sábado, 22 de agosto de 2009

Poesia: Três sonetos da "Biografia", de José Régio


Três sonetos de Régio...







CONTO
Vai o menino só na estrada grande,
Grande e medonha entre pinhais sombrios,
Entre uivos ruivos, roucos e bravios
Arranhando o silêncio que se expande...

A mãe dissera-lhe: "O menino, ande
"Longe das selvas, dos fundões, dos rios..."
E avós, irmãos, amigos, primos, tios:
-"Menino, vá por onde a gente o mande!"

Mas o menino foi desobediente:
E andou por vias ínvias e sem gentes,
Pela mão de enigmáticos destinos.

Saltar-lhe-ão lobos vis e cães de el-rei...
-Foi pondo o ouvido em terra, que escutei
Lobos uivar e soluçar meninos.



ÍCARO
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.

Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha Dor cantava de sereia...

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:
Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima, nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.















"e, misérrima, nua, a minha dor
ajoelhara a meu lado sobre o lodo..."

CRISTO
Quando eu nasci, Senhor! já tu lá estavas,
Crucificado, lívido, esquecido.
Não respondeste, pois, ao meu gemido,
Que há muito tempo já que não falavas.

Redemoinhavam, longe, as turbas bravas,
Alevantando ao ar fumo e alarido,
E a tua benta Cruz de Deus vencido
Quis eu erguê-la em minhas mãos, escravas!

A turba veio então, seguiu-me os rastros;
E riu-se, e eu nem sequer fui açoitado,
E dos braços da Cruz fizeram mastros...

Senhor! eis-me vencido e tolerado;
Resta-me abrir os braços a teu lado,
E apodrecer contigo à luz dos astros!

Sem comentários:

Enviar um comentário