terça-feira, 11 de maio de 2010

"Almas e Terras por onde eu passei..." e a escritora Luísa Grande, nascida na minha cidade



Hoje lembro, de passagem, uma escritora grande de Portalegre, a minha terra: Luísa Maria Grande, que escreveu com o pseudónimo de "Luzia".
Recordo o livro que era da minha mãe: "Almas e terras por onde eu passei" que, ao longo da minha vida itinerante pelo mundo fora tantas vezes me lembrava desse nome...

Terras, almas...
Uma vez uma aluna, pouco depois do primeiro regresso -da que foi a minha primeira partida-, disse-me, meio a sério, meio a brincar:

"Mas isso de andar sempre a chegar e a partir, ora diz hello e ora diz goodbye não deve ser assim tão fácil, ó stora!"
E não era...
Chegar, partir...

Como a poetisa da minha terra, pensei muitas vezes:

Eu já mal sei donde sou. Como certas plantas em todos os terrenos deito raízes. Onde chego, julgo sempre que vou ficar.” (in "Cartas")
E "deitava raízes" e adaptava-me...
Mas outras vezes:
«Partir! Mudar! Ver sempre novos horizontes novas terras! Ah! Como tu és feliz! Como nós te invejamos! – exclamam, em coro, as minhas amigas.«E eu não ouso confessar-lhes quanto lhes invejo a doçura de ficar...»

Luísa Susana Grande de Freitas Lomelino nasceu na cidade de Portalegre, em 1875, e faleceu a 10 de Dezembro de 1945 na sua casa de residência no Funchal.

Poucos dados tenho sobre a escritora e recorro ao blog de Rui Nepumoceno que dela fala, demoradamente, sobretudo da sua vida na Madeira.

"Além duma educação esmerada e de ter visitado várias cidades europeias, Luísa Grande foi uma das mais brilhantes e cultas escritoras portuguesas dos fins do século XIX e das primeiras décadas do XX; tendo sido considerada, «O Eça de Queirós de Saias», numa época em que as mulheres tinham extrema dificuldade em se afirmar, publicamente, como autoras literárias.Utilizando nos seus trabalhos o pseudónimo de «Luzia»; Luísa Grande Lomelino, só bastante tarde começou a escrever e a publicar, incentivada pela sua talentosa amiga, também escritora e investigadora, Dª Maria Amélia Vaz de Carvalho. (...) depois de ter publicado o seu primeiro livro, Luzia jamais deixou de escrever, mesmo após ter adoecido e ficado cega. "

No site da Biblioteca Municipal do Funchal encontrei outras informações:

"Casou com Francisco João de Vasconcelos a 3 de Abril de 1896 de quem se divorciou aos 36 anos. O divórcio só foi tornado possível depois da proclamação da República através da lei de 3 de Novembro de 1910. Não voltou a casar, embora não lhe faltassem pretendentes.
Passou o resto dos seus dias a viajar entre Paris, Lisboa e Funchal."
Ainda recorro a outro blog -"Verportalegre"-, 15/02/2009, onde descobri fotografias da casa da família Grande e esta referência à sua localização:
"No Monte Paleiros, freguesia de Ribeira de Nisa, existe uma notável moradia. Trata-se de uma propriedade que já pertenceu à família Grande e destacamos nomes como Dr. José Maria Grande (botânico, nascido em 1848) e Luísa Grande (Poetisa Luzia)."

Agradeço ao bloguista, meu conterrâneo, as fotografias que "retirei" e aqui pus da casa de Luzia, em Monte Paleiros, onde tantas vezes passo a caminho de Marvão ou Castelo de Vide, quando estou em Portalegre...
Alguns títulos de obras da autora:
Rindo e Chorando (Portugália, 1922);
Lições da Vida: impressões e comentários (Portugália, s/d);
Cartas do Campo e da Cidade (1923);
Os Que se Divertem – A Comédia da Vida; (1931);
Sobre a Vida e sobre a Morte: máximas e reflexões ( Lisboa, 1931)
Almas e Terras Onde eu Passei (Edições Europa, Lisboa, 1936);
Cartas de uma vagabunda (não encontrei outras referências)
Uma Rosa de Verão : cartas de mulheres (1940)

Bibliografia sobre Luísa Maria Grande:
CLODE, Luís Peter – Registo bio-bibliográfico de madeirenses: sécs. XIX e XX. Funchal: Caixa Geral de Depósitos, [1983]. P.251.

CONDE, José Martins dos Santos – Luzia: o Eça de Queiroz de saias. Portalegre: Edição do autor, 1990.

Mas o que mais me entusiasmou foi o que li e que vos vou aqui deixar. A delicadeza da prosa, quase poética, o colorido, a ternura, a sensibilidade. Sem querer, pensei em Florbela Espanca, em Irene Lisboa...
Talvez menos dolorida do que as outras, verdadeira sempre, como elas...

Das Cartas:
«Entretanto, entramos no Outono, o formosíssimo Outono do Monte. Começam a abotoar as beladonas. Ao jardim azul vai suceder o jardim cor-de-rosa. Depois, em Dezembro, o jardim branco, sob a neve perfumada das azáleas… Mas, já o meu humor vagabundo me leva para longe outra vez. Onde estarei quando abrirem as beladonas? Donde evocará a minha saudade o brando aroma das azáleas?
«Partir! Mudar! Ver sempre novos horizontes novas terras! Ah! Como tu és feliz! Como nós te invejamos! – exclamam em coro, as minhas amigas.
«E eu não ouso confessar-lhes quanto lhes invejo a doçura de
ficar.»
Sobre a sua amada Madeira -e seus benefícios...

«E, se tão amáveis milagres não conseguirem seduzir-te, outro maior, melhor, te prometo ainda. Queres ficar inteiramente nova, inteiramente menina? Vem à Madeira.
«Tens pouco mais de vinte anos, bem sei. Mas, em cada dia que passa, na breve existência, cai uma folha, fana-se uma flor… É curta a Primavera. E todos os caminhos, alegres ou tristes, escuros ou luminosos, levam-nos para a velhice.
Só na Madeira – terra mil vezes abençoada! – a gente pode ter dobrado o cabo perigoso dos trinta e mesmo o cabo tormentoso – tormentosíssimo! - dos quarenta, e creio que aquele em que se deixou toda a esperança, como na porta do Inferno de Dante, o dos cinquenta.
«Desde a criada que nos serve, o carreiro que conduz o nosso confortável carrinho, a mulher da Camacha que nos vende flores e o caixeiro que nos vende bordados, todos nos chamam:
- Menina!
«Assim é perfeitamente em vão que, cada manhã, o meu espelho anuncia mais uma ruga, mais um cabelo branco. Entra a criadinha, tão fresca no vestido engomado, diz-me na sua estranha entoada madeirense:
«- Bons dias, menina (menaina). E eu logo me convenço: Foi o espelho que mentiu… É um espelho maldoso, caluniador. Sou nova outra vez… Sou menaina»!
Ou esta passagem sobre o soldadinho que regressa da Guerra:
«E enquanto se desenrolam tão inesperados acontecimentos, tão rápidas, quase inverosímeis mudanças de cenário, o soldadinho do campo, o soldadinho improvisado, que nunca entendeu porque lhe puseram ao ombro o peso da espingarda, porque lhe entalaram os pés na tortura das botas, ri, com um largo riso, que todo o seu rosto ilumina…

«Não sabe, nem procura saber, de que lado estava a razão. Aos que lhe perguntam com ironia:
- Quem ganhou? – responde simplesmente; - Ganhou quem tinha mais força…
E - lição para tantos! Acrescenta – Dizem que poucos morreram … Pena foi que morresse alguém!
«Acabou o pesadelo. Vai voltar à sua aldeia, onde tudo o chama e acolhe, desde a bênção da mãe, aos olhos da namorada. Tão leve como o corpo sente o coração. Não causou perca nem dano, não quis mal a ninguém.

Ah! Rica, bela coisa, livrar-se da caserna, dizer adeus à cidade! Para outras bulhas não o chamem… Quem as arme que as desarme. "
Site do Município de Portalegre:
"Nas letras distinguiram-se: Cristovão Falcão, José Duro e Luísa Grande (Luzia), nascidos nesta cidade, Frei Amador Arrais e José Régio, poeta que aqui viveu deixando uma obra vasta e cujo museu com o seu nome merece ser visitado."

1 comentário:

  1. Pode considerar-se afortunada por ter regressado sempre,eu nunca voltei a nenhuma parte,a minha vida é uma história de partidas sem retornos.Com os anos,e tantas despedidas,"a gente já nâo é a gente",vai-se-nos dissolvendo a identidade,há como um sentimento persistente de perca,de solidâo,de saudade.Beijinhos de uma desarraigada total.

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