Moscovo ...
A MINHA RÚSSIA...
Chegámos a Moscovo numa noite de tempestade do ano 2004, em Abril. Eram as férias da Páscoa e tinha conseguido uns dias a mais, na escola. Ficámos perto de três semanas dessa vez.
Praça Komsomolskaya, ou das Praça das Três Estações
Não sabia nessa altura que, entre 2004 e 2005, passaria cerca de 4 meses na Rússia, vivendo em Moscovo, na Bolshaya Spaskaya Ulitsa, perto da Praça das Três Estações: Kazan, Lelingrado e Yaroslav, junto da entrada do metropolitano Komsomolskaya. Estação de metropolitano de Komsomolskaya (vestíbulo de acesso aos comboios)
É um metropolitano, cuja imagem nos fica nos olhos, bem abertos para ver tudo.
Deixo-vos estas imagens porque acho que vale apena ter uma ideia.
À chegada, dessa primeira vez, o Aeroporto de Moscovo Sheremetyevo pareceu-me misterioso na noite, com qualquer coisa de provinciano e, ao mesmo tempo, o ambiente de certos filmes de espionagem.
A minha filha fôra esperar-nos e tinha-se perdido na tempestade de neve, o que só soube, depois de estarmos bem instalados no carro, a caminho da cidade.
Todas as referências que ela conhecia da estrada tinham sido “apagadas” pela neve. Verifiquei mais tarde que as indicações eram sempre poucas e mal assinaladas (além de serem apenas escritas em cirílico) quando se saía da auto-estrada.
Enquanto olhava os caminhos que ladeavam a estrada que levava a Moscovo, via os descampados, de um lado e de outro, terrenos infindáveis, neve e branco, as bétulas e os olmos dos quais mal se distinguia a brancura dos troncos, levemente salpicados de preto ou de verde muito escuro.
De longe em longe uma casinha de madeira, uma datcha, com a sua luzinha acesa na noite negra e gelada.
A estepe, como nos Contos de Tchekhov, como no Doutor Jivago, de Pasternak, a natureza, a estepe, a tundra sem fim rodeava-nos, enquanto o carro avançava...
Era a Rússia, a Santa Rússia que, desde a minha adolescência, assim que começara a ler a Literatura Russa, desejara conhecer.
livros traduzidos em várias línguas, Casa-Museu Dostoievski
(Como, anos depois, me prendeu a visão da Guerra de outro escritor -ou os bas-fonds da guerra, de todas as guerras, sempre iguais?-, a descrição inesquecível de Stendhal, na Cartuxa de Parma, dos exércitos, a angústia dos jovens soldados, a louca desgraça das vivandeiras, toda a miséria física e moral que as guerras traziam atrás, lá bem atrás, longe da fanfarra, para se não ver...
Deixemos este aparte... )
Um dia deixei de sonhar Moscovo. Pensava que nunca lá iria. Os acasos do destino, ou seja lá o que for, decidiram de outro modo.
fotos da autora: duas vistas da casa da Bolshaya Spaskaya Ulitsa
E, sem o imaginar, acabei por passar quase cinco meses na Rússia, na rua Bolshoya Spaskaya.
outras fotos minhas: o metro e a Agência Tass
E se nos perdêssemos por ali outra vez?, imaginava.
Entrava-me o terror retrospectivo de lembrar a minha filha perdida, poucas horas antes, na imensidão da neve, naquelas distâncias. Sem comunicações, sem telefones (os telemóveis não têm rede era evidente), sujeita a ficar por aquelas florestas até de manhã, gelada.
Estremecia ao pensar nisso.
Mas logo a atracção, a curiosidade, a alegria de ali estar voltavam a fazer-me sorrir, lá atrás no carro, encostada a ver a neve cair em flocos suaves...
Era um choque de emoções muito fortes. Tinha vontade de chorar. Vinha-me à memória tanta coisa da minha infância e dessas leituras, do entusiasmo, mais tarde, a vermos todos, com a Florinda, a série da BBC tirada do romance Guerra e Paz.
A Praça Vermelha! Krasnaya Ploschad!
duas "visões" da Praça Vermlha (da minha autoria)
Ao fundo a Catedral de São Basílio, um pouco distanciada, no lado oriental da praça, com as suas cúpulas redondas, de vários tamanhos, coloridas, e bem orientais nos desenhos e nos enfeites. Por detrás, num nível mais abaixo, corre a linda Varvarka Ulitsa.
a Praça do Conservatório e a fachada lateral do Café Mania (da autora...)
Para outro lado, atravessando o Boulevard Tverskay, ficava o Largo do Conservatório, ao cimo da Nikitskaya Malinkaya Ulitsa (a pequena, porque existe também a Nikitskaya Bolchaya), com a estátua de Tchaikovsky, figura delicada, a abrir-nos os braços, e os alunos a passarem com os seus violinos, "viole da gamba", flautas, a caminho das aulas. Ali ensinou Tchaikovski até 1878, ali estudaram -seus alunos- os pianistas-compositores Rachmaninov e Scriabine.
Perto, na Casa dos Compositores, viveu Chostakovitch, e ensinou no Conservatório até ser afastado, "como profissionalmente incompetente", durante as purgas de Stalin.
E, logo ao lado, o "Café Mania", moderno, confortável, elegante, com uma bela decoração, gravuras nas paredes, serviço impecável feito por jovens estudantes.
Quase paralela, mais para Norte, a grande avenida Tverskaya, larguíssima, cheia de lojas, que sobe e vai dar à Praça Pushkin (a Pushkinskaya Ploshad), com as suas fontes e, retirada, a figura do amado poeta, no meio ddas árvores, dos bancos, dos canteiros de flores e de gente, muita gente!
vista do Kremlin e o Antik Bar, na Nikitskaya Ulitsa.
E que mais?
Tanta coisa ainda para contar...
A Arbatskaya Ploshad e o seu mercadinho.
O "Teatro Bolshoï", onde ainda vi o Ballet Bolshoï dançar o Lago dos Cisnes, antes de terem começado o restauro do teatro.
O "Teatro Maly", onde assisti à representação de A Floresta, de Ostrovski (com a estátua deste escritor em frente) e onde é sempre representada uma peça dele...
E os Museus (onde conheci Vasnetsov, Serov, Repin) -a fantástica Tretyakova Galeria-, o Museu das Belas-Artes Pushkin, o Museu Maïakovski, a casa-museu Gorky.
Etc. Etc.
Vou contar depois...
Vasnetsov, a pequena Alyonushka
Extraordinária descrição…
ResponderEliminarA Rússia! Do Pedro, da Catarina, dos Nicolaus, do Tolstoi, do Lenine. Da sua música tradicional, Os Olhos Negros, Kalinka, Os Barqueiros Do Volga!
Convido-a a ver este clip:
http://www.youtube.com/watch?v=cCoxp9kPtDM
dedicado à minha amiga russa que me acompanhou na visita a Magadan.
Спасибо за ваши фотографии.
MFonseca
Spaciba...
ResponderEliminarObrigado por dividir esse momento tão maravilhoso de viajar em perspectivas até então imagináveis pra mim.Bela postagens e fica na paz, parceira.
ResponderEliminarPS: Li paz e Guerra no começo de minhas descobertas literaturas e confesso que aprendi a viver nesta selva de pedra que me cerca atraves deste livro.
Moscovo,Londres,África...que inveja(da MÁ)
ResponderEliminarTambém eu de miúda devorei dois livrinhos que havia na minha casa,Nietotchka e Pobres Gentes,e quando li Crime e Castigo,já era uma enamorada do Dostoiévski,e da Russia que nunca verei.
É curioso que me lembre tâo bem destas coisas,mais do que o que fiz ontem...Beijinhos