sexta-feira, 10 de junho de 2011

"Camões, grande Camões" já dizia Bocage. Reviver "Os Lusíadas", hoje dia de Camõess


pintura ingénua, aliás "fresco", na parede da piscina Municipal de S. João


Voltando a "Os Lusíadas", hoje dez de Junho, dia de Camões


Os Lusíadas, Canto I

1

As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia lusitana
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana
(...)

2
E também as memórias gloriosas

daqueles Reis (...)

E aqueles que por obras valerosas
se vão da lei da morte libertando:

Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte
."


É tudo isto -ou, antes, todos estes- que o poeta pretende "cantar"!
William Turner, tempestade à entrada de Calais

Camões é um grande poeta!

Quase desconhecido. Esquecido, também ele... Quem o lê?

A não ser nas escolas, mal amado pelos alunos que o não entendem tantas vezes.

Mal amado pelos professores que sentem dificuldades em explicá-lo e torná-lo "amável" para os alunos.Mal amado pelo comum dos mortais, que o ignoram.

Vá lá, o nome do poeta ainda conhecem. De facto, hoje é o dia de Camões!

- Mas... quem era este Camões, afinal?, infelizmente ainda perguntarão.

- Um poeta zarolho, sabem alguns.

- O que rescreveu Os Lusíadas, dizem outros.


"Os Lusíadas", 1ª edição


- E esses "Lusíadas"? Não eram uma grande maçada? Eram, não eram?!

Não, não eram uma "grande maçada"!

São, sim, um grande poema, uma história infindável que se pode começar a ler em qualquer dos seus Cantos.

Mas quem sabe o que são os Cantos, ou quantos tem? Quem pensa nele a sério?

Herbert James Draper, "Sereias atraindo Ulisses"

E logo o encanto chega, pela magia da pa
lavra, pelo "conto", pela imaginação, pelo saber enorme, pelo "engenho" enorme do seu autor.


William Turner, Naufrágio

Praias e rochas, penedos com forma de gigantes, correntes que arrastam as naus e perigam a navegação.


foto MJF

E sempre a coragem!
A descrição da "tromba marítima", o receio das figuras marinhas que atraem os marinheiros pela sua intensa beleza, corpos lindos. E as traições pelos orientes fora...


A Sereia, de John Waterhouse


Pela música mágica que o envolve e pelos versos magníficos que falam de deuses e de ninfas, de deuses que se comportam como seres humanos, de homens que se elevam ao lugar dos deuses na Ilha flutuante dos amores, cheia de frutos e flores nunca contemplados...
Sereias, do pintor russo Kromskoï


E lá vamos nós presos atrás do poeta e da palávra, por mares e tempestades, rios e mares, céus azúis e tempestuosos!



Dom quixotes marinhos de lança e remos, arrostando os mares e as ciladas dos deuses e dos homens.
"Dom Quixote", de Manuel d'Assumpção


Lá partimos, a viver as suas aventuras, e lá voltamos com ele da grande viagem maravilhosa...
O poeta lúcido sempre, queixa-se, sabe bem que não será entendido completamente. Fala do seu saber "de experiência feito" e do seu engenho que os outros não compreenderão nunca inteiramente.


Reconhece "cantar a gente surda e endurecida..."
Sabe que os louvores e o reconhecimento não serão para ele:

Camões lê Os Lusíadas aos frades dominicanos, pintura de António Carneiro


"
O favor com que mais se acende o engenho/ Não no dá a pátria (...)"

Conhece os governantes, conhece os homens e as suas fraquezas.

Fala de si sem falsa modéstia, sabendo o que vale ("coisas que juntas se encontram raramente...").


"Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente."

A amargura e a tristeza sentem-se bem nestes versos do final do poema.


É a despedida do seu poema...

Estão quase a chegar a Lisboa. O céu sereno recebe-os. A foz do Tejo aproxima-se e a pátria amada está à vista.

Para trás ficam os perigos mortais, as ameças e as armadilhas dos deuses e das forças da natureza, os ventos, as tempestades, o encanto das sereias, os mistérios dos mostrengos e tantos outros males.

Em frente, tranquilas, as águas do Tejo ameno e a sua foz espraiada.

Ouçam, então, estes versos, versos que o poeta, desiludido e cansado, sabe que não mais (nô mais, Musa, nô mais...) voltará a escrever... (Os Lusíadas, Canto X):

estância144

"Assi foram cortando o mar sereno,

Com vento sempre manso e nunca irado,

Até que houveram vista do terreno

Em que naceram, sempre desejado.

Entraram pela foz do Tejo ameno,

E à sua pátria e Rei temido e amado

O prémio e glória dão por que mandou,

E com títulos novos se ilustrou".

estância 145

"Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

Duma austera, apagada e vil tristeza".


estância 154


"Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,

De vós não conhecido nem sonhado?

Da boca dos pequenos sei, contudo,

Que o louvor sai às vezes acabado.

Nem me falta na vida honesto estudo,

Com longa experiência misturado,

Nem engenho, que aqui vereis presente,

Cousas que juntas se acham raramente."


Um bom dia de Camões, pensando nos seus versos!



NOTAS - PARA QUEM ESTIVER INTERESSADO:
(1)

"Os Lusíadas é uma obra poética do escritor Luís Vaz de Camões, considerada a epopeia portuguesa por excelência.


Provavelmente concluída em 1556, foi publicada pela primeira vez em 1572 no período literário do classicismo, três anos após o regresso do autor do Oriente.
A obra é composta de dez cantos, 1102 estrofes que são oitavas decassílabas, sujeitas ao esquema rítmico fixo AB AB AB CC – oitava rima camoniana.
A acção central é a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama (2), à volta da qual se vão descrevendo outros episódios da História de Portugal, glorificando o povo português."

4 comentários:

  1. Mais um grande de Portugal - Camões.
    Belo, e apaixonante, assim o é. Me lembro dos trechos que tínhamos que ler na escola, todo brasileiro sabia quem era e de seus feitos, fazia parte das nossas aulas de história.
    Muito bom ver que muitos o fazem homenagem e recordam seus escritos.
    Os lusíadas - entregamos a leitura do salão. Estão lendo Camões - fiquei feliz.

    5 bjs

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  2. Camões e Turner é uma combinação perfeita. Gosto muito da escrita em forma de cantos.

    Um abraço do Brasil!

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  3. Quando era miuda zampei os tres tomos da biografia de Camões de Campos Júnior, e fiquei apaixonada pelo personagem, que tem uma vida de novela ( negra). Ainda me lembro (!) que quando embarca para a Índia, já com uma vida de sofrimento às costas, amores impossíveis e injustiças vergonhosas, ao ver como a sua Lisboa vai ficando para trás, compõe estes versos:

    Esta é a ditosa Pátria minha amada
    À qual se o céu me dá que eu sem perigo
    Volte com esta empresa já acabada
    Acabe-se esta luz aí comigo!

    O que está muito claro é que os verdadeiros génios não morrem nunca, nunca!
    Beijinhos

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  4. MJ Falcão,
    Não há palavras para descrever a beleza deste post na combinação perfeita das imagens com o poeta e o texto.
    Os Lusíadas mal amado mas não esquecido!
    Todos os anos ele sai e grita estou aqui e em todo o mundo. Há cantos que visito mais que outros, o da trágica Inês e o do Mostrengo por razões elevadas que julgo conhece. Também hoje, lembrei Camões.
    Beijinhos. :)

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