sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O ratinho está desiludido com o aluno...

Vi o ratinho pensativo à janela. Habituada a vê-los agora sempre juntos, ele e o aluno, fiquei surpreendida.
- Então, ratinho hoje estás sozinho?
- Estou.
Pareceu-me que não queria falar mais do assunto. O ratinho é muito reservado. Deixei-o e continuei a dar um jeito no quarto. Foi ele que se virou para mim e disse:
- Estou farto de dar aulas!

- Ai, sim? E o teu aluno ?
- É um preguiçoso, não quer aprender. Anda a brincar com a gatinha japonesa, ou com o limpa-chaminés...
Falava com ar de enfado. Pensei que estava ferido no seu amor-próprio.
- Não ligues, ele ainda é muito miúdo.
- Uma criança parva é o que ele é. Sempre deitado pelos cantos, não ouve o que lhe digo, a cantar enquanto lhe explico... - É um pouco anarquista...
Já tinha reparado naquela atitude de independência.

- É um rebelde! E malcriado! Vira-me as costas, nas aulas. Eu a explicar e está sempre distraído!...




















- Deixa passar o tempo, ratinho. Ele vai voltar às aulas. Vai precisar das tuas lições.

- Diz que não, que já aprendeu muito na vida, e que eu lhe quero meter as minhas ideias e os meus gostos na cabeça. Até o yoga... Vê tu! Agora faço yoga sozinho e ele fica a olhar para o ar!- Pode ter alguma razão..., amenizei eu.

- Aprender é sempre bom! Dizem que se deve aprender até ao fim da vida! Ensinaste-mo tu...
- É verdade. Mas há tempo para tudo. Talvez seja cedo para o que lhe queres ensinar...
- Cedo? Para ler livros? Conhecer países? Ver pintura? Não me parece... Mostro-lhe as cidades: Moscovo, Londres, e ele fica é a olhar para os bonecos!
Olhou para mim, indignado.

- Anda para ali com uns brinquedos, põe-se de barriga para o ar quando eu falo dos livros.
- Ainda é muito novo...
- Novo? Tem quase a minha idade!
Não sei qual é a idade do ratinho, por isso calei-me.
- Não dizes nada?
- Espera, ratinho, deixa o tempo passar um pouco...


De repente, ouvi um barulho aos meus pés. Era o ouricinho a falar. Tem uma voz fininha mas muito musical. Ajudei-o a subir para a mesa.
- Ó professora! Estava ali a ouvir o que ele dizia. E...
“Ó, Professora?” Esta era boa...
- Não se deve escutar às portas!, disse logo o ratinho.
- Não estava a escutar. Ouvi, porque vinha a entrar... Ó professora, repetiu, ele é injusto!
- Por quê?, perguntei.
Tinha que arbitrar aquele conflito nascente...
- Porque não me deixa ter as minhas opiniões, por isso...
- Não deixo? Mas tu não sabes nada...
Ria-me por detrás da máquina fotográfica.
- Sei sim. Observo. Na minha vida vi muitas coisas! Tenho a minha experiência e tu só falas da tua.
- Eu? Mas eu queria ensinar-te o que sei...

- Não me deixas ver com calma as coisas de que eu gosto! Não me ouves.

- Não ouço? De que é que tu gostas?
- Gosto do quadro da Vue de Delft, por exemplo, de quadros coloridos de olhar, de ler devagar...Um professor tem que ouvir também, não é professora? - Sim, tem que ouvir. Mas eu não sou a tua professora, o ratinho é que é teu professor...
- Uma professora é sempre professora, disse com um grande sorriso.
O ratinho olhou-o, irónico.
- Isso fui eu que te ensinei...
- Pois foste... Tu já me ensinaste umas coisas. Mas não te armes em bom a julgar que eu sou ignorante!
- Só queres brincar com a gatinha japonesa... - Vês, estás a ser injusto com ela. Brincamos mas conversamos também. Estivemos a ver como funciona a clepsidra! Eu gosto de ver para aprender.
Olhou para nós, a rir-se:
- Até fiz yoga em cima da clepsidra! E de pés para o ar!
- A sério?, perguntei eu, desconfiada.

Ele acrescentou, com ar malandro:


- E ela ensina-me japonês...
- A sério?, entusiasmou-se agora o ratinho. Oh! eu adorava saber falar japonês!
- Pois é. Eu pedi-lhe... Tu és muito orgulhoso, não pedes nada.

Afinal o ouricinho era menos infantil do que julgávamos eu e o ratinho. Pensei na gatinha japonesa a quem não dávamos tangta importância. Ele tinha razão. O que iria protestar o ratinho? Fiquei à espera.


O ratinho esteve calado muito tempo. Depois, disse, numa voz séria:
- Tens razão. Acho que me deste uma lição... Tenho que ouvir o que tu dizes! Podes perguntar sempre...


Pronto, tinham feito as pazes! Que alívio!
O ratinho já estava ao pé do ouriço branco. O temporal tinha passado.

- Sabes uma coisa?, vou pedir à gatinha japonesa que me ensine japonês!

Saltaram os dois para o chão e desapareceram pela porta. Ouvi-os rir no corredor.


Estes bichinhos são espantosos! Quem me dera ter a idade deles...

Já os estou a imaginar amanhã a fazer yoga juntos outra vez...

9 comentários:

  1. Engraçado, ainda hoje pensei no ratinho e no ouricinho e no que eles andariam a fazer :)
    Gostei muito de ler :)
    um beijinho

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  2. Que coisa mais linda.
    Adorei!

    Um beijinho

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  3. Aprender, aprender, aprender até ao fim da vida. Procurar, procurar, procurar, esbarrar, esbarrar, esbarrar, cair e levantar, um ritmo cadenciado pelo passar dos dias, agora vestido de Outono!
    Beijinho!

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  4. Os heróis ficaram orgulhosos por serem tão "ouvidos"!
    A Ana tem razão, porque sem esse tal ritmo cadenciado não se avança... Procurar, aprender, errar, cair, levantar, aprender...
    Há sempre universos além do espelho...
    Bom fim de semana!

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  5. Tantos livros, fotografias, lembranças, tantas culturas e saberes em harmonia... estas imagens fazem-me sonhar e viajar.

    O Falcão vive numa gruta de Ali Babá!!

    Quanto ao ratinho e ao ouriço, têm muito que aprender um com o outro. Feitios e maneiras de estar na vida diferentes, mas ambos ávidos de conhecimento. Foram ter à casa certa...

    Um beijinho para eles e um muito especial para o Falcão.

    Até breve,
    Cláudia

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  6. Eu já me perdi. Já não sei se tu és o ratinho ou o ouricinho, e parece-me que a gatinha japonesa vai trazer complicações...
    Tem cuidado com os espelhos...
    Tenho uma Históris de Portugal igual à tua, comprei-a de solteira, (anteontem mais ou menos...).

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  7. Uma história cada vez mais surpreendente.
    Todos nós,temos muito a aprender uns com os outros, sejam mais novos, com mais idade.
    Estou a gostar muito.
    Beijo

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  8. O ouricinho é sincero... e nunca me enganou!

    Beijo

    Blue

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