sábado, 8 de agosto de 2009

E volto a "Os Olhos de Jade"...




"Os Olhos de Jade"



Capítulo 3


Todas pensavam na morte de Abigail. A doce Abigail, desaparecida. Emily, de repente, perguntou:
-E o que diz o Gabriel, Joan? perguntou Emily. O que diz ele? É uma pessoa estranha... -acrescentou.
Calou-se logo. A sua timidez não a deixava continuar, respeitava demasiado os outros, não gostava de ser injusta nos julgamentos. Procurou as palavras certas, sem conseguir encontrá-las.
-Do assassínio da minha mãe, queres tu dizer? O Gabriel? Nada. Nem lhe falei nisso...Quase não nos vimos desde que cheguei e pouco falámos. Aliás, como sempre...
Joan olhou-a nos olhos e continuou:

- Nunca nos entendemos bem, quando aqui vivi... Vinha de férias e queria estar sozinha com a mãe, passear com ela, brincar só as duas, à volta da casa...
Pensava nos verões enormes, nas áleas cheias de flores, nos outonos, como o de agora, com as árvores vermelhas...
-Sim. Era bom nesse tempo. Hoje penso que tinha ciúmes dele. De certa forma, era um intruso. Viera substituir o meu pai. Admito ter sido injusta ...
-Eu sei, concordou Helen, nenhuma de nós o conhece bem, não é?...
E continuou, escolhendo as palavras:
-É uma pessoa complicada... Introvertido demais para o meu gosto, que sou espontânea! Fecha-se, nunca sabes o que se passa lá dentro. É um intelectual! Nunca percebi por que é que a tua mãe casou com ele...
Hesitou:
-Toda a gente sabe... Creio que tu sabes... aliás a tua mãe também sabia, tinha que saber. Bem, quero dizer... Ele é...
E olhava de lado para Joan. Ela sorriu:
-É gay, como se diz hoje. Era o que as duas queriam dizer. Pois é. Um dia a mãe disse-me que o casamento deles era como um negócio, não me explicou porquê. Mas sei que o estimava.
Emily levantou os olhos para Joan, parecia mais descansada por a ver reagir daquela maneira.
- Ainda bem...
- É um intelectual, repetiu Helen.
- Eu evitava-o, mas reconheço que tem valor, é um homem culto, uma pessoa sensível...
E Joan continuou, irritada:
-Um intelectual, dizes tu?... Mas isso é positivo!
-Eu não estava a criticar...
-O Michael gosta dele, respeitou-o desde miúdo e as crianças sabem avaliar as pessoas. Têm uma sensibilidade e uma intuição enormes, “sentem” o bem ou o mal, a afectividade, a sinceridade dos adultos... Ele viveu mais com eles, eu estava a maior parte do tempo no colégio, vinha só nas férias...

-Talvez o Michael tenha razão, eu acho-o apenas diferente, talvez delicado demais...
Helen parecia desculpar-se:
-A tua mãe falou num negócio? Estranho negócio, na verdade. Sabes como a respeitámos sempre, por isso, se o fez, alguma razão teve. Chegou aqui, sozinha, com vocês os dois, pequenos. O teu pai tinha desaparecido.
- Sim, foram tempos muito duros, foi difícil arranjar um trabalho..., suspirou Emily.
-Pois foi, concordou Helen, muito duros mesmo. Só depois é que teve notícias do David... Já não vivia com a mulher com quem fugiu, tinha arranjado uma americana rica...
E Helen acrescentou, preocupada:
-Isto era a tua mãe que contava, não estou a inventar nada! Mas não sei qual era a verdade, nem soube o que se passou na realidade. Ela falava de maneira vaga. Era como se estivesse a ver, ao longe, uma imagem horrível que quisesse afastar.
-É verdade. Eu tinha a mesma sensação... -concordou Emily.
Helen continuou:
-Às vezes era misteriosa... Assustavam-me os olhos dela. Havia tristeza, é certo, mas ao mesmo tempo tanta dureza. Diria, quase ódio! Percebi que não queria falar do passado...
Fixou os olhos na boquilha de âmbar, que, momentos antes, pousara na mesa, voltou a pegar-lhe e apertou-a com força.
-Mas que ódio? A minha mãe não era pessoa de odiar. Era boa... Como puderam matá-la!?
-Ela morreu... Não podes ter a certeza que a mataram!
E continuou, séria:
-Do passado dela, nunca perguntei pormenores. Via que a magoava. Anos depois é que casou com o Gabriel. Sei que tiveram que ir casar à América, por causa do divórcio e essas coisas todas. Nem sei bem como foi, ela não explicou.
As outras ouviam-na sem a interromper.
-Vocês ficaram com a avó, a mãe da Abigail, que ainda era viva nessa altura. Tu, Joan, não olhavas para ninguém, sempre triste. O Michael era um miúdo...
- O Michael... Demo-nos sempre bem!
- Eu sei... Andava por aí, a brincar. Lembro-me do seu sorriso com duas covinhas na cara... Tu quiseste ir para um colégio, interna... Foi um casamento rápido, talvez um negócio como ela te dizia... Mas, porquê o Gabriel?
Emily arregalara os olhos:
-Não percebes? Como é que não percebes? Porque no fundo ela ainda amava o David, sempre o amou... O Gabriel era o Gabriel... Tinha confiança nele, sabia que nunca lhe pediria nada, nem amor...
Helen continuou, como se não a tivesse ouvido:
-Conheceram-se todos em África. Parece-me que o Gabriel foi o que viveu lá menos tempo, voltou para Inglaterra antes, arranjou aquele lugar na Universidade de Brighton. É professor de arte, não é? Ou será comerciante de arte?
-Tem uma pequena galeria de restauro de quadros antigos..., atalhou Joan. E é professor...
-Não sei, nem interessa para o caso. Tinha o seu club, vivia a sua vida, independente, não incomodava ninguém... E a Abigail casou com ele...
Helen falava devagar, controlando-se, não queria deixar-se dominar pela emoção, mas tudo a tocava como se estivesse em carne viva. Abigail fora a sua maior amiga. E continuou:
-O Rudolph conheceu-o em África. Depois de casarmos.
Helen calara-se, de repente, pensativa.
- Foi sozinho. Ou fui eu que não quis ir? Bem, ele nem me perguntou... Nessa altura ganhou muito dinheiro, falou de negócios importantes. Andou pela África do Sul e sei lá que mais!
Helen calara-se outra vez, fixando os olhos no cigarro aceso. Parecia concentrar-se. Depois, acrescentou:
-Quando voltou, parecia uma pessoa diferente. Estranhei-o. Só nessa altura é que a tua mãe o conheceu. Nunca simpatizou com ele... E o Rudolph também não gostava dela...
-Da mãe? Como é possível? Toda a gente gostava dela!
-Nunca mo disse claramente, mas eu percebia. Evitava-a. Receava o que ela dizia, o seu sentido do humor...
-E ela?
-Ignorava-o, não lhe dirigia a palavra. Devia achar que eu podia ter escolhido melhor. E tinha toda a razão...
Baixou os olhos e apagou o cigarro.
Ficaram caladas, a olhar para fora. As árvores do jardim, de folhas vermelhas, pareciam chamar Abigail.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo blog espectacular! de certeza que vou voltar...e continuar a ler "Os olhos de Jade "

    mil beijinhos
    delfina

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