domingo, 10 de janeiro de 2010

Mais policiais "Os Olhos de Jade", Capítulo 11, de M.J. Falcão, a própria...


CAPÍTULO 11


Depois de ter deixado Zurigo, Joan caminhava, pensativa, apertando a gola do blusão de encontro ao pescoço esguio.
Demorou-se pelo jardim, olhando com amor as árvores, tocando os arbustos de bagas vermelhas, parando a ver os canteiros de flores, e o tronco retorcido e sem folhas da trepadeira de glicínias.

Estava uma manhã de sol fria e as árvores lavadas pela chuva tinham os ramos brilhantes.
Preocupava-a o barulho que ouvira há pouco na azinhaga e relacionara-o com a sombra que lhe parecera ver quando as amigas da mãe tinham estado ali, na tarde anterior, a fazer-lhe companhia.

Pensava que, se alguém tinha espreitado pela janela, deveria haver sinais de pegadas debaixo da janela.
Dirigiu-se para a fachada leste da casa, curvou-se, apoiada nos joelhos, e afastou as ervas rasteiras, procurando uma marca qualquer, mas o exame cuidadoso nada adiantou. A terra estava empapada pelas chuvas da noite passada e as ervas, sujas e salpicadas por toda essa terra molhada.
-“Será possível que a minha imaginação me engane duas vezes? Estou a ficar doida? Costumo ser tão lógica..."

Ergueu-se e sacudiu a saia. Continuava a pensar:
-"Sim, não me deixo impressionar facilmente... E, de repente, pareço sofrer de “alucinações”, tenho pressentimentos. Terei medo! Eu?!”

Dirigiu-se para casa e entrou pela porta da cozinha que deixara aberta.
Mary ainda não tinha chegado. Era sábado, costumava vir sempre mais tarde por causa das compras para o fim de semana.
Sentiu a falta dela.

-“Preciso de falar com alguém!, pensou. O Gabriel...”
Resolveu preparar o pequeno almoço para os dois, mas, quando foi espreitar ao escritório para lhe perguntar o que queria, ele já lá não estava. Tinha a luz fechada, a secretária fora limpa, só o computador continuava ligado.
Reparou num envelope comprido, ao lado do candeeiro, que tinha escrito por fora “não abrir”. Tocou-lhe, e a curiosidade fê-la girar o envelope tentando perceber o que estava dentro.

-“Podem ser os papéis da mãe...”
Pela espessura e formato viu que se tratava de uma diskete.
-“Coitado, foi-se deitar, finalmente... Fez bem. Não eve ter dormido nada estas noites...
Lembrou-se dos papéis que lhe vira nas mãos.
- "Que papéis seriam?! Terá encontrado alguma coisa? E a diskete para que será?"
Não havia ninguém para lhe dar as respostas e foi para a cozinha. Pegou no tabuleiro e começou a preparar o pequeno almoço.
A manhã passara e ainda não tinha comido. Tinha fome, pensou.
Encheu uma grande taça com leite e corn flakes, fez um café bem forte e foi sentar-se no sofá da sala com o tabuleiro ao colo.
Recostou-se, pôs-se confortável com os pés em cima do banquinho de couro, e suspirou.
Sentia-se deprimida e ficou encostada no sofá a imaginar coisas.
De repente, perdera o apetite. Limitou-se a tomar o café que, entretanto, arrefecera e fumou o primeiro cigarro do dia.

Suspirou e disse em voz alta:
- Se ao menos o Michael chegasse depressa! Não consigo fazer nada...

Ouviu o ruído de um motor, pousou o cigarro e foi a correr.
Era Helen.

-Helen! Meu Deus, que bom! Parece que adivinhaste como precisava de ti! Estava para aqui sozinha como um cão, a pensar na vida e a sentir-me a última desgraçada do mundo! O Gabriel está a dormir...
-Eu adivinho sempre tudo, querida, já sabes, a tal telepatia... Ao pequeno almoço estava a falar com a Emily sobre a nossa conversa de ontem e apeteceu-me vir dar uma olhadela, ver-te, falar com a Mary, com o vosso jardineiro. Enfim, começar uma investigação!
-Sim! Preciso de raciocinar em voz alta com alguém que me perceba, que me ajude. Estava a pensar no Michael e apareceste-me tu!
Olhou para os sacos que Helen trazia na mão e sorriu.
- Oh! Helen! Não era preciso trazeres comida, a Mary foi às compras, deve vir carregada também...
-Nunca é demais e não te esqueças que vem aí o teu irmão. Vem neste fim de semana, não foi o que disseste? Ajuda-me a pôr os sacos na cozinha...
-Está bem, mas antes de começarmos a investigar, como tu dizes, vamos primeiro tomar um café a sério! Já tomei um, mas não me soube bem, deixei-o arrefecer.
Abraçou-se a ela, como uma criança.
- Podemos tomá-lo na cozinha? Não te importas? Contigo não faço cerimónia e sinto-me bem aqui, mais quentinha. Quando era pequena adorava estar na cozinha...
Quando Mary chegou, já tinham tomado o café e Helen ajudou-a a arrumar as verduras no frigorífico enquanto lhe ia fazendo perguntas.

-Mary, ouça lá, lembra-se se houve qualquer coisa fora do comum, naqueles dias?

Mary olhava-as com um ar surpreendido.
- Bem, antes da morte da senhora, percebe? Por exemplo, um telefonema? Ou uma carta?
-Não, que me lembre assim, não. Cartas não chegaram.
Fungou e limpou o nariz discretamente com um lencinho de papel.
- Só houve os chocolates e as flores...
Joan olhou para ela, com tristeza. Mary continuou:
- A senhora, coitadinha, adorava chocolates...
Ergueu os ombros, com um ar sério.
- Bem. A senhora pergunta se houve elefonemas? Claro que houve, mas...
Helen que estivera a pensar, interrompeu-a:
-Disse chocolates? Mas quem é que lhe mandou os chocolates?
-Julguei que tinha sido a senhora, Mrs. Croft. Ou então a Miss Emily...
-Por amor de Deus, Mary, não me chame Mrs. Croft! Sou Collins, só Collins, Mary! Helen Collins…
-É verdade, esqueço-me sempre que o Mr. Croft...
-Passou à história, é isso! E em que dia é que foi?
-Sei muito bem, pois foi no dia a seguir ao jantar cá em casa. Quase toda a gente telefonou a agradecer, mandaram flores à senhora e essa caixinha de chocolates, pequenina.
Helen sentou-se ao pé da mesa, tirou a boquilha da mala preta e acendeu um cigarro. Aspirou com força o fumo.
- Mas quem é que os trouxe? Viste isto, Joan? Chocolates!

Joan virou-se para a empregada e perguntou:
- Como é que vieram, Mary? Pelo correio?
-Ninguém, quer dizer, vieram normalmente. Foi o carteiro que os trouxe! Era um embrulho pequeno, normal...
E Mary mostrava com as mãos o tamanho do embrulho.
-Normal?...
Helen insistiu:
- De onde é que vinha? Reparou na direcção?
-Vi só o carimbo, era de Brighton. Por isso é que julguei que era das senhoras... Acho que foi o que Mrs. Green também pensou o mesmo porque me disse:
“Sabe sempre do que eu gosto...” Ou coisa parecida. E lembro-me que se riu enquanto abria a encomenda. Vi que era uma caixa pequenina. Daquelas com cinco chocolates...
-Que disparate! Eu não mandei nenhuns chocolates, nem eu nem a Emily! Telefonámos-lhe, claro, e mandei-lhe sete rosas vermelhas...Era um hábito nosso...
Virou-se para Joan:
-Quase um código: “Red roses for a blue lady...” A velha canção dos nossos tempos...
-Mas porquê só cinco chocolates? Ninguém oferece uma caixa tão insignificante...
Joan ficara a pensar naquilo. Helen interrompeu-lhe o pensamento:
-Sabes por quê? Porque cinco chocolates comem-se num instante e o efeito do veneno é concentrado nesse curto espaço de tempo!

- Então achas que tenho razão...?

- Talvez, minha querida. Toda a gente sabia que a Abigail não resistia aos chocolates!
-Sim, e o Gabriel era alérgico, ainda ontem falámos nisso. E todos sabiam disso também... Oh! Helen, que horror!

- Pensando bem, tem algum sentido, disse Helen. E é horrível!

2 comentários: