A história passa-se numa pequena cidade do Sul, na América dos anos 40. Diz-nos Carson Mc Cullers, falando desse lugar:
“Era uma pequena cidade do Sul com longos verões e raros meses de frio. No céu, de um azul brilhante e transparente, o sol espalhava com profusão os raios ardentes. As chuvas finas e frias começavam em Novembro e, mais tarde, podia aparecer a geada. Um curto período de frio. A temperatura dos invernos variava mas os verões eram sempre tórridos.
A cidade tinha uma certa importância. A sua rua principal mostrava numerosos armazéns de dois ou três andares e escritórios. Mas as construções mais imponentes eram as fábricas que empregavam a maior parte da sua população. A fiação de algodão florescia e a maioria dos trabalhadores era muito pobre. Muitas vezes as figuras que se viam na rua tinham a expressão desesperada da fome e da solidão.”
É neste ambiente, descrito assim sucintamente, que tudo se passa.
E as personagens? e a história?
Começo por Mick Kelly, a inesquecível adolescente, e a sua paixão pela 3ª Sinfonia de Beethoven que descobre numa noite, sozinha, em frente de uma casa.
O seu hábito, no Verão, era deambular de rua em rua a ouvir o que as pessoas ouviam na rádio, até que uma noite, nessa casa, descobre a sinfonia que vai amar para sempre. E fica a ouvi-la toda a noite. E percebe que nunca mais vai ser a mesma: tem de escrever a sua música!
“A música começou. Micky ergue a cabeça e leva a mão à garganta. (...) Sente-se gelada exteriormente, só dentro aquela música a aquece. (...) Era ela, Mick Kelly marchando pelas ruas à luz do dia ou sozinha na noite. Debaixo do calor a na noite com todos os seus planos e sentimentos. Esta música era ela...o seu eu real.”
Começo por Mick Kelly, a inesquecível adolescente, e a sua paixão pela 3ª Sinfonia de Beethoven que descobre numa noite, sozinha, em frente de uma casa.
O seu hábito, no Verão, era deambular de rua em rua a ouvir o que as pessoas ouviam na rádio, até que uma noite, nessa casa, descobre a sinfonia que vai amar para sempre. E fica a ouvi-la toda a noite. E percebe que nunca mais vai ser a mesma: tem de escrever a sua música!
“A música começou. Micky ergue a cabeça e leva a mão à garganta. (...) Sente-se gelada exteriormente, só dentro aquela música a aquece. (...) Era ela, Mick Kelly marchando pelas ruas à luz do dia ou sozinha na noite. Debaixo do calor a na noite com todos os seus planos e sentimentos. Esta música era ela...o seu eu real.”
Há Mick, que nos aparece pela primeira vez no Bar de Biff, a comprar cigarros, e nos deixa presos à sua figurinha esguia e à personalidade directa e corajosa;
E há Biff Brannon, o dono do restaurante “Café de New York”, que, com paixão, se interessa por todas as coisas da vida e essa é a sua diferença. Detrás do balcão, dia e noite, observa os clientes, com um olhar atento e compreensivo;
Há Jack Blount, o socialista, o revolucionário que chega uma noite à cidade e, não conseguindo trabalho, vai ficando por ali. Fala de liberdade, de acção, fala da verdade e da justiça e passa os dias e as noites no café do Biff, a beber (e a comer, pois Biff não lhe pede dinheiro e deixa-o estar a comer e a beber);
Depois, há o Dr. Copeland, o médico negro, que vive desiludido porque os filhos (Hamilton, Karl Marx, William e Portia) se resignam e se inserem como negros, deixando-se humilhar, aceitando essa sua condição, que ele rejeitara e rejeita. O Dr. Copeland tem um ideal! Vive a esperança de arrancar os homens da sua raça à ignorância e à condição de humilhados.
“Sem parar, ia de casa em casa para realizar a sua missão e ensinar a verdade. O sofrimento sem esperança da sua raça punham-no louco, e excitava no seu peito um selvagem sentimento de destruição!”
E, mais adiante, a autora acrescenta:
“Sozinho,e só o seu ideal que o sustenta e lhe permite continuar. Por que é que continuava sempre em frente? Por que é que não podia repousar enfim neste fundo de completa humilhação, e, uma vez por todas, aceitar? Mas, continuava em frente.”
(Sem querer, penso no que sentiria hoje o Dr. Copeland ao ver Obama ser o presidente negro dos Estados Unidos, de todos os Estados, mesmo dos estados racistas, os do Sul...? Veria uma parte do seu 'ideal' realizado.)
E, finalmente, há Singer, John Singer, o judeu surdo-mudo, personagem de grande doçura que todos procuram para desabafar os desgostos, a miséria, e que tudo e todos observa - e sorri, com ternura.
Há Jack Blount, o socialista, o revolucionário que chega uma noite à cidade e, não conseguindo trabalho, vai ficando por ali. Fala de liberdade, de acção, fala da verdade e da justiça e passa os dias e as noites no café do Biff, a beber (e a comer, pois Biff não lhe pede dinheiro e deixa-o estar a comer e a beber);
Depois, há o Dr. Copeland, o médico negro, que vive desiludido porque os filhos (Hamilton, Karl Marx, William e Portia) se resignam e se inserem como negros, deixando-se humilhar, aceitando essa sua condição, que ele rejeitara e rejeita. O Dr. Copeland tem um ideal! Vive a esperança de arrancar os homens da sua raça à ignorância e à condição de humilhados.
“Sem parar, ia de casa em casa para realizar a sua missão e ensinar a verdade. O sofrimento sem esperança da sua raça punham-no louco, e excitava no seu peito um selvagem sentimento de destruição!”
E, mais adiante, a autora acrescenta:
“Sozinho,e só o seu ideal que o sustenta e lhe permite continuar. Por que é que continuava sempre em frente? Por que é que não podia repousar enfim neste fundo de completa humilhação, e, uma vez por todas, aceitar? Mas, continuava em frente.”
(Sem querer, penso no que sentiria hoje o Dr. Copeland ao ver Obama ser o presidente negro dos Estados Unidos, de todos os Estados, mesmo dos estados racistas, os do Sul...? Veria uma parte do seu 'ideal' realizado.)
E, finalmente, há Singer, John Singer, o judeu surdo-mudo, personagem de grande doçura que todos procuram para desabafar os desgostos, a miséria, e que tudo e todos observa - e sorri, com ternura.
Lê nos lábios o que os outros querem dizer e “ouve-os”, compreende-os, fazendo às vezes com as mãos uns gestos vagos, na sua linguagem de mudo, que ninguém entende. E ele? A ele ninguém o escuta.
Todos os que sofrem e precisam de comunicar o procuram: Blount, Biff, Mick Kelly, o Dr Copeland.
“No quarto dele, o Dr. Copeland esquecia a sua solidão e quando saía sentia-se em paz uma vez mais.”
Na “Introdução” da edição francesa de “Le coeur est un chasseur solitaire”, (Le Livre de Poche, 1947) o escritor Denis de Rougemont conta-nos o seu encontro com a escritora, poucos anos depois de ela ter publicado este livro, que sai em 1940:
Todos os que sofrem e precisam de comunicar o procuram: Blount, Biff, Mick Kelly, o Dr Copeland.
“No quarto dele, o Dr. Copeland esquecia a sua solidão e quando saía sentia-se em paz uma vez mais.”
Na “Introdução” da edição francesa de “Le coeur est un chasseur solitaire”, (Le Livre de Poche, 1947) o escritor Denis de Rougemont conta-nos o seu encontro com a escritora, poucos anos depois de ela ter publicado este livro, que sai em 1940:
“Eu disse-lhe :
-Não há histórias de amor neste romance...
Ela olhou para mim espantada, quase indignada:
- Não há senão isso!...
Queria referir-se ao amor dos outros, ao amor real e não ao dos romances.”
-Não há histórias de amor neste romance...
Ela olhou para mim espantada, quase indignada:
- Não há senão isso!...
Queria referir-se ao amor dos outros, ao amor real e não ao dos romances.”
E, mais adiante, ele pergunta-lhe:
“Qual o assunto deste romance? Não tem intriga e no entanto tem uma construção perfeita como a de um canto a cinco vozes que se sobrepõem, se fazem sinal, vêm, uma a uma, procuram-se, encontram-se uma vez só, ou perdem-se, inexoravelmente, no ruído informe da vida quotidiana. Uma série de incidentes surdamente emocionantes, com rasgos de beleza insólita que acabam todos num gesto mortal, cortante, atroz? O assunto será a solidão, a frustração? Ou, antes, a infância mais séria e metafísica do que a idade adulta? Ou o problema negro? Ou apenas a descrição de uma cidade pobre do Sul? Ou tudo ao mesmo tempo?”
Um livro bom e terno. Procurem lê-lo. Cada um terá as suas respostas a cada uma destas perguntas.
Pequena Biografia da escritora: Carson McCullers nasce em 1917, em Columbus (Georgia). Em 1940 publica "The heart is a lonely hunter", que fará data na história da literatura Americana. Com 17 anos, deixa a casa dos pais, e vai para Nova Iorque, num barco de transporte, onde pensa estudar música na Julliard School of Music. O que nunca consegue pois perde o dinheiro que pusera de parte para pagar as propinas. Trabalha em pequenos 'jobs', tem uma vida difícil, estuda "escrita criativa" na escola nocturna da Universidade de Columbia. Decide que vai ser escritor. Publica em 1936 Wunderkind na Story Magazine onde fala do falhanço de um jovem prodígio musical e da insegurança da adolecência. Escreve outros livros que têm algum sucesso, Reflexos nuns Olhos de Ouro (1941), The member of the Wedding (1946) que descreve os sentimentos de uma adolescente no dia do casamento do irmão mais velho. Em 1946, sai, com outros contos, o inesquecível e duro, impiedoso conto “Balada do café triste”.
“Qual o assunto deste romance? Não tem intriga e no entanto tem uma construção perfeita como a de um canto a cinco vozes que se sobrepõem, se fazem sinal, vêm, uma a uma, procuram-se, encontram-se uma vez só, ou perdem-se, inexoravelmente, no ruído informe da vida quotidiana. Uma série de incidentes surdamente emocionantes, com rasgos de beleza insólita que acabam todos num gesto mortal, cortante, atroz? O assunto será a solidão, a frustração? Ou, antes, a infância mais séria e metafísica do que a idade adulta? Ou o problema negro? Ou apenas a descrição de uma cidade pobre do Sul? Ou tudo ao mesmo tempo?”
Um livro bom e terno. Procurem lê-lo. Cada um terá as suas respostas a cada uma destas perguntas.
Pequena Biografia da escritora: Carson McCullers nasce em 1917, em Columbus (Georgia). Em 1940 publica "The heart is a lonely hunter", que fará data na história da literatura Americana. Com 17 anos, deixa a casa dos pais, e vai para Nova Iorque, num barco de transporte, onde pensa estudar música na Julliard School of Music. O que nunca consegue pois perde o dinheiro que pusera de parte para pagar as propinas. Trabalha em pequenos 'jobs', tem uma vida difícil, estuda "escrita criativa" na escola nocturna da Universidade de Columbia. Decide que vai ser escritor. Publica em 1936 Wunderkind na Story Magazine onde fala do falhanço de um jovem prodígio musical e da insegurança da adolecência. Escreve outros livros que têm algum sucesso, Reflexos nuns Olhos de Ouro (1941), The member of the Wedding (1946) que descreve os sentimentos de uma adolescente no dia do casamento do irmão mais velho. Em 1946, sai, com outros contos, o inesquecível e duro, impiedoso conto “Balada do café triste”.
Carson McCullers sofre de várias doenças, tem febre reumática e desde os 31 anos que um dos lados do corpo está paralisado.
Casa em 1937 com Reeves McCullers, separam-se em 1940 e divorciam-se em 1941. Vida irregular, acidentada, confusão sentimental, Carson alccoliza-se.
Casa em 1937 com Reeves McCullers, separam-se em 1940 e divorciam-se em 1941. Vida irregular, acidentada, confusão sentimental, Carson alccoliza-se.
Em 1945, ela e Reeves voltam a casar. Três anos mais tarde, Carson entra em depressão, e tenta o suicídio.
Em 1953 o marido quer suicidar-se com ela, mas Carson foge. Depois de ela sair, Reeves suicida-se, com comprimidos, no hotel onde estavam em Paris.
Morre em 1967, hemiplégica, depois de uma vida acidentada e infeliz.
Ilustrações:
1. "Le coeur est un chasseur solitaire", Le Livre de Poche2. "Coração, solitário caçador", capa da ed. Europa-América (reed. 1987, trad. J. Rodrigues Miguéis)
3/4. fotografias de Carson McCullers
5. "Coração Solitário caçador", ed. Estúdios Cor
6. "O Coração é um caçador solitário", Companhia das Letras, Brasil
7."The heart is a lonely hunter", edição americana
8." A Balada do Café triste", ed. Planeta d'Agostino. Há também a edição da Relógio de Água.
Uma grande escritora que nos deixou obra inesquecível.
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