"A secretária do
Conde Orsini estava agora na frente de Michael Brenner. Chamava-se Paola Neri e era uma jovem mulher interessante.
Não a imaginara assim. Observava-a com
atenção. Figura discreta, bem arranjada, bom corte de cabelo muito curto, vestida com um tailleur
simples mas de qualidade, com classe.
Pernas compridas, traçadas com elegância, meias finas claras,
ligeiramente brilhantes. Lembrou-lhe uma actriz conhecida...
- Era un homme à
femmes, foi o que quis dizer?
Tinha-se apresentado, falado e distraíra-se a
olhar para ela. Agora tentava resumir a conversa e retomar o fio.
Ela olhou-o com um
sorriso trocista, e riu-se.
-Un donnaiolo,
dizemos nós em Itália. É a mesma coisa, claro.
Compôs os óculos de aros de tartaruga que lhe davam um ar de
professora. Tinha uns olhos azuis cor de água do mar. Não eram os olhos da actriz em quem pensara.
“Inquérito sob o signo dos olhos azuis”, pensou Michael e
sorriu. De facto, todas "elas" tinham os olhos azuis...
Ela continuou, irónica:
-Era uma questão
de estética, dizia o Conde, apenas uma questão estética! Gostava das raparigas
novas, vistosas, não lhe importava muito se eram bonitas ou mesmo inteligentes.
Queria-as decorativas...
Uma ironia que era desprezo. Via-se que se considerava
muito superior a tal categoria e que talvez se tivesse sentido preterida por
essas insignificantes peças decorativas.
“Ela é inteligente, ou considera-se tal”, pensou Michael.
Reparou que havia um certo ressentimento na atitude dela.
-Talvez as
preferisse estúpidas, simples. Ou, mesmo, ingénuas..., concluiu.
-O que acha a Paola?
Ela respondeu, sem hesitar:
-Sabe, neste
trabalho de public relations, chamemos-lhe assim, podem bem nem ser
inteligentes. O que se lhes pede é tão pouco. E não é decerto a inteligência,
ou, sequer, a sensibilidade. Boa apresentação, quer dizer bom físico, certo
à vontade, isso sim. E desplante, diria eu...
Levantou-se da
cadeira, esticou bem a saia e continuou, sarcasticamente:
-E isso
elas tinham que chegasse e sobrasse...
-Elas, quem? A
quem se está a referir precisamente?
-Às que o Conde escolhia
pelos anúncios dos jornais. Eram muitas, estava sempre a trocá-las. Ajudantes,
empregaditas, que levam e trazem papéis enquanto se abanam. Sabe como é, não
sabe?
-Não, não
sei. Não tenho empregaditas dessas a trabalhar para mim. Trabalho sozinho.
Imaginou-se um Sam Spade, ou Humphrey Bogart, tirou um cigarro e pôs o seu ar mais sério.
- Posso?...
- Posso?...
Ela voltou ao sorriso trocista:
-Claro que pode... Sabe, elas tinham várias funções...
-Funções?!...
-Não estou a
insinuar nada do que pensa.
-Quem lhe disse que penso?
-Acompanhá-lo
aqui e ali, ajudar, distrair. Talvez só isso. Ou talvez não...
Audrey Hepburn, em "Sabrina"
-Foi a Paola que
encontrou o cadáver...
-Eu não! Foi a
mulher dele. Eu cheguei depois.
“Por que se
abespinhava?”
-A
senhora Orsini estava de joelhos, inclinada sobre o corpo do marido, com uma
pistola na mão. Como num filme policial...
Sacudiu a cabeça, como quisesse apagar a imagem.
Lauren Bacall
-O que pensou?
Que ela tinha disparado sobre ele?
Reagira rapidamente, controlando a emoção, e afirmou, fria:
Reagira rapidamente, controlando a emoção, e afirmou, fria:
-Sou como você:
não penso...
Com um ar
decidido, levantou-se e foi buscar à malinha de mão uma chave e abriu uma gaveta da secretária.
"Muito elegante e fina", pensou Michael. "Porque terá aceitado trabalhar com o Conde?"
"Muito elegante e fina", pensou Michael. "Porque terá aceitado trabalhar com o Conde?"
-Leia. Eu já li.
É interessante, como vai ver. Recebia muitas dessas.
-Sempre da mesma
pessoa?
-Não, de várias!
Com estilos diferentes, mas batendo na mesma tecla da exploração sentimental,
do abandono...económico, se calhar. Ele desaparecia de repente...
-Ele leu-a?
-Não, esta nem
sequer lha dei, não valia a pena maçá-lo, era igual às outras. O meu trabalho
também é, quero dizer era, “poupá-lo”, tirar-lhe as maçadas inúteis.
Como ele a
olhava sem pegar na carta, insistiu, seca:
-Depois. Agora prefiro falar consigo.
-Já falámos
tudo, não lhe parece?
O sorriso dela
significava que sabia muito mais, mas que não estava disposta a contar-lho.
-Pelo menos por
agora..., acrescentou, com o mesmo sorriso.
-E a primeira
mulher, Erica? O que sabe dela?
Pareceu-lhe que
reflectia. Cruzou e descruzou as pernas com cuidado, alisando as meias, e
disse-lhe por debaixo das longas pestanas:
-Muitas coisas,
claro, mas ficam para outra vez...
-Porquê?
-Porque sim...
E acrescentou,
olhando-o com um brilho nos olhos bonitos:
-Quando nos
voltamos a ver? Estou sempre livre às sextas-feiras à noite. E nos sábados, é
evidente...Conhece alguma discoteca em Roma? Já foi a Le Stelle?
-Não costumo
frequentar discotecas...
Ela espantou-se:
Ela espantou-se:
-Mas de onde
vem?! De Marte?...
-E lá não há
disso?... Ou ainda vão nos discos de vinil? Ainda não deve conhecer bem os romanos...
-Os romanos de hoje?
-De hoje e de
ontem. Viver o dia a dia intensamente! Divertir-se! Pelo menos aos fins de semana. O
dia de hoje é o que conta...
Hesitou e foi
como se lhe passasse uma sombra pelo olhar:
-Quem nos diz
que estamos cá amanhã?! E o dia de ontem já passou. E morre-se tão depressa.
A tristeza passara e continuou, a sorrir, outra vez, mas sentiu -lhe lágrimas na voz.
"Ou estou a imaginar?"
"Ou estou a imaginar?"
-Não conhece a
anedota do romano que ganhou a lotaria?, perguntou Paola.
-Não...
-Então, ouça que vale a pena. Um
homem ganhou a lotaria, nem muito nem pouco, é a lotaria...
Ele sorria. Era simpática a secretária do Conde Orsini.
-No dia seguinte gastou quase tudo. Os amigos criticaram-no: "Gastaste tudo num dia! E o futuro?” Sabe qual foi a resposta dele?
Ele sorria. Era simpática a secretária do Conde Orsini.
-No dia seguinte gastou quase tudo. Os amigos criticaram-no: "Gastaste tudo num dia! E o futuro?” Sabe qual foi a resposta dele?
-Não...
Agora era ele
que sorria, à espera de uma história.
- Disse: “Hoje estou
vivo e posso gastar tudo! Amanhã sei lá se posso dizer o mesmo...ou se tenho futuro! E fica cá o dinheiro
para os outros? Nem pensar!” Que tal esta filosofia?
-Boa. Pura filosofia romana?
Interessante.
-O “carpe
diem”, não conhece? Não pratica?
Divertia-se com
ele?
-Oh! Sim, pratico, mas sem exageros! Não sou como o “seu” Conde!...
-Pura filosofia
britânica?
Riram os dois.
-Tem uma
namorada?
-Interessa-lhe
saber?
-Sim.
-Tenho.
-Ah!
-Desiludida?...
-Um pouco. Fico
a saber que não podemos sair na sexta-feira, nem no sábado...
-Claro que
podemos, ela não é ciumenta...
Pensava que
poderia saber mais da próxima vez. Aliás toda a conversa de Paola lho sugerira.
Sentiu remorsos. Servia-se dela para ir
sabendo coisas. A resposta dela sossegou-o.
-Não se
preocupe! Sei o que está a pensar. É normal que haja um pouco de “interesse” da
sua parte, neste encontro. Sabe que sei coisas que não lhe contei...
Hesitou:
-Talvez porque
queria voltar a encontrá-lo...
Encolheu os ombros, suavemente, enquanto acrescentava:
-Assim, o interesse é dos dois. Uma saída a uma discoteca, dançar, beber uns copos... Uma conversa
informal, fora deste “inquérito” policial, entre amigos, não acha melhor?
-Ok! Estou de
acordo consigo. Onde quer que a passe a buscar, no sábado?
-Depois falamos.
Tem aí o número do meu telefonino.
-Telemóvel, não é? Eu telefono-lhe no
sábado, dá-me mais jeito, combinado?
-Combinado.
Ciao...
E estendeu-lhe a
mão, sem o acompanhar à porta.
Muito interessante, e a seguir?!...
ResponderEliminarAcho a pintura da Mulher com olhos azuis muito linda!
Um beijinho
Havia muito que comentar aqui, tanto, que suponho que já o fiz, e não quero repetir-me.
ResponderEliminarLauren Bacall e Audrey Hepburn, duas mulheres inteligentes, pouco parecidas fisicamente.
Logo vou sair com uma amiga, sei que à conversa num lugar quentinho, e com a ajuda de um par de bolos, esta tarde será muito menos cinzenta. Pensava ir ver Lincoln, iremos amanhã.
Beijinhos