quarta-feira, 28 de abril de 2010

Voltando à Rússia e aos seus escritores, aos seus pintores. "A Thing of beauty is a joy forever", já dizia Keats...

Campo de papoilas, Borisov-Musatov




A Casa-Museu de Tolstoï fica na Lva Tolstova Ulitsa. Foi a casa onde o escritor viveu a maioria dos Invernos, de 1882 a 1901.


No Verão, a família ia para a propriedade de Iasnaya Polyana de que já falei. Repin, retrato de Tolstoi em Iasnaya Ployana

Na casa de Moscovo reunia-se muitas vezes com os amigos. Rachmaninoff vinha e acompanhava ao piano o famoso cantor de ópera Chaliapine. O escritor Maxym Gorki veio também visitá-lo.

Lembro um pormenor engraçado: no escritório, a cadeira onde escrevia era baixinha porque le lhe serrara os pés para poder ficar mais próximo dos seus papéis a escrever. O grande leão não podia admitir que tinha miopia! Neste retrato, do pintor Nicolai Ghe, está sentado a escrever na tal secretária...

Outro lugar que me entusiasmou ver foi a casa de Tchekhov.
Tchekhov, pintado por Oren Kiprensky

Fica na Sadovaia-Kudrinska Ulitsa e é uma casa simples. Tchekhov nunca foi rico e o consultório médico era no próprio escritório onde escrevia.

Tem cá fora ainda a placa de cobre, dizendo “Doutor Tchekhov”.
Nessa casa, foram visitá-lo várias vezes Tolstoï e Gorki.

Tchekhov e Gorky na casa da Sadovaïa-Kudrunska Ulitsa
A casa foi restaurada e transformada em Museu com autorização da mulher Olga Leonardovna Knipper (1870-1959), uma actriz que foi intérprete nas suas peças e com quem o escritor casa em 1901.

Não resisto a falar um pouco mais de Tchekhov...

Viveu nesta casa de 1886 a 1891. Muito doente, deixa Moscovo e procura alívio para a tuberculose que o irá vitimar. Morre na estância termal de Badenweiler perto de Basileia (Suíça), na fronteira oeste da Floresta Negra, em 1904. Tangarog, A Igreja da Assunção, onde Tchekhov foi baptizado

Em Janeiro, completaram-se os 150 anos do nascimento de Anton Tchekhov. A Rússia celebrou a data com actividades comemorativas por todo o território nacional. Mas as solenidades mais importantes realizaram-se em Taganrog, cidade natal de Theckhov, às quais assistiu o Presidente da Rússia, Dmitri Medvedev.

É em 1889 que os sintomas da tuberculose se agravaram, tornando-o pessimista



sobre o seu estado de saúde. Depois da morte do irmão mais novo, decidira fazer uma viagem com os amigos até Poltava.
Fugiu da mesma morte que o esperava, assim o descreveu em carta aos amigos...
Após o enterro do irmão, ("a nossa família viu um caixão pela primeira vez") decidiu iniciar uma viagem sem rumo. Vai viajar permanente nos meses seguintes.
Decide conhecer a Ilha
Sacalina, a ilha do desterro, na Sibéria.



Parte em 21 de Abril de 1890. A 11 de Julho chega a Fort Aleksandrovsk, na Ilha. Passou cinco meses indo de norte a sul. Quis conhecer as gentes da ilha, fez quase mesmo um levantamento das visitas que fazia, escrevendo notas em cerca de 10.000 cartões individuais, trabalho exaustivo.
Entre os desterrados inclui-se o amigo de Tchekhov,
Vladimir Korolenko, um escritor, que foi enviado para a Sibéria pela polícia, sem qualquer julgamento.
A 13 de Outubro parte para Vladivostok. Um mês depois, chega à ilha de Ceilão. A 1 de Novembro está em Odessa. Regressa a Moscovo em A 8 de Dezembro.
No ano de 1892 compra uma casa no campo, em Mélikhovo, para onde se muda com a família.
Três anos mais tarde visita Tolstoï, cujas ideias irão exercer grande influência e fascínio sobre Tchekhov.
Quadro de Borisov-Musatov, num barco no lago
Por motivos de doença, muda-se para Ialta, na Crimeia.
É no final da vida que escreve as três peças que o consagram como grande dramaturgo: A Gaivota em 1896, As Três Irmãs em 1900;O Cerejal (que Filipe Guerra, tradutor das obras em russo para a Assírio & Alvim, diz deveria chamar-se Ginjal) em 1903.

Em 1904 parte para a Alemanha com a actriz Olga Knipper, com quem casara em 1901, morrendo no mês de Julho em Badenweiler, perto de Basileia, na Floresta Negra.
Ñão resisti a mostrar as capas de alguns dos seus livros publicados em Portugal. Várias casas editoras recentemente o publicaram: Os Contos estão publicados quer pela Assírio & Alvim, quer pela Relógio d'Água (que também tem a peça As Três irmãs), A Minha Mulher foi publicado pela Quási. O Campo das Letras tem também alguns títulos, como Platonov, a primeira peça que Tchekhov escreveu.

No Brasil, O Cerejal (Ginjal) é chamado O Jardim das Cerejas e tem uma linda capa.





Em 1887, Tchekhov ganha o Prémio Pushkin da Academia Russa




Passei também pela Casa-Museu Pushkin, na encantadora Rua Arbat, uma casa azul e branca, estilo Império, mas foi em S. Petersburgo que melhor conheci a casa do poeta ali.


Casa-Museu Gorki:Vi também a Casa-Museu Gorki, na Malaya Nikitskaya Ulitsa, perto do Café Mania e do Conservatório.
Uma “villa” dos princípios do século XX, cheia de arte.
Casa em estilo moderno, foi construída em 1900 pelo arquitecto e escultor russo Chektel.
Em 1931, é oferecida a Gorki, por Staline. Ali vive até 1936, data em que morre (provavelmente mandado assassinar pelo mesmo Staline...)

Casa fantástica! Lembro os seus vitrais nos ângulos dos vãos das janelas, as portadas esculpidas. Invulgar e linda escada que desce numa curva vertiginosa, quase em caracol. O corrimão em calcário polido, esculpido, obra da Arte Nova, desce como uma onda até ao fundo, terminando numa espécie de coluna erguida como tocha torcida no cimo da qual está um candeeiro em forma de Medusa...

Antes de passar a São Petersburgo, gostava de lembrar algumas coisas mais:

Recordo uma vez mais os cafés, além do Mania havia os "Beans", os “Chocolada”, com um ambiente agradável, os piroskis (pastelinhos de carne), a atrte de maçã com natas ácidas, as elegantes meninas que atendiam, a suavidade da língua, etc.

E a maravilhosa Tretyakova Gallery:


Os pintores que nela descobri e me encantaram e continuam a encantar...

Desculpem escrever tanto, mas gostava que os "procurassem" na internet, são muito bons! E quase desconhecidos por cá...





Os que consegui descobrir -e me impressionaram mais- deixo-vos aqui:


Barqueiros do Volga, de Vasnetsov

A variedade de retratistas, a qualidade da pintura, a força da expressão, impressionaram-me.
Personagens variadíssimas, figuras históricas, escritores, músicos ou simples anónimos...

Os pintores: Repin, Serov, Perov, Kiprensky, Ossip. Infindáveis os nomes...

Desde o retrato da Czarina Sofia, de Ilya Repin, que, olha para nós, esgazeada, ao lado da janela da prisão, onde vai ficar até morrer.
Ou o de Dostoievsky por Perov, o retrato de Tolstoi, a escrever, de Nicolai Ghe, ou o de Pushkin, por Orest Kiprensky.Ou o retrato de Dostoievsky, por Perov.

Retrato de Rimsky-Korsakov, por Serov.






Auto-retrato de Viktor Vasnetsov
As paisagens de Isac Levitan (o quadro, O Outono, é uma coisa maravilhosa!), as florestas encantadas de Shishkin com os seus ursos, ou Sovrasov e as árvores no fim do Inverno (O Regresso dos corvos).


















A galeria infindável de figuras de jovens e de belas mulheres: Serov, e a menina dos pêssegos, os auto-retratos de Zinaida Sertebryakova,



Ou, então, os quadros dramáticos da “história da Rússia”, grandes frescos de violência e realismo. Por exemplo, o quadro acima, de Surikov: o doloroso quadro “Manhã da execução dos Streltsy” .Strelets e os seus partidários tinham-se revoltado contra as reformas de Pedro o Grande e apoiaram a meia-irmã, a tal czarina Sofia, do quadro de Reoin. A vingança do Czar é sangrenta e conduz à morte várias famílias, de vários inocentes.

No quadro, há dois olhares que se cruzam: o de Strelets, que nos aparece à esquerda, de camisa branca e barba ponteaguda, sentado na carroça que o leva, rodeado da mulher e filhos.
E o do Czar Pedro o Grande, à direita, a cavalo, rodeado do corpo diplomático e dos seus digintários. No quadro, enorme, pode traçar-se a linha imaginária que liga os dois olhares e "sente-se" a electricidade do ódio...

Ou o quadro de Repin, que mostra Ivan o Terrível, com o filho morto nos braços. O filho que, num acesso de loucura, matara...
O olhar de louco que tem, num quadro de Vasnetsov (O Czar Ivan Vassilyevitch, o Terrível); O Pássaro Profético, de Vasnetsov

O Príncipe Ivan cavalgando o lobo cinzento, de Vasnetsov

O pintor Viktor Vasnetsov e a sua imaginação, as suas representações poéticas dos contos populares, as figuras lendárias ou míticas, o movimento, a expressão, o ritmo...

A Czarina que não ri, de Vasnetsov

Ou Victor Vrubel (Uma história oriental) que se aproxima, pelos temas oníricos, personagens feéricas, lendárias, de Vasnetsov e de Borisov-Musatov.
As Três Rainhas do reino Subterrâneo, de Vasnetsov



O pintor Viktor Vrublel:

Vrubel (Conto Oriental):


Vasnetsov, e a Princesa-Rã

Não disparem sobre ...o 25 de Abril! Viajando pelo país...


Não, não venho falar mal do país!

Nem do 25 de Abril -o que está a tornar-se um lugar comum...




O 25 de Abril não tem culpa da crise...



A crise veio da América, não é culpa do 25 de Abril!
O 25 de Abril também não tem culpa de certos mal-governos...

Antes do 25 de Abril, lembram-se como era?

Muitos já nasceram depois desse dia, e nunca souberam bem "como" era antes... Outros esqueceram, porque se desiludiram...

Outros não querem falar nisso, porque não lhes convém.

Pois era pior do que agora podem crer...

Alguns recordações, ao correr da pena:

O analfabetismo atingia números inomináveis, a escolarização era mínima, não havia electricidade nas aldeias perdidas pelas serras -e muitas vezes à beira de Lisboa!

A pobreza alastrava e os "remediados" eram muitos: chegavam à classe média, a pobre classe média sempre triturada...
Quem estudava, antes do 25 de Abril?

Quem atingia o final do nível secundário?
Ou mesmo o (antigo) 5º ano?

Quem fazia a Universidade?

E ainda outra pergunta:
Quem poderia dizer do Estado Novo - ou do Golpe de 28 de Maio...- o que hoje se diz, à boca aberta, do 25 de Abril e do Governo?
Quem podia estar no café a falar do que lhe apetecesse? A dizer mal de quem lhe apetece?

E é muito bom e saudável poder criticar, dizer o que se pensa... É um bem inimaginável!

Pois é, mas antes do 25 de Abril não se podia...


Critica-se o estado da Saúde, da Educação.

Com razão, porque o cidadão comum deve interessar-se pela "res pubblica", pela "polis", por isso pode e deve exigir mais. Melhor.

Mas antes nem se falava nisso. Ninguém podia contestar ou protestar.

A explosão escolar e muitos dos problemas de hoje advieram da "massificação" do ensino. Normal. Tinha de ser assim.

No entanto, hoje as oportunidades de seguir os estudos são iguais. O que já não é igual (ainda não...) -e é uma hipocrisia dizê-lo- é que as "possibilidades" dos alunos são as mesmas.

Não são.

O background deles é diferente; o "apoio" aos estudos dados pelos pais é diferente; a (bem) criticada ausência dos pais (coitados de alguns, agarrados aos trabalhos até às tantas...) é muitas vezes real mas causada por motivações diferentes; o acesso às "novas tecnologias" em casa não é igual para todos e muitas vezes o acesso (a única possibilidade) na escola pode condicionar a facilidade de fazer certos trabalhos ...em casa.

Na Saúde...

Quem tinha acesso à saúde grátis, com algum "aspecto" disso, antes?

Quantos morriam em casa, nos hospitais, nos hospícios sem ninguém sequer se dar conta?

E as mortes de parto e febres puerperais?

E as crianças, que alimentação tinham?
E, nas escolas, havia possibilidade de se lhes dar de comer?

Quantas vezes ouvi falar de crianças quase bébés ainda, alimentados com as velhas "sopas de cavalo cansado" que tanto serviam aos pais como a elas?

E o garrafão de 5 litros que fazia parte da "paga" do pai, para "matar o bicho" e esconder a fome?

E as mães que eu vi -muito perto de 1974, na Beira Alta- dar sardinhas assadas, desfiadas pelas próprias mãos a outras crianças, quase bébés?
Os filhos que vinham uns a seguir aos outros, e cuja única alternativa eram os abortos-caseiros que levavam a infecções mortais ?

Pois é...
Não disparem sobre o 25 de Abril...
Os cravos nunca murcham e, depois, há aí flores tão belas a nascer!
Nada se perdeu, se quisermos continuar a procurar...

E o país?...O país continua lindo.
Andei pela Guarda, deixo algumas fotografias. O campo estava lindo, as giestas amarelas, as urzes brancas, as florinhas lilazes por todo o lado...


Uma imagem do Porto, oferecida ao Hans Freitas, amador do Porto, para ele não ficar triste...