sábado, 9 de julho de 2011

O ratinho anda a fazer yoga...

O ratinho poeta, desde que voltámos a casa, parece-me inquieto. Mais calado, pouco expansivo.
Vejo-o absorto de manhãzinha, à janela, ou a olhar para mim, na mesinha de cabeceira, à noite.











- O que tens, ratinho?


- Nada... Estou a pensar na vida, respondeu-me ontem, muito sério.


E não adiantou mais conversa.

Hoje, ao entrar no quarto, estava ele de patinhas para o ar em cima da minha almofada indiana. - Ó, ratinho, o que estás a fazer? Podes partir o pescoço!



Não respondeu. Mas virou-se e pôs-se de barriga para o ar, a respirar profundamente, ritmicamente, inspirar, expirar...


Sem dar por isso, comecei a contar baixinho para mim: um, dois, um, dois...


De repente, ainda deitado, falou:


- Tenho andado nervoso. Enfim, sinto-me um bocado “desorganizado”...


O ratinho “desorganizado”?!


Lembrei-me logo do Eça e daquela personagem amorosa que era o Craft, o inglês de "Os Maias", a queixar-se daqueles dois "fantásticos", como ele dizia!

- “Desorganizam-me, preciso de ar”, queixava-se ele a Carlos da Maia, a dada altura.


“Eles”, os fantásticos (segundo Craft), eram os portuguesinhos Alencar e Ega...

E imagino-os, antes de irem "por esse Aterro fora", a discutirem encalorados, aos berros e insultando-se - quase chegando “a vias de facto” - e, uns metros mais adiante, abraçados, de lágrima ao canto do olho e lenço na mão, numas pazes à romance russo!


O Craft a olhar e a ouvir, coitado, completamente “desgovernado”...


- Mas desorganizado por quê, ratinho?


- Não interessa, agora já estou melhor...

Estava preocupada.


- O que estavas a fazer ali de cabeça para baixo?, voltei a perguntar.


- A fazer yoga.


E acrescentou:


- É assim que fazem em Mysore.

- Em Mysore?


O que saberá o ratinho de Mysore?

- Então não sabes? É onde vai aquela menina de quem estavas a falar com as tuas amigas...


- Qual menina?


- Não te lembras?


Sim, lembrava-me de uma conversa com umas amigas que me visitaram há dias, mas nunca pensei que o ratinho estivesse ali ao lado, a ouvir...

Este ratinho!...

- Pois é, Mysore. Na Índia.


Deu uma gargalhadinha, coisa que nunca lhe ouvira.


- Naquela terra onde as vacas andam no meio dos automóveis e das motoretas...

Encostado a uma almofada mais pequena, os olhos dele riam. Tive que me rir também.

Mysore... Um dia tenho de ir a Mysore! "E levo o ratinho", pensei ...


As vacas sagradas a atravessar as estradas e os carros a travar bruscamente., As motoretas girando sem controle, às curvas. As buzinas, os ruídos, os cheiros de comida que imaginara, as cores fortes: os laranjas os roxos, os amarelos dourados e os azuis ou verde-esmeralda que vira nas fotografias que “aquela menina” me tinha mandado.
Já estava a imaginar o ratinho com a sua mantinha de yoga a passear-se por Mysore, de motoreta!



Continuou:


- E contaste que havia macacos também. No meio da cidade, e a comerem tudo o que encontravam, não te lembras?


O ratinho gosta imenso destas perguntas: não sabes? não te lembras?


Olhou para mim e acrescentou:


- Tu é que gostas de macacos... Tens para ali tanta fotografia.


Será que o ratinho tem ciúmes dos chimpanzés, gorilas e dos sorrisos deles colados nos vidros da janela do meu “studio”?


- Pois gosto.


Ele ficou calado, ao meu lado. Perguntei-lhe:


- Não sabes uma coisa?


- Não..., disse ele.


- É que eu também gosto de ti...

Desta vez, respirou fundo. Vi que tinha ficado contente.


Que bom é este meu amigo silencioso e atento!






Faz-me lembrar o meu amado cão Zac, a quem eu chamava “ hamud sheli” e que morreu em Telavive...







eu e oZac, na minha varanda de Telavive...

7 comentários:

  1. Ratinho atento...
    E além de poeta é um pensador
    ...e moderno!
    Onde é que já se viu um ratinho a fazer yoga?
    Como eu gosto deste ratinho!

    Um beijinho
    Isabel

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  2. Excelente e civilizado diálogo

    Ainda há ratos inteligentes
    e donos com afectos

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  3. Este ratinho poeta está cada vez mais fixe, ehehehe

    Uma grande companhia.
    O Manuel também, o Manuel também.
    Carlota Pires Dacosta

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  4. Um ratinho inteligente.

    Vamos todos fazer yoga a ver se não caimos da corda bamba.

    Cordial abraço,
    mário

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  5. O ratinho, como diz Mar Arável, é um ratinho de afectos. Contento-me por ele ter falado, pois, tinha saudades. A Índia é um local especial com uma beleza própria. Só estive em Goa, mas adorei.
    Para o ratinho:
    - Quando fores para a janela não fiques pensativamente preocupado. Vê o mar, o azul imenso e agradece cada dia. Está tudo bem, já estás em casa. Beijinho. :)

    Beijinhos, MJ!

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  6. O ratinho desorganizado?! Hum...
    Aconselho-te a seguir o seu exemplo e fazer yoga também, é estupendo.
    Que grande livro, Os Maias! Quem tivesse sempre um Ega à mão para dizer-nos depois de todas as tormentas "Falhámos a vida, menino!", e correr juntos atrás do próximo autocarro.
    Feliz Domingo

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  7. Gosto muito destes posts com o ratinho poeta.
    beijinho
    Gábi

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