segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Quem tem medo de Ruth Rendell, o nosso pesadelo?

O filme de Claude Miller, com a actriz Nicole Garcia
Ruth Rendell é considerada hoje a "Grande Dama" do suspense britânico.
É uma das grandes escritoras do género, vivas, não esquecendo, no entanto, P.D. James e outras mais modernas.




Consegue, com raro talento, dissecar e criticar temas da actualidade no meio dos mistérios que surgem na sua vasta obra.

Os enredos são variados, as épocas do ano também.



Por exemplo, num tempo de chuvas fortes, na fictícia cidade de Kingsmarkham, alguém desaparece num bosque nevoento; em plena canícula de Agosto uma jovem é encontrada morta em circunstâncias estranhas; uma pessoa tem duas identidades, uma delas comete um crime que impossível; dois irmãos e a baby sitter encarregada de cuidar deles desaparecem na bruma enquanto os pais viajam.
E etc.




Caberá ao inspector Reginald Wexford, velho conhecido dos fãs da autora, desvendar o que de facto aconteceu e assim pôr a nu a hipocrisia, o ódio, falsa loucura que disfarçam verdades inconvenientes, ou são realidades psicopáticas inaceitáveis....
Logo a partir do seu primeiro romance, From Doon with Death (1964), R. R. teve grande sucesso com o seu herói.


Ganhou vários Prémios: o "Gold Dagger" da "Crime Writer's Association", em 1976, pelo livro A Demon in my View (excelente); o "Arts Council National Book Awards" pela obra The Lake of darkness (terrível), em 1980.
E outros se seguem, rapidamente.

Em 1985, recebe o "Silver Dagger" por The Tree of Hands e com o pseudónimo de Barbara Vine, ganha na América o famoso "Prémio Edgar Allan Poe" dos "Mystery Writers of America" pelo livro A Dark-Adapted Eye.



Depois desta pequena apresentação, comecemos:
Alguns conhecem já Ruth Rendell, outros não, tentarei falar dela...
Confesso que o primeiro livro me chocou, e não gostei.
Era uma tradução da qual não recordo o título. Fiquei com a ideia de que aconteciam coisas que me pareciam nebulosas, absurdas e que me desgostaram.
Deixei passar uns anos até voltar a ela. Recomecei, desta vez em inglês -sempre que posso, leio na língua do autor, é sempre diferente. Já não sei quem dizia que as línguas reflectem uma mundividência que é intraduzível. Será isso...
Sei que desta vez consegui “entrar”. Porque se trata de “penetrar” noutro mundo, “ver” outras pessoas, "aceitar" uma certa atmosfera.

Claro que todos os livros nos provocam essa necessidade de “entrar” neles, mas aqui trata-se de mundos misteriosos ou “doentes”, o que torna tudo complicado.
Um mundo estranho, em que funcionam partes da mente que, normalmente, são controladas pelo nosso consciente? Em certos casos sim; noutros, trata-se de inseguranças ou, pura e simplesmente, de psicopatias ou paranóias.

Talvez haja mais psicopatas no mundo do que nós julgávamos...
Até que ponto a sociedade em que se vive, a solidão, a agressividade dos tempos, a falta de ajuda, a ânsia de ter não serão catalizadores destes problemas? A cada dia surgem pequenos -e grandes- psicopatas que agem de modo "a-normal", agridem, destroem, lesam: que consideramos psicopatas, doentes mentais, o que lhes quiserem chamar. Por quê?
E que nos assustam, que evocam pesadelos e que queremos afastar logo do pé de nós.
Nos livros de R.R. mais do que os enredos ou o suspense –que o há e bastante!- é uma certa atmosfera quase irreal, um qualquer coisa que paira no ar e pensamos ser “the evil”, como ela costuma dizer –o mal- o inominável e diabólico, nas suas múltiplas formas.
São personagens doentes, marcados por um passado cruel, em fuga, lutando contra os medos que os assaltam, contra os instintos incontroláveis e a pulsão assassina.
Bem escritos, bem estruturados, nada falha, tudo perfeito.
Resta-nos essa atmosfera terrível, dos nevoeiros cerrados, dos bosques que escondem corpos mortos, da charneca onde se aninha o mal, dos lagos de águas profundas, do gelo onde escorregamos, dos becos de casas abandonadas onde tudo pode acontecer.
Porque, neles, tudo pode ser uma armadilha onde as pessoas perdem o pé, entram num torvelinho que não entendem, são sorvidas e morrem.
Mas, felizmente, surge a parte humana!



O Comissário Reginald Wexford e a sua cultura, as suas longas citações de Shakespeare, Keats ou de outro qualquer escritor famoso e que enervam o inspector Burden.
E a família: Dora, a mulher, paciente mas determinada, que segue de longe as investigações e lhe dá por vezes uma ideia, aparentemente banal, mas que resulta; as duas filhas, Sheila, uma actriz de teatro famosa, frágil, que vive num mundo muito diferente do dele, mas que ele acompanha, demasiado interssado -porque talvez Sheila seja a preferida do pai...

E Sylvia, a mais velha, que não acabou o curso, a eterna desorientada. Ela e os seus ideais, a participação em comissões de defesa da mulher, dos animais, até dos homens, de tudo!
As suas paixões e zangas, os namorados, depois maridos, os filhos, as frustrações perante o sucesso da irmã.

E o pequeno comissariado da polícia de Kingsmarkham, cidade de província, completamente inventada pela autora, mas que “existe” para o leitor, logo a seguir à leitura do primeiro romance. o médico legista, amigo mas inflexível quando se trata de aconselhar uma dieta ao "forte" e sedentárioWexford, que adora comer e tem o colesterol alto; os inspectores -sobretudo Burden e os seus problemas constantes, as dúvidas existenciais, as contrariedades da vida, a morte...

Estes com Wexford e os seus agentes, são, sem dúvida, para mim os melhores livros dela, porque seguimos as personagens, vêmo-las (porque R.R é uma boa escritora e criadora de gentes e de mundos), andamos com eles pelas vidas, tentamos compreender os seus dramas e ajudar a resolver os casos.
Esta é a parte humana!
Wexford é um polícia “humano” e aquilo que vê nos outros preocupa-o sinceramente e dedica-se de corpo e alma à tarefa de descobrir, perceber, resolver.

Tenta compreender (quase à maneira do Maigret de Simenon: “comprendre et pas juger...”), interpreta as acções, procura os sentimentos, numa forma de empatia com as personagens/pessoas, o que, em certos casos, se revela impossível.
Então, vai procurar a verdae, “desvendar” o oculto, perscrutar no nevoeiro do inconsciente dessas mentes baralhadas, ou doentes, abrir esses mundos fechados e encontrar, nesse inconsciente recusado, os motivos ocultos ou as “razões” irracionais que o levam à solução dos casos mais difíceis.
Comecei hoje a ler o romance "Simisola", um caso para Wexford resolver...

Algumas notas bio-bibliográficas:
Nota 1.

"Ruth Rendell é, desde 1964, ano em que veria publicada a sua primeira obra, entusiasticamente aclamada pelo público e pela crítica. Distinguida com inúmeros prémios literários internacionais -quer como Ruth Rendell quer como Barbara Vine, pseudónimo com que assina muitos dos seus trabalhos – a sua obra está traduzida em vinte e cinco línguas.
Entre as distinções mais importantes que recebeu estão: o Gold Dagger Award da Crime Writer’s Association em 1976, 1984 e 1986; o Diamond Dagger Award da mesma associação pela sua “notável contribuição para o género policial”; e o Sunday Times Literary Award em 1990.
Em 1996, foi nomeada "Commander of the British Empire (CBE)" e, em 1997, foi ordenada Par do Reino, sendo-lhe conferido o título de Baronesa Rendell of Babergh.

Publicados pela ASA, na colecção "Noites Brancas", estão os romances Jogos Perversos e Os Telhados do Bem e do Mal, este último com a assinatura de Barbara Vine.
Para mais informações sobre a autora podem consultar o site www.twbooks.co.uk/authors/rendell.html

N.B.: não se trata de publicidade feita por mim, é apenas uma indicação

Nota 2.
Barbara Ruth Rendell, Baronesa Rendell de Babergh, CBE, (nascida em 17 de Fevereiro de 1930), que também escreve sob o pseudónimo Barbara Vine, é uma escritora inglesa de obras de mistério e psicologia criminal, muitas vezes chamada de Rainha do Crime.


(Aqui só um aparte meu: e a Agatha Christie? Então não era ela "The Queen of Crime", a rainha do Crime!?)
Retirado de Sapo Saber a 13-01-2010

Nota 3.
Existem já dois DVDs cujas capas mostro acima:
Ruth Rendell: Mysteries 1 e Mysteries 2
( o primeiro, com um nível de participação de actores -entre os quais Colin Firth- e realização bastante bom já o encontrei, o segundo ainda não o vi.);
Há, também, o filme de Claude Miller, com Nicole Garcia, que se chama "Betty Fischer"
Nota 4.
Encontrei uma colecção brasileira com vários títulos, a editora "Rocco".

3 comentários:

  1. Não conheço o suficiente de R. Rendell para declarar se gosto da obra. Acontece que li um dos policiais dela há uns anos atrás, numa daquelas tardes de verão em que me ponho a tostar na praia... Não retive o título, mas lembro-me que a li sem esforço. Entretanto, outros livros se meteram pelo meio e fiquei por ali... Este post leva-nos a querer conhecer mais! Obrigada!

    ResponderEliminar
  2. Leia que não se arrepende, ela é boa mesmo. Os temas são às vezes demasiado duros. Leia em inglês, se puder: a diferença é grande...
    Abraços e obgd

    ResponderEliminar
  3. GOSTO MUITO DESSA ESCRITORA E A FORMA COMO ELA ESCREVE SUAS SUAS OBRAS. JÁ LI BASTANTE DE SEUS LIVROS E O QUE MAIS GOSTEI TINHA COMO TITULO:A MORTE É MINHA AMANTE.

    ResponderEliminar