terça-feira, 5 de julho de 2011

Voltámos a casa, eu e o ratinho!

Voltámos, eu e o ratinho. Viagem de pouca dura, dirão...

E ainda bem!, digo eu desta vez...

Mas toda a viagem traz os seus ensinamentos e o da nossa fragilidade é um conhecimento importante.

E que os outros te podem dar a ajuda de que te sentes necessitado, é bom sabê-lo também.


Releio um poema de Régio, das "Encruzilhadas". Com outros olhos.

E, no final, penso: "Ah! Eu cá hoje até lhe mudava estes versos, no final!"

Não sei se vão estar de acordo comigo...

"- Acabaste?

- Meu amor, acabei.


- Apagaste a candeia? Apagaste?


- Meu amor, apaguei.


- E fechaste o postigo? E fechaste?


- Meu amor... sim, fechei.


- Que rumor é aquele? Não sentes?


- Meu amor, que te importa?

É a vida a dar socos na porta.

É lá fora. São eles. É o mundo. São gentes...


- São gentes? Quem são?


- São colegas, amigos, parentes...


- Vai dizer-lhes que não ! Vai dizer-lhes que não !


José Régio, in As Encruzilhadas de Deus, "Meu menino ino-ino", nº3
Eu terminaria assim, hoje:
“- São amigos?
- Vai dizer-lhes que sim! Vai dizer-lhes que sim!”



Continuando...
Pois é, voltámos, o ratinho e eu.
Acho que ficou surpreendido com o que viu. Uma cidade tão diferente!


"Isto é um bairro moderno", diz o ratinho, a citar Cesário. - Já viste os prédios? Parece Hollywood.
E apontava com a patinha cor de rosa.
- Estou a ver...
- E aquela coisa alta que parece uma torre Eiffel com uma ponte atrás em cima da água? Aquela água é o mar?
Olhei para onde apontava a patinha dele.

Sorri.

"A Torre Eiffell, ai este ratinho!"

- É o rio, ratinho! E a ponte sobre o rio. A ponte nova...
- Mas não é o mar? É água...
- Não, ratinho, não é o mar. É o rio Tejo.
- Lá ao fundo tão liso e cinzento? Mas o que é um rio?

Olhava-me, espantado:

- Eu só conheço o mar lá em São João!
- Ah! Sim, claro, o mar de São João... Mas há mais coisas, mares, rios, lagos...
Ele calou-se um bocado.

- Não tens saudades?, perguntou-me de chofre.
Fixei-o. Parecia estar triste.

- O mar de São João é azul, tem ondinhas brancas... Até disseste que lhe chamavas “carneirinhos”.
E ficava a olhar, pensativo, pela grande janela envidraçada, encostado ao vidro altíssimo, a ver o horizonte entre céu e água.
Virava-se para mim:
- Mete medo. É tão escuro aqui o céu! E aquilo que dizes que é o rio parece uma faca. Uma faca de prata...
- É porque está a chover, ratinho, por isso é que o céu está cinzento. Mas ás vezes também é azul.
Virou a cabeça para a janela, desconfiado. Não acreditava que o céu que via ali pudesse ser tão azul como o nosso céu.
- E o que é aquilo ali, com uns pontinhos em cima daquela risca grande de um lado ao outro?
E lá vinha a patinha a apontar. Era a ponte que se divisava entre céu e rio, branca, detrás dos prédios azul-metálico, sempre entre céu e rio.

Cinzentos.
- É uma ponte, já te disse, ratinho.
- E tem nome?
- Sim, é a ponte Vasco da Gama!
- Ah!, disse o ratinho.

“Será que o ratinho já ouviu falar do Vasco da Gama?” Ele sabe tantas coisas...
- Quando é que voltamos para casa?
Pareceu-me impaciente.
- Por quê? Não gostas de estar aqui?

Pensou, olhou pela janela.
- É bonito.
Mas havia certa concessão naquela pequena frase, como se fose quase por favor que o afirmava.

Abanava de um lado para o outro a cabeça e os compridos bigodes brancos, com um ar sério.
Não estava assim tão convencido, pensei. Tinha razão. Aquela zona da cidade é bonita mas fria, desbitada, desumana. Apenas aqui e ali um café, uma loja, mas tudo sem gente, quase deserto. Faltava-lhe a vida que o ratinho sabia amar.

Um deserto dos tártaros na cidade moderna...

- São João tem pássaros! Tem pombas! Tem gaivotas e passarinhos atrevidos. Até bastante! Eu vejo lá da janela do teu quarto.

Estava convencido de que tinha marcado a “diferença”.

Continuou, animado:
- Tem vida! Tem gente! E o liceu?
- Aqui também aparecem gaivotas. Já as vi...
- Eu ainda não vi nada disso...

E virou-se para dentro do quarto.
- Ofereceram-te umas lindas flores! Gostam de ti.

Sorriu e os bigodes pareciam voar.

- E tu gostas?
- Sim, destas flores amarelas gosto...
- Chamam-se margaridas...
- Ai, sim? Como as meninas?

"Que meninas “margaridas” conheceria o ratinho"?
- Sim. Como as meninas.
- Gosto delas...
- Que bom. Eu também...
- São amarelas, justificou-se, envergonhado. E eu gosto do amarelo.

Tive vontade de rir daquele desabafo: “eu gosto do amarelo...”

Não era só ele. Conheço uma menina que sempre gostou do amarelo.

- Tira-me uma fotografia!, pediu.

Tirei-lha, ao pé da jarra, dentro do saco de viagem...

- Quando é que nos vamos embora?, voltou a perguntar no dia seguinte.

Agora estava deitado na caminha dele amarela. Só se lhe via a cabeça e as patinhas a sair.

Os olhos expressivos e um pouco ansiosos pareciam empurrar-me para fora dali.
De facto, tinha trazido de casa o inseparável Dashiell Hammett, mais dois livrinhos policiais da Vampiro do Hartley Howard...

Ah! e ainda tinha comprado um livro da Agatha Christie, sob o nome de Mary Westmacott, na tabacaria ali ao lado! Mas não lia nenhum.

Ele estava preocupado comigo.

Percebi e disse:
- Vamos voltar depressa, ratinho. Depressa.
- É que já tenho saudades do mar...
- Só do mar?
Virou-se para o outro lado.
- E da casa...
- E mais nada?
- Ah, também da raposinha e da gatinha japonesa...

E tinha um ar malandro.
- Só isso, ratinho?
- Já percebi o que queres que eu diga... Também tenho saudades do Manuel.
"Vamos voltar depressa, ratinho", pensei para mim.
- Olha, ratinho, se calhar amanhã vamos para casa!



8 comentários:

  1. Este ratinho é mesmo uma ternura.
    É um amigão!

    Isabel

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  2. Um belíssimo post! Ternurento como só tu sabes ser.
    Eu também gosto do ratinho, de ti e do Manuel!!
    Foi uma óptima companhia este teu ratinho!!

    Um abraço!

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  3. O ratinho tem toda a razão e fez-me recordar o "Feiticeiro de Oz":
    - "there's no place like home"!

    Um grande beijinho de contentamento!:)

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  4. A poesia ganhou muito assim; quando Régio afirma que "não sabe onde vai, só sabe que não vai por aí", penso que está a escolher a solidão.
    Eu não gosto da solidão!
    Gosto de comunicar-me com pessoas como tu, por exemplo.
    O ratinho é um companheiro ou un "alter ego"?
    Tem das duas coisas...
    Às vezes rio-me sózinha imaginando-te nessas sessões de fotos.És um caso!!
    Benvinda a casa, feliz regresso, muitos beijinhos

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  5. sem duvida nenhuma que o ratinho poeta e um companheirão das situações mais diversas...um amiguinho de sonho...uma companhia...uma delicia...ainda bem...que já estão no sossego da casinha de s joao...muitos beijinhos mane

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  6. Não sabemos o que fazer com esse ratinho, estamos pensando em levar-lhe uma namorada...o que acha? Tens ciúme?

    Não é por nada não, bom gosto essas margaridas.
    Mereces um jardim inteiro.

    5 bjs grandes, do tamanho do Tejo ou do mar de são joão.

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  7. Este ratinho já tem sucesso di-mais! Parece que está em Hollywood...
    Mas é um grande amigo, seja lá alter-ego ou não...
    Beijinhos

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  8. Saudações mister Falcão. a candura de mr. Rato me cativa nessa aventura maravilhosa e gratificante. Seu eterno amigo além das fronteiras marítimas lhe deseja sucesso no seu regresso e vida nova nas paginas do continuar da vida. Fique na paz, seja feliz e cuide bem de voce - namaste. Mr. Butterfly

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