segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Poesia na "presença": Edmundo de Bettencourt e Carlos Queiroz


quadro do pintor Souza-Cardoso, que colaborou na "presença"

Marc Chagall, o poeta

o poeta Edmundo de Bettencourt

capa de "presença", desenhada por José Régio (intitula-se "a que ficou sem par")

Edmundo de Bettencourt


Chagall, o poeta e a sua musa...

1.


Sou rouxinol que se arrasta,
Ferido, junto das casas...
Passo as noites a cantar
A morte das minhas azas!

Quanto o meu canto mais sobe,
As almas cantam comigo;
Quem não canta o que lhe morre!?
- cantar é um alto castigo!

(Ó vozes lindas –desenhos
do que, sem arte, os atributos
sulcaram, fundo, nas coisas
que são: Divinos e Brutos!)

Em troca de luz, o Sol
Bebe-nos gotas de chôro...


2.

Quem não quer morrer não sabe
Que a Morte é mais preferida:
- vive-se à custa da Morte...
- morre-se à custa da Vida...


outra pintura de Júlio, o poeta Saúl Dias

o poeta Carlos Queiroz

Carlos Queiroz

O cego deu à manivela
Da velha e triste pianola
Que era a alegria da vila:
Mas já ninguém vem à janela...
- Pois vindo davam-lhe esmola
E ocultos podem ouvi-la.

in "presença" nº 10, de 15 de Março de 1928

(uma pianola, ou "orgue de barbarie", ou "limonaire" era um pouco assim: em Paris ouviam-se, os poetas falam deles, os cantores também...)

e isto seria um rolo da pianola...


Outro poema de Carlos Queiroz, "Desaparecido"


Desaparecido

Sempre que leio nos jornais:
«De casa de seus pais desapar’ceu...»
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.
Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.
Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto do arrependimento.
Eu, que pudesse, enfim, ser eu!
- Livre o instinto, em vez de coagido.
«De casa de seus pais desapar’ceu...»
Eu, o feliz desaparecido!

Carlos Queirós "Desaparecido e Outros Poemas", Lisboa, Livraria Bertrand, 1950

NOTAS BIOGRÁFICAS :


1. Edmundo de Bettencourt
Nascido há mais de cem anos na cidade do Funchal (1899-1973), Edmundo de Bettencourt é um dos intelectuais ligados ao movimento da Presença que de todo não mereceu a glória a que tinha direito, talvez por um excesso de discrição e modéstia ou ainda porque os tempos de Coimbra desses anos 20 o motivaram para ser, a par de outros cantores como Menano, Paradela ou Góis, um dos aedos dessa Coimbra inspirada nos acordes melodiosos da guitarra de Artur Paredes, em canções que ainda hoje de escutam com toda a comoção e emotividade, como "Samaritana", ou "Coimbra Menina e Moça".
E assim Coimbra e os seus mistérios, sem boémias excessivas, fizeram que Bettencourt se tornasse no poeta que em 1930, em edição da Presença, publicaria o seu primeiro livro O Momento e a Legenda.”

(In “Página da Educação)

ver:

sobre "presença" e presencismo ver:

obras de Edmundo de Bettencourt:

POEMAS DE EDMUNDO DE BETTENCOURT
Introdução de Herberto Helder
Assírio & Alvim
Lisboa, 1999.

Edmundo de Bettencourt e o Fado de Coimbra:

ouvir um fado com letra do poeta:
http://www.youtube.com/watch?v=b6jC_seTaeA

Edmundo de Bettencourt foi também uma figura famosa do fado/canção de Coimbra: dizem que tinha uma muito especial e que va interpretar novos temas neste fado.

Não encontrei nenhum "video" com a voz dele mas deixo-vos a letra de um dos poemas: "Coimbra menina e moça":

"Coimbra menina e moça/ Rouxinol de Bernardim/ Não há terra como a nossa/ Não há no mundo outra assim/Coimbra é de Portugal/ Como a flor é do jardim/ Como a estrela é do céu/ Como a saudade é de mim. "

ou temas de outras zonas do país, por exemplo do Alentejo:

"Lá vai Serpa, lá vai Moura/ Ai, as Pias, ficam no meio/ Quem vier à minha terra/ Ai, não tem que ter receio/ Teus olhos linda morena/ Ai, deixam-me a alma sombria/ Quero-te mais ó morena/ Ai, do que a luz de cada dia".

2.

Carlos Queiroz (ou Queirós)

Nasceu a 5 de Abril de 1907, em Lisboa, e morreu a 27 de Outubro de 1949, em Paris.
Frequentou o curso de Direito da Universidade de Coimbra, onde conviveu com um grupo de escritores presencistas.
Ensaísta, crítico literário e de arte, estudou Direito na Universidade de Coimbra. Assíduo colaborador da "presnça" e de outras publicações literárias, foi considerado um elo de ligação entre a geração presencista e a do Orpheu.

Organizou, em 1942, com António Pedro e Jorge de Sena, uma "Homenagem a Arthur Rimbaud". Para além de amigo e o responsável pelo conhecimento travado entre Fernando Pessoa e Ofélia Queirós, sua tia, que resultou numa relação amorosa, foi também um acérrimo exaltador da memória daquele poeta (cf. "Carta à memória de Fernando Pessoa" e "Homenagem a Fernando Pessoa", ambas publicadas na Presença, em 1936).

Considerado um discípulo directo de Fernando Pessoa, a sua poesia caracteriza-se pela perfeição formal, pelo equilíbrio e sobriedade e pela sugestão musical. Denuncia alguma herança romântica e certa aproximação ao simbolismo.
Os seus temas principais são os da nostalgia da infância, do amor e do ofício de poeta, temas tradicionais envoltos num certo humor irónico, num estilo depurado que conjuga classicismo, romantismo e modernidade.

Escreveu Desaparecido (1935, Prémio Antero de Quental) e Breve Tratado de Não-Versificação (1948). Deixou, também, inéditos, incluídos no volume póstumo Poesia de Carlos Queirós (1966). É, ainda, autor dos ensaios "Homenagem a Fernando Pessoa" (1936) e de uma "Carta à Memória de Fernando Pessoa", publicada na Presença, nº 40, Julho de 1936.

(informações "colhidas" in infopédia)

Bibliografia:

Desaparecido, (Poemas) 1935;
Breve Tratado de Não-Versificação,
Lisboa, 1948;
Desaparecido: Breve Tratado de Não-Versificação, in "Obra Poética I", Lisboa, 1984;
Epístola aos Vindouros e Outros Poemas. in "Obra Poética II", Lisboa, 1989

6 comentários:

  1. Estás imparável,todo um manancial de entusiasmo.Consegui ouvir algo de Bettencourt, com péssima qualidade, mas suficiente para recordar os meus tempos de Coimbra,"e dos amores que lá tive":http://www.youtube.com/watch?v=B89PNOPc-78
    Na sexta feira lá vou,Beijinhos

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  2. Eu parto tb para a Guarda, na 6ª feira, por alguns dias.
    Pus atrás outra "tentativa" para Edmundo de Bettencourt, mas ele não se encontra mesmo em lado nenhum. Beijinhos e boa viagem!

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  3. Minha cara amiga,um manancial de recordações.
    Sempre um encanto.
    Desejo uma óptima estadia pela Guarda e,concerteza,um excelente espectáculo no TMG.

    Cordial abraço,
    mário

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  4. Não conhecia nenhum dos dois e gostei do que li aqui.
    Boa Viagem para a Guarda.
    um beijinho

    Gábi

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  5. MJ Falcão,
    Trouxe aqui muita beleza não só vindas da poesia mas também da arte.
    Chagall é um dos pintores que aprecio pelo simbolismo.
    Coimbra recordada também me tocou.

    Julgo que lhe devo um agradecimento especial por me ter visitado e por me fazer conhecer espaços interessantes como este seu e mais outro.
    É uma mais-valia esta troca de ideias.
    Deixo-lhe um beijo de reconhecimento.

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