terça-feira, 17 de novembro de 2009

S. Tomé e o Tchiloli, um pouco de história e cultura























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Hoje gostava que vissem este video sobre um dos mais interessantes espectáculos culturais de São Tomé: o "Tchiloli".




Esta "tragédia" foi levada da Ilha da Madeira (onde chegara com os marinheiros das naus portuguesas) para São Tomé e pertence ao ciclo carolíngio e intitulada "Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno".

Fui encontrar estas indicações num livro precioso de Fernando Reis, "Povo Flogá "( o povo brinca, edição da Câmara Municipal de São Tomér, 1969). Fala dos múltiplos contributos da ilha d S. Tomé para a cultura, dos seus divertimentos de ontem que ainda existem hoje.

Vivi em São Tomé cinco anos que não esquecerei.




Assisti, em várias noites (geralmente de lua) nesses anos à representação do "Tchiloli", pelo grupo do Riboque do inesquecível Professor João que ensaiava os seus alunos (novos e antigos).




Quando havia espectáculo, o professor João mandava um aviso, por um dos mais jovens, a dizer-nos se queríamos assistir.
Íamos sempre.

Era diferente o espectáculo, os risos não batiam nos mesmos pontos. O público reunia-se em pequena assembleia num das clareiras ou pequeno largo entre as casas. Casas de tábuas de madeira construídas em palafitas para as torrentes das cheias da estação das chuvas não alagarem as casas.


O público variava, nunca era o mesmo, e as reacções variavam e conforme as reacções, os actores respondiam ou actuavam conforme.




Lembro-me de esperar que caísse o sol ( o crepúsculo desce de repente em São Tomé e ao dia sucede-se a noite em breves minutos) para nos prepararmos para a festa. De chegarmos em noite alumiados por pequenas velas em cima de bancos de madeira, na rua pobre que subia para o Riboque. Uma lâmpada no alto, ao canto no telhado de uma casa mais alta dava a luz necessária, porque a lua ajudava.

Mas aqui ali havia uma luzinha de petróleo, ou de vela, pois a maoria das casas ali naquele bairro pobre não tinham electricidade!
Vejo as folhas enormes das bananeiras, os coqueiros esguios de um lado, as acácias que davam flores cor de laranja, as mangueiras e a árvore da papaia, como décor.

Uma ou outra mulher espreitava por detrás de um pano branco nas janelas, meio escondidas. A assistência sentava-se no chão ou ficava em pé e as pessoas mais velhas tinham direito a uma cadeira.
A humidade caía, o calor era desagradável naquele sítio fechado, sem a brisa que às vezes corre na Gravana, e eu tentava embrulhar-me num lenço de seda para me proteger dos mosquitos que desciam em voo picado e nos vinham atacar. O paludismo não perdoava, mas valia a pena o risco...

O "Povo Flogá" faz referência à actuação do grupo (que foi famoso) da "Formiguinha da Boa Morte" (um bairro da cidade capital, como os meus amigos sãotomenses se referiam sempre a São Tomé). Que veio a Lisboa há muitos anos e teve grande sucesso sempre.

Porque o espectáculo da tragédia depende sempre da actuação do público e do grupo que a representa.

Diz Fernando Reis:
"O "Auto da Floripes" (ou "São Lourenço"), do Príncipe, e o "Tchiloli", de São Tomé (...) ambas do ciclo das histórias de Carlos Magno, foram levadas pelos portugueses nas suas naus até à Madeira, aos Açores, a S. Tomé e ao Brasil.




Num folheto da chamada "literatura de cordel" [porque as folhinhas vinham atadas por um coredel, nota minha...], esgotado há muito e cuja edição pertence à Livraria Lello & Irmãos do Porto, lemos este auto "A Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno" e também o nome de Baltasar Dias, o escritor cego madeirense contemporâneo de Gil Vicente.

Este opúsculo, amarelecido e a desfazer-se pelos anos, foi-nos oferecido por um ilustre filho de São Tomé, o senhor Aureliano Aragão, descendente de uma das mais antigas famílias da ilha.
Lemos também este auto no "Romanceiro" de Garrett [III volume de uma edição revista e publicada a 1963]. Nessa edição, Garrett não cita Baltasar Dias ou porque o auto foi recolhido da tradição oral, ignorando pois Garrett essa autoria, ou porque duvidou dessa autoria. Refere Garrett: "sua nobre origem bem sabida e manifesta: francesa ou provençal. Se foi língua d' "oc" ou d' "oil" a primeira que falou não sei mas quando atravessou os Pirinéus veio para nós."

Continua Fernando Reis: "O Tchiloli representado em pequenas clareiras do mato, nos quintés (quintais) sempre na estação seca, "gravana", que corresponde ao "cacimbo" em Angola. Ali se ergue o palácio do Imperador Carlos Magno com farda flamannte, uma coroa de latão e tem o risoto escondido detras de uma máscara de rede pintada de branco com duas rosetas vermelhas, um bigode e barba de algodão colados.(...)

Do outro lado, modestamente, está a família do Marquês de Mântua, o ofendido. O respeitável Marquês usa cartola, fraque e gravata preta. (...)"

E segue-se a descrição dos outros personagens: A viúva e as filhas de Valdevinos (assassinado pelo filho de Carlos Magno, D. Carloto), vestidas de luto, que vêm pedir justiça; o heróico Reinaldos de Montalvão, as princesas; D. Roldão, a Imperatriz (um homem pois todos os personagens femininos são representados por homens).

E no meio deles um pequeno caixão onde repousaria a vítima de D. Carloto. E as peripécias, discursos, imprecações seguem-se pela noite fora...
Espero que gostem! Voltarei com mais coisas de São Tomé: porque há ainda a "Ússua" (que vi dançar na inauguração do Mercado do Ponto), o "Danço Congo" (dos guerreiros do Congo), a música, e tantas outras manifestações da riqueza cultural destas gentes de São Tomé.
(para consultarem, aqui fica o site do Património de São Tomé)

2 comentários:

  1. É fascinante "descobrir", guiada por si, estes recantes de uma cultura distante. Não conheço África, mas já AMO a intensidade das cores e dos sons!

    Beijos minha querida amiga

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  2. Que bem que me senti ao ver, ler e ouvir os sons (desta) que deve ser uma magnifica terra. Obrigada amiga, por dar a conhecer aquilo que muitos de nós não tem a possibilidade de conhecer.
    Beijos minha amiga, tenho saudades suas.

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