"The Lady of Shalott" é um ser mágico que vive só numa ilha perto e Camelot, o reino do lendário Rei Artur.
(O Rei Artur é uma figura lendária britânica que, de acordo com histórias medievais e romances, teria comandado a defesa contra os invasores saxões chegados à Grã-Bretanha no início do século VI. Os detalhes da história de Artur são compostos principalmente pelo folclore e pela literatura, e a sua existência histórica é debatida e contestada por historiadores modernos.
O lendário Artur cresce como uma figura de interesse internacional em grande parte pela popularidade do livro de Geoffrey de Monmouth, Historia Regum Britanniae (História dos Reis Britânicos).
Mais tarde, foi Chrétien de Troyes, escritor francês do século XII, que adicionou a figura de Sir Lancelote do Lago (Lancelote e o Santo Graal) à história, e iniciou o género de romance arturiano que se tornou uma importante vertente da literatura medieval.
Nestas histórias francesas, a narrativa foca frequentemente, em vez do Rei Artur, outros personagens, como os Cavaleiros da Távola Redonda. )
A "Dama de Shalott" olha para o mundo que rodeia o seu castelo através de um espelho, vendo apenas o reflexo desse mundo, e vai tecendo o que vê, numa tapeçaria. Foi proibida, pelo mágico que a criou, de olhar para o mundo fora do espelho. Sabe da maldição que cairá sobre ela se olhar directamente para Camelot. Ela obedece. Os camponeses que vivem ao pé da sua ilha, habituaram-se a ouvi-la cantar mas nunca a viram. Pelo seu espelho vê o que se passa em redor: as pessoas normais, os pares de namorados e os cavaleiros eos seus pagens. Um dia vê no espelho mágico o reflexo de Sir Lancelot, que passeia só, a cavalo.
Apesar de saber que é proibido, ela olha para ele, da janela. O espelho parte-se em mil pedaços, a tapeçaria voa no vento e ela sente o poder da maldição cair sobre ela.
Nessa violenta tempestade de Outono, em que sopra o vento leste, a tapeçaria é levada por um vento forte e todo a harmonia se quebra.
Sabe o que a espera. Tal como a mulher de Lot, que desobedeceu, ela vai sofrer um castigo. Será que ela escolhe a morte que vai ter? Por que pega no barco e vai até Camelot? Ou é a força do destino que a conduz, a morrer ao pé de Camelot?
A verdade é que a Dama de Shalott deixa o seu castelo, encontra um barco ancorado na margem da ilha, debaixo de uns salgueiros, escreve na proa o seu nome, entra ,e começa a cantar a canção de adeus e de morte, enquanto o barco singra rio abaixo em direcção a Camelot.
Os habitantes encontram, mais tarde, o barco e o corpo, adivinham quem ela é, e ficam tristes. Sir Lancelot pede a Deus que receba a sua alma.
The Lady of Shalott é um dos poemas mais famosos -e muito belo- de Tennyson, o grande poeta romântico inglês. Não posso transcrever o poema todo, mas deixo-vos algumas estrofes -tentando traduzir o seu conteúdo o melhor possível...
The Lady of Shalott
On either side the river lie
Long fields of barley and of rye,
That clothe the wold and meet the sky;
And through the field the road runs by
To many-tower'd Camelot;
And up and down the people go,
Gazing where the lilies blow
Round an island there below,
The island of Shalott.
(ao pé do rio campos de aveia e de bagas, entre céu e mar, e nos campos passa estrada que vai para Camelot a das muralhas, as pessoas vão e vêm, vendo os nenúfares à roda da ilha de Shalott)
Willows whiten, aspens quiver,
Little breezes dusk and shiver
Through the wave that runs for ever
By the island in the river
Flowing down to Camelot.
Four grey walls, and four grey towers,
Overlook a space of flowers
And the silent isle embowers
The Lady of Shalott.
( salgueiros esbranquiçados estremecem, a brisa fresca do anoitcer, a ondulação que tudo leva na corrente para Camelot, quatro muros e quatro torres sobre um espaço de flores)
Only reapers, reaping early,
Only reapers, reaping early,
In among the bearded barley
Hear a song that echoes cheerly
From the river winding clearly;
Down to tower'd Camelot;
And by the moon the reaper weary,
Piling sheaves in uplands airy,
Listening, whispers,
" 'Tis the fairy Lady of Shalott."
(só os ceifeiros que ceifam de manhãzinha a cevada, ouvem cantar e, ao luar, cansados a empilhar os molhos, ouvem suspirar e dizem: é a fada, a Dama de Shalott.)
There she weaves by night and day
There she weaves by night and day
A magic web with colours gay.
She has heard a whisper say,
A curse is on her if she stay
To look down to Camelot.
She knows not what the curse may be,
And so she weaveth steadily,
And little other care hath she,
The Lady of Shalott.
(e ela tece dia e noite uma tela mágica de alegres cores, ouvindo num suspiro alguém dizer que a maldição cairá sobre ela se olhar para Camelot. Assim, ela tece e só pensa nisso.)
(e ela tece dia e noite uma tela mágica de alegres cores, ouvindo num suspiro alguém dizer que a maldição cairá sobre ela se olhar para Camelot. Assim, ela tece e só pensa nisso.)
That hangs before her all the year,
Shadows of the world appear.
There she sees the highway near
Winding down to Camelot;
There the river eddy whirls,
And there the surly village churls,
And the red cloaks of market girls
Pass onward from Shalott.
(no espelho mágico pendurado em frente dela vê todo o ano as sombras do mundo lá fora: a estrada que desce para Camelot, o rio, a tosca aldeia e as raparigas que passam de chapéu vermelho para o mercado.)
(no espelho mágico pendurado em frente dela vê todo o ano as sombras do mundo lá fora: a estrada que desce para Camelot, o rio, a tosca aldeia e as raparigas que passam de chapéu vermelho para o mercado.)
Sometimes a troop of damsels glad,
An abbot on an ambling pad,
Sometimes a curly shepherd lad,
Or long-hair'd page in crimson clad
Goes by to tower'd Camelot;
And sometimes through the mirror blue
The knights come riding two and two.
She hath no loyal Knight and true,
The Lady of Shalott.
(Às vezes vê grupos de donzelas alegres, um pastor de cabelo encaracolado, o pajem de manto carmesim, a caminho de Camelot ou os cavaleiros dois a dois mas ela não nenhum que lhe seja fiel.)
(...)
He rode between the barley sheaves,
The sun came dazzling thro'the leaves,
And flamed upon the brazen greaves
Of bold Sir Lancelot.
A red-cross knight for ever kneel'd
To a lady in his shield,
That sparkled on the yellow field,
Beside remote Shalott.
(um dia, entre as searas, descobre, debaixo do sol ofuscante que passa pelas folhas, Sir Lancelot, cavaleiro da cruz vermelha que ajoelha perante as damas e as protege com seu escudo, que cintila nos campos dourados, ao pé da distante Shalott.)
(...)
All in the blue unclouded weather
Thick-jewell'd shone the saddle-leather,
The helmet and the helmet-feather
Burn'd like one burning flame together,
As he rode down to Camelot.
As often thro' the purple night,
Below the starry clusters bright,
Some bearded meteor, burning bright,
Moves over still Shalott.
(no ar azul sem nuvens, com seu selim ricamente enfeitado de jóias, com a pluma no elmo, parece arder numa chama, cavalga para Camelot e, na noite púrpura, surge um meteoro brilhando sobre a tranquila Shalott)
................................
................................
As he rode down to Camelot.
From the bank and from the river
He flashed into the crystal mirror,
"Tirra lirra," by the river
Sang Sir Lancelot.
(vai para Camelot, pela beira-rio, Sir Lancelot e de repente a sua imagem brilha no espelho de cristal, enquanto, pelo rio, vai cantando "tirra lirra".)
She left the web, she left the loom,
She made three paces through the room,
She saw the water-lily bloom,
She saw the helmet and the plume,
She look'd down to Camelot.
Out flew the web and floated wide;
The mirror crack'd from side to side;
"The curse is come upon me," cried
The Lady of Shalott.
(vendo-o, Dama de Shalott larga a tela, deixa o tear, passeia pelo quarto, vê os nenúfares, vê o elmo e a pluma e olha para Camelot. Logo, a tapeçaria voa, o espelho estilhaça-se ,e ela grita: "a maldição caíu sobre mim!")
(vendo-o, Dama de Shalott larga a tela, deixa o tear, passeia pelo quarto, vê os nenúfares, vê o elmo e a pluma e olha para Camelot. Logo, a tapeçaria voa, o espelho estilhaça-se ,e ela grita: "a maldição caíu sobre mim!")
In the stormy east-wind straining,
The pale yellow woods were waning,
The broad stream in his banks complaining.
Heavily the low sky raining
Over tower'd Camelot;
Beneath a willow left afloat,
And around about the prow she wrote
The Lady of Shalott.
(na tempestade, os campos dourados minguam, a corrente forte leva tudo e chove sobre Camelot; ela vai junto do rio e, debaixo de um salgueiro, encontra um barco, na proa do qual escreve Dama de Shalott, e entra nele.)
(na tempestade, os campos dourados minguam, a corrente forte leva tudo e chove sobre Camelot; ela vai junto do rio e, debaixo de um salgueiro, encontra um barco, na proa do qual escreve Dama de Shalott, e entra nele.)
And down the river's dim expanse
Like some bold seer in a trance,
Seeing all his own mischance
- With a glassy countenance
Did she look to Camelot.
And at the closing of the day
She loosed the chain, and down she lay;
The broad stream bore her far away,
The Lady of Shalott.
(rio abaixo, como em transe, vê toda a sua desgraça e olha com um olhar vidrado para Cammelot. E ao cair do dia é arrastada pela corrente para longe e ali fica.)
(...)
Heard a carol, mournful, holy,
Heard a carol, mournful, holy,
Chanted loudly, chanted lowly,
Till her blood was frozen slowly,
And her eyes were darkened wholly,
Turn'd to tower'd Camelot.
For ere she reach'd upon the tide
The first house by the water-side,
Singing in her song she died,
The Lady of Shalott.
(canta o seu canto de adeus e de morte, cantado baixinho, devagar, até o sangue se lhe gelar nas veias e os olhos escurecerem completamente, virados para Camelot; a maré leva-a até à margem e cantando morre a Dama de Shalott.)
Mais tarde, no século XIX, os pintores Pré-Rafaelitas (*)imortalizam-na nos seus quadros. Waterhouse fez três quadros sobre o tema, e muitos outros o fizeram, como Meteyard, William Gley.
Agatha Christie, a nossa conhecida Lady do Crime, escreve uma novela com a Miss Marple intitulada "The Mirror Crack'd From Side to Side".
Recentemente, baseado neste tema, surgiu um romance, Tirra Lirra by the River, escrito pela escritora australiana Jessica Anderson, que é a história de uma mulher moderna que decide quebrar as grilhetas da sua prisão exterior (família, constrangimento social) e, logo, interior. Não li, não sei qual o seu interesse.
Mas li "O espelho quebrado", da Agatha Christie (reeditado em 2007 pela
"O Espelho Quebrado" foi originalmente publicado na Grã-Bretanha ("The Mirror cracked from side to side"), em 1962, ano em que seria igualmente publicado nos Estados Unidos sob o título "The Mirror Crack’d". Foi adaptado ao cinema em 1980, com Angela Lansbury no papel de Miss Marple, contando ainda com as interpretações de Elizabeth Taylor e Kim Novak.
Em 1992 é sua adaptado à televisão com a inesquecível Joan Hickson como Miss Marple.
Aliás, recordo um outro livro dela -mas com Poirot- em que se refere "ao olhar da Lady de Shalott": é Poirot que encontra, no olhar de uma mulher, esse desespero de alguém que sabe que uma maldição, ou algo de inelutável, caíu sobre si.
Acima falei da maldição que recai sobre a mulher de Lot, que se pode também tomar como referência ao que é "permitido" e "proibido" pelos deuses. Podemos também lembrar o mito da caverna, de Platão...-quando pensamos no castelo em que ela está fechada e no espelho, única forma de ver o que se passa no exterior (tal como na caverna, os homens vêem apenas as "projecções" das sombras na parede da "verdadeira" imagem que passa lá fora.)
Em Platão, os reflexos são o mundo do "fenómenos"; em Tennyson, o mundo fenomenal capta os reflexos.
Basta de filosofias, deixo-vos com o poema lindíssimo, puro e musical, de Tennyson e as imagens que encontrei para ilustrar a história da "Lady of Shalott", algumas das quais vi na Tate Britain em Londres.
(*) A Irmandade Pré-Rafaelita (Pre-Raphaelite Brotherhood ou PRB em inglês), também chamada Fraternidade Pré-Rafaelita ou, simplesmente, Pré-Rafaelitas, foi um grupo artístico, fundado em Inglaterra em 1848 por Dante Gabriel Rossetti, William Holman Hunt e John Everett Millais e dedicado principlamente à pintura. Este grupo, organizado ao modo de uma confraria medieval, surge como reacção à arte académica inglesa -que seguia os moldes dos artistas clássicos do Renascimento.
Inseridos no espírito revivalista romântico da época, os pré-rafaelitas desejam devolver à arte a sua pureza e honestidade anteriores, que consideram existir na arte medieval do Gótico final e Renascimento inicial (Proto-Renascimento). Por se auto nominarem "pré-rafaelitas", realçam o facto de se inspirarem na arte anterior a Rafael, artista que tanto influencia a academia inglesa e que é consequentemente criticado.
Ilustrações:
1. Sidney Meteyard, Lady of Shalott
2. Capa do livro de Tennyson, The Lady of Shalott
3. J.W. Waterhouse, The Lady of Shalott (um dos 3 quadros que lhe dedica)
4. retrato do poeta Tennyson
5. William Gley, The Lady of Shalott
6. John William Waterhouse (2º dos 3 quadros dedicados à figura)
7. Grim's Lady of Shalott
8. capa da reedição de "O Espelho quebrado" da editora ASA
Fiquei apaixonada por esta lenda, Conheci através da música "The Lady Of Shalott", o poema contado por Loreena McKennitt.
ResponderEliminarSó hoje respondo porque não foi possível antes. Também tentei encontrar a Loreena McKennitt que me apareceu num blog, mas não consegui.
ResponderEliminarAinda bem que gostou! Obrigada pelo comentário.Anima sempre ver que há quem nos leia.
Bom Ano! Acho que é sempre tempo...
MJ
ResponderEliminarExcelente post! Um dos primeiros policiais que li foi o "Espelho Quebrado" de Agatha Christie, e isso, juntamente com a música de Loreena McKennitt, levou-me a descobrir a história trágica de Lady de Shalott (quantos suspiros na adolescência :)
É um dos meus temas favoritos na pintura pré-rafaelita.
Dediquei-lhe alguns posts na Ilha Afortunada e, como já deve ter reparado, até a incluí na decoração do blog :)
beijinhos
Já tinha visto reproduções das pinturas, mas não conhecia a lenda.
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
Contei a história a uma das minhas irmãs e ela conhecia uma outra versão. O tempo tinha parado para a Lady of Shallot, fazia lindos bordados e sabia que se um dia olhasse para a vida, em vez de para o seu reflexo, isso iria fazer com que o tempo passasse a correr, envelheceria e morreria. Um dia, resolve sair do Castelo e viver.
ResponderEliminarDeixo aqui a música de Lorenna Mackennitt. Gosto muito destas lendas, estórias e também dos pintores pré-rafaelitas... muito obrigada pela partilha.
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=ttv0ljOiPSs&feature=player_embedded#!
Joana Graça
Uma historia que comove corações!!! que eleva nossas almas a um mundo de alegria, amor e tristeza.Uma linda historia de amor!!!
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