...”
“Não é possível a mãe morrer”, pensara ele...
-“Há três dias. Só soube agora, telefonou-me o Gabriel. Já marquei o voo, parto amanhã à noite.”
Ele calara-se. Como se o coração lhe tivesse parado. Não conseguia entender.
-“Pesadelo?”
Era um sonho aquela conversa. Um pesadelo do qual iria acordar. Não era possível...
-“Michael, ouviste?...”
-“Sim, ouvi, Joan...”
-“E não dizes nada?! Protesta, meu Deus!”
-“Não quero acreditar! Não posso...”
A voz soava metálica, como se não fosse ele a falar.
- “Morreu como?” , perguntara em voz arrastada, impessoal.
Sem ele querer, o pensamento voltava atrás. Soubera da morte da mãe pelo telefone. Joan falara-lhe de Abidjan.
-“Michael querido, vou dar-te um desgosto enorme. Desculpa, tenho de ser eu a dizer-te, só eu é que posso... Uma coisa horrível...”
A voz suspendeu-se por um instante, depois ouvira-a respirar fundo e dizer num arranque:
-“A mãe morreu...”
-“A mãe? Estás maluca?!”
-“Morreu...”
“Não é possível a mãe morrer”, pensara ele...
-“Há três dias. Só soube agora, telefonou-me o Gabriel. Já marquei o voo, parto amanhã à noite.”
Ele calara-se. Como se o coração lhe tivesse parado. Não conseguia entender.
-“Pesadelo?”
Era um sonho aquela conversa. Um pesadelo do qual iria acordar. Não era possível...
-“Michael, ouviste?...”
-“Sim, ouvi, Joan...”
-“E não dizes nada?! Protesta, meu Deus!”
-“Não quero acreditar! Não posso...”
A voz soava metálica, como se não fosse ele a falar.
- “Morreu como?” , perguntara em voz arrastada, impessoal.
Depois percebeu que ela começara a soluçar, primeiro devagarinho, a seguir convulsivamente, sem parar.
-“Oh! Joan, Joan, não chores...”
-“Michael, não sei o que hei-de fazer. Tu vais lá ter comigo?”
-“Vou. Com certeza que vou... O mais depressa que puder.
Parou e perguntou:
-“O Peter vai?”
-“Não, tem estado fora de Abidjan. E, sabes, acho que certas situações temos que as viver sozinhos...”
Engolia os soluços, queria mostrar-se forte, como sempre procurara ser.
-“Oh! Joan, Joan, não chores...”
-“Michael, não sei o que hei-de fazer. Tu vais lá ter comigo?”
-“Vou. Com certeza que vou... O mais depressa que puder.
Parou e perguntou:
-“O Peter vai?”
-“Não, tem estado fora de Abidjan. E, sabes, acho que certas situações temos que as viver sozinhos...”
Engolia os soluços, queria mostrar-se forte, como sempre procurara ser.
“És uma tipa dura”, costumava dizer a mãe, a brincar.
Mas era tão difícil ser forte...
Mas era tão difícil ser forte...
Michael continuou, no mesmo tom:
-“Como foi?! Não estava doente, não tinha nada!”
-“Não sei os pormenores. Foi de repente, disse-me o Gabriel, e confesso que nem quis ouvir mais... "
Não conseguia dizer mais nada.
-“Vou precisar da tua força, Michael. Ajuda-me, por favor! Eu telefono-te quando chegar...”
-“Eu vou depressa, querida irmã!”, tentou animá-la.
De Brighton, ela voltara a telefonar-lhe.
-“Ouve, Michael, tudo isto é esquisito. Não acredito que tenha sido morte natural. Paludismo, dizem. Não acredito.
Hesitou. E disse de repente:
-“Penso que foi envenenada! Não posso dizer porquê, nem por quem, porque não sei.”
-“Mas isso é absurdo! Porquê a mãe?”
-“Não faço ideia, mas tenho as minhas razões. Ela tinha-me escrito uma carta... Alguém a quis matar. E conseguiu!
-“Não é possível!”
-“Ouve-me, Michael: tens de acreditar em mim. Depois falamos. Quando chegas?”
-“ Espero estar aí o mais tardar no fim da semana.”
O barco abrira-se como o ventre de um animal gigantesco. O mar cinzento agitava-se, violento, as ondas batiam com força no casco.
“O Jonas devia sentir-se assim a sair de dentro da baleia...”
Tentava ironizar, mas sentia o rosto esticado no esforço de conter as lágrimas que com a água salgada lhe ardiam nos olhos e na pele.
-“Como foi?! Não estava doente, não tinha nada!”
-“Não sei os pormenores. Foi de repente, disse-me o Gabriel, e confesso que nem quis ouvir mais... "
Não conseguia dizer mais nada.
-“Vou precisar da tua força, Michael. Ajuda-me, por favor! Eu telefono-te quando chegar...”
-“Eu vou depressa, querida irmã!”, tentou animá-la.
De Brighton, ela voltara a telefonar-lhe.
-“Ouve, Michael, tudo isto é esquisito. Não acredito que tenha sido morte natural. Paludismo, dizem. Não acredito.
Hesitou. E disse de repente:
-“Penso que foi envenenada! Não posso dizer porquê, nem por quem, porque não sei.”
-“Mas isso é absurdo! Porquê a mãe?”
-“Não faço ideia, mas tenho as minhas razões. Ela tinha-me escrito uma carta... Alguém a quis matar. E conseguiu!
-“Não é possível!”
-“Ouve-me, Michael: tens de acreditar em mim. Depois falamos. Quando chegas?”
-“ Espero estar aí o mais tardar no fim da semana.”
O barco abrira-se como o ventre de um animal gigantesco. O mar cinzento agitava-se, violento, as ondas batiam com força no casco.
“O Jonas devia sentir-se assim a sair de dentro da baleia...”
Tentava ironizar, mas sentia o rosto esticado no esforço de conter as lágrimas que com a água salgada lhe ardiam nos olhos e na pele.
E ali estava agora, a chegar a casa. De Newhaven seguira a estrada junto ao mar. Em menos de meia hora estaria em Brighton e dali a Arundel era perto. A casa ficava um pouco antes da pequena aldeia.
Ia olhando a paisagem: dum lado o mar, do outro, as doces colinas dos Downs. E lembrava os tempos em que ali vivera.
Não sabia o que o aguardava, qual o mistério que envolvera a morte da mãe.
Sabia só que Joan estava sozinha e precisava dele.
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(foto do blog "arquivo fotográfico", de DLC)
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