Um carreiro levava até ao fundo da muralha. Passara pela vila iluminada por um sol forte de mais para o tempo. Na véspera chovera o dia todo e, para subir até Marvão, tinha sido um pesadelo no meio de um nevoeiro tão denso que a estrada se adivinhava mais do que se via, na luz amarela dos faróis.Subi os degraus cheios de musgo fresco. As pedras brilhavam da geada da manhã.
Depois, o céu infinito, onde flutuavam nuvens pesadas a tocarem os montes. Suaves, pareciam flocos azulados e moviam-se ao sabor da brisa.
O sol aquecia nessa manhã. Quando cheguei ao fim da muralha, encostei-me às pedras, xistos de várias cores que iam do amarelo ao vermelho.
Imaginei uma pedra que rebolasse até chegar muito longe, ao fundo, onde se desenhava o contorno da ribeira de Marvão. A ribeirinha vai dar ao rio Sever que serpenteia entre salgueiros altíssimos, olmos de tronco claro, e eucaliptos esguios, mais escuros.
É a zona da Portagem, encruzilhada de todos os caminhos, de onde se adivinha a ponte romana.
Para a direita, a estrada de Castelo de Vide, ladeada de árvores com a sua cinta branca pintada no tronco que hoje já não basta para evitar os acidentes na magnífica recta onde se largam os inconscientes.
O castelo de linhas severas, espera-me, impávido, mais acima, no silêncio da manhã.
Fora da Torre de Menagem, o jardim, amorosamente tratado por um jardineiro de bom gosto, que se aproveita de tudo o que ali há.
Sento-me num banco um a olhar.
Depois desço outra vez para a vila. O nevoeiro espalha-se, cobre os tectos, entranha a humidade pelos muros, a vila parece encolher-se no frio.
- Ai não vens? Pois hoje já não vais dar a voltinha. Voltas para trás que é um consolo! De castigo...
Imagino o Castelo lá no alto, já completamente envolto no nevoeiro...
Para lá do muro, era o nunca acabar das serras, colinas, sobrepondo-se em recortes, esfumadas, em vários tons de verde, cinzento, azul, até ao recorte negro da serra mais longínqua, bem lá no alto, junto ao azul puro.
Depois, o céu infinito, onde flutuavam nuvens pesadas a tocarem os montes. Suaves, pareciam flocos azulados e moviam-se ao sabor da brisa.
O sol aquecia nessa manhã. Quando cheguei ao fim da muralha, encostei-me às pedras, xistos de várias cores que iam do amarelo ao vermelho.
Deitei a cabeça nos braços, fechei os olhos. Sabia-me bem aquele sol quente e o fresco do vento.
Olhei o precipício, numa vertigem incontrolável. Lindo o abismo verde lá em baixo, com todos os seus tons.
Olhei o precipício, numa vertigem incontrolável. Lindo o abismo verde lá em baixo, com todos os seus tons.
Imaginei uma pedra que rebolasse até chegar muito longe, ao fundo, onde se desenhava o contorno da ribeira de Marvão. A ribeirinha vai dar ao rio Sever que serpenteia entre salgueiros altíssimos, olmos de tronco claro, e eucaliptos esguios, mais escuros.
Uma espécie de lago natural, ou charca, brilhava de um azul puro, e casinhas brancas assinalavam a sua presença, a meio das azinheiras, oliveiras, sobreiros e sabugueiros.
É a zona da Portagem, encruzilhada de todos os caminhos, de onde se adivinha a ponte romana.
Para a esquerda, a estrada que leva a Espanha, começando por Galegos, depois Valência de Alcântara, com a algaraviada aldeã, as “copas” e os petiscos irresistíveis.
Para a direita, a estrada de Castelo de Vide, ladeada de árvores com a sua cinta branca pintada no tronco que hoje já não basta para evitar os acidentes na magnífica recta onde se largam os inconscientes.
De noite, das alturas da serra de Marvão, do alto dos seus 800 metros, viam-se bem as luzes do quadrado iluminado da vila lá em baixo, com o castelinho empoleirado.
Em frente, segue a estrada de Portalegre, que conheço bem. Vou imaginando as terrinhas por onde passaria. Primeiro, ainda na descida do lato da Serra, cheia de castanheiros centenários, vê-se Santo António das Areias, ou a Beirã, ou ainda Porto da Espada.
Depois, em baixo, na rotunda da Portagem, seguiria para São Salvador da Aramenha (a antiga Medróbriga, diz o velho "Guia de Portugal"), e pelo Monte Carvalho.
Mais castanheiros, pinheiros, carvalhos rodeiam-nos. A estrada que pode levar-nos, por um desvio, directos à serra de São Mamede, passando pela Amaia romana, e pelas Reveladas cujo nome me faz sempre pensar.
Ou podia seguir por Monte Paleiros, as Carreiras, a Vargem, pela chamada estrada do Bonfim, antigo percurso das diligências.
Sentia-me tonta. Talvez a luz do sol violenta, talvez a vertiginosa descida que me puxava para o vale, em baixo.
Pensei nos milhafres que se vêem em voos picados em certas alturas e a cabeça girou.
Afastei-me. Continuei o passeio. Junto à Igreja antiga, caiada mas com a pedra antiga a ressaltar por debaixo da cor.
Afastei-me. Continuei o passeio. Junto à Igreja antiga, caiada mas com a pedra antiga a ressaltar por debaixo da cor.
Contornei a velha casa senhorial abandonada, de vidros partidos, a pedra comida pelas trepadeiras e os líquenes que a devoram.
Vazia há muitos anos, disse-me uma senhora vestida de preto, de lenço na cabeça.
- Já aí não vêm há anos. A dona é uma viúva que está lá para Castelo de Vide e nunca aparece.
Continuei a subir, agora para o lado oposto do castelo, em direcção à Torre de Menagem, que se divisa no azul do céu.
O nevoeiro parece começar a trepar pela vila.
Pela rua Dr. Matos Magalhães, cheguei ao Largo Camões aberto, de um dos lados, sobre as serranias.
Adiante, deparo com a casa onde viveu pouco menos de um ano Branquinho da Fonseca.
Adiante, deparo com a casa onde viveu pouco menos de um ano Branquinho da Fonseca.
Uma lápide de 1977, posta durante as comemorações dos 50 anos da Presença, assinala o local.
Continuo o meu passeio, sem pressas.
Continuo o meu passeio, sem pressas.
O castelo de linhas severas, espera-me, impávido, mais acima, no silêncio da manhã.
Fora da Torre de Menagem, o jardim, amorosamente tratado por um jardineiro de bom gosto, que se aproveita de tudo o que ali há.
O buxo cortado, geometricamente, em desenhos ou arabescos, os frágeis troncos dos plátanos plantados em vasos, para crescerem, as árvores de fruto, as flores, os arbustos de espinheiros, os grandes malmequeres amarelos. Tudo ali nasce, apesar da Serra, do cascalho, por milagre...
No centro do jardim, o velho sobreiro a que tiveram de cortar as ramadas mais pesadas, parece desequilibrado, parece demasiado despido, na subida para o castelo.
No centro do jardim, o velho sobreiro a que tiveram de cortar as ramadas mais pesadas, parece desequilibrado, parece demasiado despido, na subida para o castelo.
Sento-me num banco um a olhar.
Depois desço outra vez para a vila. O nevoeiro espalha-se, cobre os tectos, entranha a humidade pelos muros, a vila parece encolher-se no frio.
Notam-se mais as paredes em que a cal saltou neste Inverno duro de neve e chuvas.
Degraus escorregadios esperam-me. Percorro as ruas tortuosas, chego a uma das ruas de baixo. Muros caiados, com as rochas ásperas a saírem de dentro deles.
Quintais com limoeiros, nespereiras e as palmeiras que ali surgem, inesperadamente. Portas cerradas sobre um quintal abandonado que dá vontade de abrir. Janelas fechadas, uma flor ainda parece nascer de um pedacinho de terra, por onde apetece espreitar.
O panorama, que se vê na descida, é único: os telhados das casas brancas, a torre da igreja com seu quê de turbante árabe, no céu azul, logo cinzento, com as árvores despidas, e a paisagem sem fim, para lá de tudo.
E, de repente, a meio da rua, assisto a uma cena que me enternece.
Um senhor de certa idade passa por mim, vai andando à minha frente enquanto chama pelo cão.
Olho para trás e não vejo cão nenhum.
O senhor chama:
- Anda!
Volto a olhar para trás, intrigada. Lá vejo o cão, à curva da rua, velho, pachorrento e gordo.
- Anda!
Volto a olhar para trás, intrigada. Lá vejo o cão, à curva da rua, velho, pachorrento e gordo.
O dono continua:
- Então, não vens? Anda...
O cão vem, parando a cheirar todos os recantos, os tufos de erva molhada, os vasos encostados às paredes, que enchem as ruelas. Um cão baixo, de pelo caído até aos olhos, quase cego. Sem ligar ao que diz o dono.
- Então, não vens? Anda...
O cão vem, parando a cheirar todos os recantos, os tufos de erva molhada, os vasos encostados às paredes, que enchem as ruelas. Um cão baixo, de pelo caído até aos olhos, quase cego. Sem ligar ao que diz o dono.
O dono impacienta-se:
- Não vens? Olha que não te levo a dar o passeio que gostas!
E explica para quem passa, quer dizer, para mim, pois não passava mais ninguém...
- Não vens? Olha que não te levo a dar o passeio que gostas!
E explica para quem passa, quer dizer, para mim, pois não passava mais ninguém...
- Ele gosta muito de dar esta volta. Vamos até lá ao fundo da rua e voltamos...
Vira-se para o cão e pergunta:
- Vens ou não?
Vira-se para o cão e pergunta:
- Vens ou não?
O cão nem se moveu, entretido com o nariz dentro de um vaso.
- Ai não vens? Pois hoje já não vais dar a voltinha. Voltas para trás que é um consolo! De castigo...
Sorrio, quase sem querer.
Não sei se afinal o senhor levou o cão até ao fim da rua, a dar o passeio de que ele gostava.
Não sei se afinal o senhor levou o cão até ao fim da rua, a dar o passeio de que ele gostava.
Ou se, de castigo!, voltaram os dois para casa...
Durante um momento fizeram-me companhia. Sentia-me menos sozinha no silêncio das ruas desertas.
Cara,
ResponderEliminarTeus olhos relatam a beleza e as marcas de um tempo a muito traçado. Permaneça nessa paz estonteante que só as pedras, a terra e o ar podem conduzir.
Seja bem vinda,
Cozinha dos Vurdóns
Roubei-te quatro fotografias (com más intenções, ou seja, usá-las...).Achas que é ético propriamente?
ResponderEliminarImaginas esse velhote sem esse cão?!
Acho que Marvão devia nomear-te "filha adoptiva".É um lugar de sonho.
Beijinhos (Tem cuidado com as vertigens, se não tens ao lado quem te agarre bem...)
Podes roubar tudo do meu post! Minhas fotografias são tuas fotografias!
ResponderEliminarDepois, reparei que tinha repetido algumas... E tenho cá dezenas delas, (acho que fiz 93...), mas como faço tudo a correr nem fui ver ao outro post...
Vertigens? não tenho. Por acaso até estava sozinha. Obrigada por te preocupares!
Beijinhos!
Para as "fantásticas 5" dos vurdóns: um muito obrigada, amigas!
Venham sempre...
É sempre um encanto viajar com a minha querida amiga.
ResponderEliminarCordial abraço,
mário
Não tenho palavras...
ResponderEliminarBeijinho
Ana
Tudo lindo! Adorei!
ResponderEliminarNunca fui ao Marvão mas hei-de là ir um dia;o)
***
Beijos e obrigada pela partilha****
Paisagens lindíssimas, captadas por um líndíssimo olhar.
ResponderEliminarAqui tão perto e alguns sítios não os conheço.
Tenho que ir visitar Marvão com tempo.
Um abraço, Maria João!!