sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Descendo as escadas de São Cristóvão, com o meu avô


Já falei aqui do meu avô, mais do que uma vez.

Do meu avô materno porque o avô paterno não o conheci, morreu muito novo.

Pensei sempre que os dois tinham uns olhos puros e bons.

Mas lembro-me muito do avô João Diogo que conheci bem. Admirava a sua serenidade, a bonomia e o olhar atento e suave.

Não me lembro de o ouvir alguma vez levantar a voz ou zangar-se.

Era incapaz de fazer mal fosse a quem fosse, ou apenas magoar com uma palavra, ou um gesto. Muitas vezes era ele quem acalmava a minha avô, explosiva e emocional, e “punha água na fervura”, bem necessária, quando ela se enervava...

Vejo sempre é o seu sorriso. Um sorriso de atenção par

a todos.

Na nossa cidade, quando, mais velho, sentia as pernas mais trôpegas e caminhava muito devagarinho, os condutores dos autocarros paravam no meio da rua, à espera, para ele subir sem ter de estar na paragem.

"Suba, Sr. Casaca", diziam.

O meu avô tinha uma palavra gentil para lhes agradecer e sentava-se, segurando a pasta nos joelhos. Era a pasta onde levava para casa as provas dos artigos para corrigir.

Porque o meu avô era director de um jornal. O velho jornal republicano, A Rabeca.

E escrevia sempre a sua editorial e corrigia os artigos todos ele próprio.

Recordo que essa pasta levava sempre alguma surpresa para a minha avó: um melão bem maduro, uma fruta da estação, ou uns bifes fantásticos que ele sabia escolher como ninguém.

Há dias vi uma fotografia minha com o avô e veio-me uma grande nostalgia. Dele, desses tempos.

Estamos os dois a descer as escadas da Igreja de São Cristóvão!

Há tantos anos que não vou ver São Cristóvão. Acho que já nem sei bem onde fica exactamente ou, sequer, se saberei ir lá ter.

Perto do Atalaião na estrada que sobe para a Serra? Com as casinhas brancas a descer pela paisagem, serra abaixo?

É possível, não recordo. A memória dos sítios da minha terra por vezes já não corresponde à realidade.

Recordo a escadaria alta, as paredes brancas da Igreja. Na fotografia estamos de mão dada.

O meu avô, com o bigode bem aparado, traz um cigarro na mão e eu tenho um chapéu de feltro redondo, os chapéus que eu detestava e que a minha mãe nos punha sempre na cabeça, umas meias de renda e as minhas botas de carneira...

Ele olha para mim.

Eu, concentrada na descida, tenho a pontinha da língua de fora, e olho para os degraus um pouco altos, enquanto seguro a saia. Sorrio, contente.

Um amigo mandou-me hoje umas fotografias de São Cristóvão, hoje.

Bela igrejinha, branca com a sua tira amarela. E lá está a mesma escada onde eu e o meu avô estivemos há tantos, tantos anos!


As fotografias de Portalegre e da Igreja são da autoria de José Fernando, ilustre portalegrense que sempre me ajuda a "ilustrar" as minhas recordações, o que muito lhe agradeço...

7 comentários:

  1. Belos retalhos de uma vida que nunca mais há-de voltar. De certeza que adoravas o teu avô, oxalá os meus netos, a que tenho e o que vem a caminho, falassem de mim com essa ternura passado muito tempo.
    A minha mãe obrigava-me a ir à missa com un horrível chapéu de feltro quando eu já tinha dez anos, imagina tu! Claro que eu o tirava da cabeça em casa duma amiga, e só voltava a pô-lo para entrar em casa outra vez...
    Amanhã vou ver a Carolina, não a vejo há dois meses, uma eternidade.
    Feliz fim de semana, beijinhos

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  2. MJ,
    Uma memória deliciosa!, Os dois estão muito bonitos na fotogarfia. Quanto aos chapéus, eles eram para proteger e as meninas ficam tão lindas de chapéu, não acha?
    Gostei de rever Portalegre. A igreja que fala não conheço, com pena minha.
    O avô estava vaidoso por trazer uma menina tão bonita!
    Beijinhos. :)

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  3. Lindo e terno como sempre são os seus textos de memórias.
    Amorosa aquela menina, que continua uma pessoa doce e meiga.
    Um beijinho

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  4. Meu belo Falcão Lunar
    Fotos Belíssimas que tiveste a oportunidade de me mostrar, no facebook.
    A foto com o teu avô está lindíssima.
    E as tuas recordações fazem-nos sempre sorrir.

    Beijo

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  5. Querida Maria João,
    A nossa cidade fica linda filtrada pela ternura das suas memórias de afectos! São Cristovão continua linda, branca, altaneira.
    Beijinhos e venha até cá!
    Luísa

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  6. ola miha quida pima jana....ao contrario da carlota, todos os teus escritos me fazem rolar lagrimas e nao sao poucas....parece que eu nao tenho na memoris tantas lembran;as ...e como tu as descreves tao bem.
    Beijos, muitos Mane

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  7. Sim, Maria, adorava esse meu avô, porque o conheci bem.Sei que vais ser uma avô inesquecível!
    Lindas palavras, Ana e Isabel amigas minhas.
    Pois é, Luísa, recordar tem destas coisas... Tudo fica mais bonito. E a ternura parece envolver tudo.
    Ora choras, ora sorris...
    Compreendo o sorriso da Carlota e as lágrimas da Mané... A Mané também se lembra do mesmo avô...

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