terça-feira, 27 de julho de 2010

Ainda José Rodrigues Miguéis e "Uma Aventura Inquietante": um contributo...



Gostava imenso que espreitasse um pequeno texto que escrevi sobre o JRM no ano passado (1 página ou por aí).

Há uma ideia a nortear os textos (Viagens, deslocações…).

Mas o convite é para que veja as três citações que retirei da obra dele.”


Li e gostei. Além das referidas "citações", deixo também um excerto breve da introdução de Lurdes Sampaio, no artigo cujo "link" vem no final da página:



JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS


1901 - 1980

"Nasceu em Lisboa, mas viveu expatriado cerca de quatro décadas nos E.U.A., apenas interrompidas por uma estada, entre 1949-50, no Brasil e por regressos esporádicos a Portugal (alguns prolongados como em 1946-47 e 1957-59).

Licenciado em Direito Licenciado em Direito em 1924, e em Ciências Pedagógicas em 1933 (Bruxelas), antes de emigrar, José Rodrigues Miguéis exerceu a advocacia, foi delegado do Ministério Público e professor do ensino secundário.

Colaborou activamente, desde os anos 1920, na imprensa periódica, destacando-se a sua militância n’A República e na Seara Nova, tendo, com Bento de Jesus Caraça, dirigido o semanário O Globo (1933).

Menos activa nos E.U.A., esta vocação jornalística recrudesce no pós-25 de Abril, mediante uma colaboração intensa no Diário Popular (1975-1980).

O seu empenhamento político em causas cívicas e humanitárias manifesta-se ainda enquanto estudante universitário e continuará nos E.U.A., sob a forma de artigos e intervenções públicas em defesa dos emigrantes luso-espanhóis e da crítica ao franquismo.

Em Nova Iorque funda o Clube Operário Português e, em 1961, é eleito Correspondente da Hispanic Society of America e da Communità Europea di Scritori.

O caso de “exílio” de José Rodrigues Miguéis é bem eloquente quanto aos estratagemas do Estado Novo na repressão da vida intelectual portuguesa.
Com o nome censurado nos jornais, proibido de escrever na imprensa, desiludido com a advocacia, Miguéis condenou-se, como se sabe, a um auto-exílio nos E.U.A.."


Aqui seguem, em baixo, as "citações" que acho de facto bem interessantes: viagens, exílio, é o tema do artigo que Maria de Lurdes Sampaio publicou nos "Cadernos de Viagens", do Instituto de Literatura Comparada.


Sabemos racionalmente que nunca se volta ao lar, nunca se repete um gesto, acto, situação, emoção ou pensamento, como (…) nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. Somos irreversivelmente arrastados, numa curva indefinível, através do ignoto do que somos uma parte mínima. Ora, não voltar ao passado, ou não o perpetuar no presente, é perder o que somos-fomos, até como memória, que é quanto dele nos resta.” (“Nota” a Nikalai, Nikalai: 254).


“Com grande espanto, vejo logo à cabeça da lista esta coisa inesperada:

Sopa de nabos com feijão branco à portuguesa.


Nabos! Em Boitsfort! E feijão branco à portuguesa! Dei um pulo que fez sorrir a criadinha roliça, loira e flamenga a olho nu, que desenvoltamente se viera postar a meu lado.Como a todos os portugueses, sempre me alvoroçou encontrar lá fora, fosse onde fosse, um reflexo da nossa influência civilizadora. Não há português digno do nome que, passando por Paris, não vá abrir a boca de admiração a uma esquina da Rue de Lisbonne ou do Boulevard Pereyre; que não sinta espicaçá-lo uma ponta de orgulho ao ver, em Bucareste ou Nova Iorque, a tabuleta dum mercador chamado Portugal ou Portugalov, ou achar a cada passo, por esses restaurantes, as clássicas ‘ostras portuguesas’ ou a sopa de tomate a que chamam
portugaise, talvez em homenagem à nossa nunca desmentida tesura.

Uma cidade chamada Lisbon, no Ohio ou no Maine (ainda há outras), ou mesmo Angola (Indiana ou Nova Iorque), enche-nos o peito de ufania. Uma simples refeição ao madère num romance de Dumas, ou ao porto numa novela russa; a menção duma personagem cosmopolita de apelido Faria ou Paiva, bastam para nos compensar de infindos amargos de boca patrióticos. Vaidades perdoáveis em quem, como Pedro Sem, já teve e agora não tem. (…) Quando a pequena me serviu a sopa, a fumegar numa funda e portuguesíssima tigela de barro vidrado de Estremoz, o meu assombro cresceu: era a legítima, a insofismável sopinha familiar de feijão branco! Ataquei-a com todo o fervor da minha gastronostalgia, e esqueci por completo o ensaio de bordoada que me preparava para aplicar à nossa culinária.” (Uma Aventura Inquietante, 9.ª ed.: 12-14).



“[A]quela era a América dos seus sonhos de menino; a América dos seus sonhos ilimitados, dos rios diluviais, das pradarias em flor, das manadas de búfalos, dos trilhos sem fim, dos índios livres – a América virgem, primitiva, que ele pressentia e nunca pudera encontrar, que talvez nunca tivesse existido senão nos livros, no sonho…

Não importa, era essa que ele buscava, a sua América, El Dorado só dele, secreto e imenso. (…) Conhecia as estradas onde só há lugar para automóveis, as vias férreas que se desdobram ao infinito, eternamente convergindo para divergir de novo, as cidades cancerosas, as fábricas ciclópicas, os silos e armazéns, o negrume das favelas, o tumulto, os distantes casais ensimesmados em monotonia e desconfiança, as fazendas em ruínas e pó, os negros desalentados, e os brancos reduzidos, como eles, à miséria e à susperstição. (Para que os tinham trazido de além-mar, se não podiam preservar o Sonho?).”


(“A Esquina-do-Vento”, in Gente da Terceira Classe, 6.ª ed.: 112)


Nota nº 1

Deixo este link para os que possam ter curiosidade em "aprofundar" o conhecimento de José Rodrigues Miguéis, nesse artigo muito completo do ILC:

JOSÉ Claudino RODRIGUES MIGUÉIS - Instituto de Literatura ...

(E é só clicar…)

Nota nº 2

Quem é Maria de Lurdes Sampaio?

Jovem Professora Universitária, ensina, além de "Teoria da Literatura" (e outras disciplinas), "Literatura Policial".

Já falei dela algumas vezes, a propósito de "escolhas" ou "consultas" policiais. (1)

De facto, pode dizer-se que é uma "especialista de literatura policial", em Portugal.

(1)

Referi-me já a M.L.S. num "post", no meu blog, a propósito de uma tese (Philip Marlowe) orientada por esta professora:

Título do post (31 de Outubro de 2009): "Citando uma tese sobre Raymond Chandler, Marlowe" (e onde se fala também de Fernando Pessoa e de xadrez...)


Seminário: O Policial na Literatura e no Cinema
Docente: Maria de Lurdes Sampaio
Mestranda: Magda Peixoto Barbeita
Título: PHILIP MARLOWE

Maria de Lurdes Sampaio publicou, entre outras coisas, dois livros de carácter bem diferente:

1) de estudos da "arte do crime":

"Detecção e castigo" ( livro organizado em colaboração com Gonçalo Vilas-Boas, Presidente do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa)

Edição/reimpressão: 2001

Páginas: 248

Editor: Granito Editores

2) de literatura portuguesa:

"Aventuras Literárias de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão"

Edição/reimpressão: 2006

Páginas: 217

Editor: Angelus Novus

2 comentários:

  1. Não sei a quem te estás a dirigir,mas posso dizer-te que eu (Maria)gostei dos textos e da temática.
    Quanto a procurar uma página tua do ano passado,pode ser demasiado laborioso,não ponhas deveres tão difíceis,Sotôra!!Beijinhos

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  2. Felizmente, as minhas alunas eram mais "respeitadoras"...
    Aqui, não há respeito! (broma)...
    Tens razão, mas por preguiça não fui ver a data. Mas hoje depois da reprimenda, fui...
    Trata-se de um post sobre uma tese orientada por esta prof.
    Data: 31 de Outubro de 2009, título: "Citando uma tese sobre Raymond Chandler, Marlowe, onde se fala também de Fernando Pessoa..."

    Seminário: O Policial na Literatura e no Cinema
    Docente: Maria de Lurdes Sampaio
    Mestranda: Magda Peixoto Barbeita
    Título: PHILIP MARLOWE

    Ufa! Agora já está tudo!
    beijos
    "stôra"

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