quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O grande poeta Mário de Sá Carneiro



Crise lamentável

Gostava tanto de mexer na vida,

De ser quem sou – mas de poder tocar-lhe...

E não há forma: cada vez perdida

Mais a destreza de saber pegar-lhe.

Viver em casa como toda a gente

Não ter juízo nos meus livros – mas

Chegar ao fim do mês sempre com as

Despesas pagas religiosamente.

Não ter receio de seguir pequenas

E convidá-las para me pôr nelas –

À minha Torre ebúrnea abrir janelas,

Numa palavra, e não fazer mais cenas.

Ter força um dia pra quebrar as roscas

Desta engrenagem que empenando vai.

– Não mandar telegramas ao meu Pai,

– Não andar por Paris, como ando, às moscas.

Levantar-me e sair – não precisar

De hora e meia antes de vir prà rua.

– Pôr termo a isto de viver na lua,

– Perder a frousse das correntes de ar.

Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas

Por casa dos amigos que frequento –

Não me embrenhar por histórias melindrosas

Que em fantasia apenas argumento

Que tudo em é fantasia alada,

Um crime ou bem que nunca se comete

E sempre o Oiro em chumbo se derrete

Por meu Azar ou minha Zoina suada...

Paris - Janeiro 1916.

Mário de Sá-Carneiro, Poemas Completos

Edição Fernando Cabral Martins

Assírio & Alvim, 2001


5 comentários:

  1. Sá Carneiro era um grandíssimo poeta, e um homem muito torturado.
    Isto continua esquisito. Recebeste o meu sermão?

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  2. Mário de Sá-Carneiro foi o primeiro autor de quem li toda a obra. Depois de ter lido "A Confissão de Lúcio" andei às voltas por todas as livrarias, até conseguir ter tudo. A peça «Amizade» foi a última que consegui. Para a ter comprei um exemplar de uma tese de doutoramento sobre a mesma, onde vinha publicada em anexo.

    O Manuscrito da imagem lá acima não existe numa imagem maior?!

    André.

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  3. MJ,
    É lindo este poema!
    Como sinto profundamente o poema de Mário de Sá-Carneiro e como gostav de o ter conhecido.
    Beijinho!

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  4. Não conhecia, achei belíssimo.

    5 bjs mais o meu.

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  5. Um poeta que partiu muito antes de tempo. Talvez superior ao próprio Pessoa. Já ouviu Adriana Calcanhoto cantá-lo?
    Beijinhos

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