quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ainda "Dersu Uzala", o filme luminoso de Akira Kurosawa.

Akira Kurosawa



Por quê voltar a falar de Dersu Uzala?... Talvez porque vivemos um momento difícil, opaco, nada é simples e a insatisfação é enorme. Porque há angústia neste mundo que se diz "novo" e que deveria ter sido admirável...
Em que uns têm muito e outros padecem e podem morrer de fome. Mundo cheio de contrastes. De coisas que não nos bastam, nem nos satisfazem.



As cidades deixaram de ser humanas, os homens não se procuram, vivem fechados sobre si, egoístas e insatisfeitos, numa sociedade em que o "ter" abafou o "ser" e onde o "ter" é um poço sem fundo...
florinhas da "taiga" siberiana


Por isso me impressionou o filme e me faz bem pensar nele. No valor dado às pequenas coisas da vida, aos gestos, à ética das atitudes.


À beleza natural da floresta ou do campo?

Quem olha hoje para uma borboleta?



Uma borboleta "roubada" no blog "Trepadeira", onde há lindas!


Onde andam as borboletas que encheram a nossa infância?

Pelo menos os que de nós ainda conheceram as borboletas, as joaninhas, as abelhas e os besouros, nos campos, em dias de calor, e o encanto com que os seguíamos com os olhos e o receio com que ouváimos zumbir abelhas e besouros...


Onde está isso tudo, nas cidades onde vivemos hoje?A simplicidade de Dersu, o respeito (quase temor sagrado) pela natureza, o altruísmo, a confiança.



(Vassily Polenov 1844 - 1927) pintor da Escola de São Petersburgo, ligado aos realistas, sobretudo das paisagens russas)



As maravilhosas árvores, as florestas de coníferas (pinheiros, acácias, cedros...) e de folíferas - que abundam no Oriente da Santa Rússia, na região extrema da Sibéria.

A floresta que fui encontrar nos maravilhosos quadros do russo Ivan Shishkin, os ursos, os tigres siberianos, os ratinhos, os pequenos animais e os perigosos, as corças e os gamos elegantes.

Ivan Shiskhin, pintor realista russo (1832-1898, Saint- Petersburg) e as suas florestas




Difícil distinguir as árvores dos quadros de Shishkin das árvores nas paisagens da taiga...
As flores da taiga ...

Agora tenho essas flores - sementes vindas da Sibéria- no meu jardim da varanda...

Penso no que disse uma amiga minha (blog “aún es de dia”), mulher sensível, ela que ama as árvores e não pode viver sem a companhia delas do outro lado da janela, "com sol ou com lua, bailando ao vento”, como ela diz: ”a humanidade criou-se nas florestas e longe do verde transformamo-nos noutra coisa...” árvores de Shishkin


E é verdade: transformamo-nos noutra coisa...



Dersu é caçador de zibelinas, mas respeita a taiga, o ambiente em que vive, e sente instintivamente que há ali um equilíbrio que não se pode quebrar.


Ele caça porque a venda das peles de zibelina são a sua sobrevivência. Caça para viver, para comer. Mas vai soltar as jovens corças, presas das armadilhas dos caçadores que as matam às dezenas.
Floresta siberiana no Outono


- Para quê matar outra "gente", se não for para comer?

- Para quê odiar outro homem?
- Por quê não ajudar quem chega?



Espanta-se Dersu Uzala...




A solidariedade da floresta faz com que ele possa dormir numa cabana de madeira que alguém deixou e cujo tecto de casca de bétula, destruído pelas chuvadas, ele repara cuidadosamente, perante o olhar espantado dos cossacos de Arseniev.


E, ao partir, deixa lá dentro sal e arroz.
- Para quê?, pergunta Arseniev.
- Porque se vier outra gente: sem sal e arroz, morreriam...


Será que alguma vez nós respeitámos – ou respeitaremos - essa tal “gente” que virá depois de nós?


Tenho nos olhos os areais cobertos de neve, junto ao rio, o céu, as chuvadas repentinas e curtas, as imagens de Kurosawa!



E a expressão de Dersu, que ele tão bem filma!


A beleza das florestas a perder de vista, das árvores centenárias, das folhas brilhantes de chuva, ou secas e douradas do Outono.

A beleza das dunas, das extensões de neve e céu, dos pequenos cursos de água, do rio sem fim, nas suas convulsões perto das quedas de água.

Algumas cenas do filme ficam gravadas para sempre.

É maravilhoso o momento em que Arseniev e Dersu se perdem na tempestade de neve e de vento. Sibéria. As noites geladas que chegam facilmente aos 30º ou 50 º negativos.
Perdidos na imensidão branca, sem terem qualquer sinal do acampamento, Dersu entra em pânico. Porque ele sabe que nesses momentos a morte ronda.


Vamos morrer, se não encontramos um sítio protegido, antes do sol se esconder...”
Na neve da taiga, as rajadas de vento aumentam. Nada no horizonte, nem uma árvore, nenhuma forma de protecção.


Naquela desolação, só se agitam ao vento as espigas das plantas das dunas, a vegetação seca da taiga nevada. É o que os vai salvar.

São cenas belíssimas, enquanto os dois ceifam as palhas, fazem pequenos molhos, as deitam no chão, atam com cordas.


Depressa, Capitán, mais depressa, a noite cai”.


As horas passam, os movimentos vão ficando mais lentos, o sol vai pouco a pouco caindo no horizonte.


Agitam-se os dois durante aquelas horas, mas de repente Arseniev perde as forças, cai, levanta-se, cai outra vez.


A neve, o gelo...
A morte branca. Sentimos a angústia deles. Dersu sacode-o, obriga-o a levantar-se.



“Capitán, acorda! Capitán, corta as palhas, corta, corta! Trabalha!”


A noite desce. Arseniev está caído.


Quando a manhã surge, luminosa e clara, descobrimos que estão cobertos pelas espigas que Dersu arranjou numa espécie de palhota...


Luminosa a manhã, sim.



Luminoso acho que seria o adjectivo para caracterizar este filme!



"Taiga, do (russo тайга́), também conhecida por floresta de coníferas, ou ainda floresta boreal, é encontra-se comumente no norte do Alaska, Canadá, sul da Groenlândia, parte da Noruega, Suécia, Finlândia, Sibéria e Japão.
O termo taiga é usado para designar as áreas menos arborizadas a sul do Ártico.
Em Portugal e no Brasil, o termo taiga é geralmente usado para designar as florestas russas.
Nela, os abetos e os pinheiros formam uma densa cobertura, impedindo o solo de receber luz intensa. A vegetação rasteira é pouco representada. E as chuvas são pouco frequentes.
Trata-se da zona mais setentrional em que as árvores e as espécies que delas necessitam podem sobreviver.
É uma região biogeográfica subártica setentrional e seca, na qual as formas de vida vegetal principais são larícios, abetos, pinheiros e espruces, que estão adaptadas ao clima frio.
Também apa
rcem algumas árvores de folha larga, nomeadamente vidoeiros, faias, salgueiros e sorveiras. Os pauis e as plantas a eles associadas também são comuns nesta zona, que ocupa a maior parte do interior do Canadá e do norte da Rússia.
A taiga assemelha-se à
tundra, porém tem um tipo de vegetação um pouco mais rico."




7 comentários:

  1. Escreves com o coração, que é quando o que escrevemos nos aproveita.
    Inspira mais paz e sossego o contacto com a natureza que todo o ouro do mundo.
    Bom fim de semana, e dosifica as tuas forças, a capacidade de resistência a certas coisas...
    Felizes visitas! Un beso

    ResponderEliminar
  2. Olá MJ Falcão,

    Excelente!
    Adorei ler este post.

    Um grande beijinho

    Blue

    ResponderEliminar
  3. MJ,
    A beleza foi o que aqui encontrei. A floresta é o sonho, o oxigénio, a escultura da natureza.
    Gostei muito deste post, tem o equilíbrio das palavras e das imagens que são belas. Não vi este filme do Kurusawa mas gosto muito de outros filmes que vi.
    A neve, branca e fria, apesar de gélida consegue deleitar os nossos olhos.

    As árvores centenárias são as mais belas!
    Obrigada pela sensibilidade do texto.
    Bjs. :))

    ResponderEliminar
  4. E os pirilampos?...

    Fiquei com imensa vontade de ver o filme.
    Um beijinho

    ResponderEliminar
  5. Vi este filme há uns anos e também me ficou na memória. Creio que em português foi intitulado "A águia das estepes", não é?
    Kurosawa é um dos melhores testemunhos da mentalidade japonesa em toda a sua delicadeza e misticismo. Um filme para rever.

    ResponderEliminar
  6. Que coisa bela Falcão, o filme realmente inspira cuidados e carinhos a masi quando se assiste. O ter e o ser é palco de suas preocupações e isso vem de dentro, isso te faz ser um falcão a procura do ser.

    É sempre muito bom vir aqui.

    bjs das amigas

    ResponderEliminar
  7. A terra! O espaço! A liberdade! Ramón José Sender, o grande romancista espanhol, detestava Nova-Iorque. Compreendo-o. Nova-Ioruqe será amável, mas deverá faltar a águia real. Ah! serras! ah! montanha da minha infância! Como vamos dando cabo do mundo! Esplêndido texto.

    ResponderEliminar