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Hoje lembro, de passagem, uma escritora grande de Portalegre, a minha terra: Luísa Maria Grande, que escreveu com o pseudónimo de "Luzia".
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Recordo o livro que era da minha mãe: "Almas e terras por onde eu passei" que, ao longo da minha vida itinerante pelo mundo fora tantas vezes me lembrava desse nome...
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Terras, almas...
Uma vez uma aluna, pouco depois do primeiro regresso -da que foi a minha primeira partida-, disse-me, meio a sério, meio a brincar:
"Mas isso de andar sempre a chegar e a partir, ora diz hello e ora diz goodbye não deve ser assim tão fácil, ó stora!"
E não era...
Chegar, partir...
Como a poetisa da minha terra, pensei muitas vezes:
“Eu já mal sei donde sou. Como certas plantas em todos os terrenos deito raízes. Onde chego, julgo sempre que vou ficar.” (in "Cartas")
Como a poetisa da minha terra, pensei muitas vezes:
“Eu já mal sei donde sou. Como certas plantas em todos os terrenos deito raízes. Onde chego, julgo sempre que vou ficar.” (in "Cartas")
E "deitava raízes" e adaptava-me...
Mas outras vezes:
«Partir! Mudar! Ver sempre novos horizontes novas terras! Ah! Como tu és feliz! Como nós te invejamos! – exclamam, em coro, as minhas amigas.«E eu não ouso confessar-lhes quanto lhes invejo a doçura de ficar...»
Luísa Susana Grande de Freitas Lomelino nasceu na cidade de Portalegre, em 1875, e faleceu a 10 de Dezembro de 1945 na sua casa de residência no Funchal.
Luísa Susana Grande de Freitas Lomelino nasceu na cidade de Portalegre, em 1875, e faleceu a 10 de Dezembro de 1945 na sua casa de residência no Funchal.
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Poucos dados tenho sobre a escritora e recorro ao blog de Rui Nepumoceno que dela fala, demoradamente, sobretudo da sua vida na Madeira.
"Além duma educação esmerada e de ter visitado várias cidades europeias, Luísa Grande foi uma das mais brilhantes e cultas escritoras portuguesas dos fins do século XIX e das primeiras décadas do XX; tendo sido considerada, «O Eça de Queirós de Saias», numa época em que as mulheres tinham extrema dificuldade em se afirmar, publicamente, como autoras literárias.Utilizando nos seus trabalhos o pseudónimo de «Luzia»; Luísa Grande Lomelino, só bastante tarde começou a escrever e a publicar, incentivada pela sua talentosa amiga, também escritora e investigadora, Dª Maria Amélia Vaz de Carvalho. (...) depois de ter publicado o seu primeiro livro, Luzia jamais deixou de escrever, mesmo após ter adoecido e ficado cega. "
No site da Biblioteca Municipal do Funchal encontrei outras informações:
"Casou com Francisco João de Vasconcelos a 3 de Abril de 1896 de quem se divorciou aos 36 anos. O divórcio só foi tornado possível depois da proclamação da República através da lei de 3 de Novembro de 1910. Não voltou a casar, embora não lhe faltassem pretendentes.
Passou o resto dos seus dias a viajar entre Paris, Lisboa e Funchal."
Passou o resto dos seus dias a viajar entre Paris, Lisboa e Funchal."
Ainda recorro a outro blog -"Verportalegre"-, 15/02/2009, onde descobri fotografias da casa da família Grande e esta referência à sua localização:
"No Monte Paleiros, freguesia de Ribeira de Nisa, existe uma notável moradia. Trata-se de uma propriedade que já pertenceu à família Grande e destacamos nomes como Dr. José Maria Grande (botânico, nascido em 1848) e Luísa Grande (Poetisa Luzia)."
"No Monte Paleiros, freguesia de Ribeira de Nisa, existe uma notável moradia. Trata-se de uma propriedade que já pertenceu à família Grande e destacamos nomes como Dr. José Maria Grande (botânico, nascido em 1848) e Luísa Grande (Poetisa Luzia)."
Agradeço ao bloguista, meu conterrâneo, as fotografias que "retirei" e aqui pus da casa de Luzia, em Monte Paleiros, onde tantas vezes passo a caminho de Marvão ou Castelo de Vide, quando estou em Portalegre...
Alguns títulos de obras da autora:
Rindo e Chorando (Portugália, 1922);
Lições da Vida: impressões e comentários (Portugália, s/d);
Cartas do Campo e da Cidade (1923);
Os Que se Divertem – A Comédia da Vida; (1931);
Sobre a Vida e sobre a Morte: máximas e reflexões ( Lisboa, 1931)
Almas e Terras Onde eu Passei (Edições Europa, Lisboa, 1936);
Cartas de uma vagabunda (não encontrei outras referências)
Uma Rosa de Verão : cartas de mulheres (1940)
Bibliografia sobre Luísa Maria Grande:
CLODE, Luís Peter – Registo bio-bibliográfico de madeirenses: sécs. XIX e XX. Funchal: Caixa Geral de Depósitos, [1983]. P.251.
CONDE, José Martins dos Santos – Luzia: o Eça de Queiroz de saias. Portalegre: Edição do autor, 1990.
CONDE, José Martins dos Santos – Luzia: o Eça de Queiroz de saias. Portalegre: Edição do autor, 1990.
Mas o que mais me entusiasmou foi o que li e que vos vou aqui deixar. A delicadeza da prosa, quase poética, o colorido, a ternura, a sensibilidade. Sem querer, pensei em Florbela Espanca, em Irene Lisboa...
Talvez menos dolorida do que as outras, verdadeira sempre, como elas...
Das Cartas:
«Entretanto, entramos no Outono, o formosíssimo Outono do Monte. Começam a abotoar as beladonas. Ao jardim azul vai suceder o jardim cor-de-rosa. Depois, em Dezembro, o jardim branco, sob a neve perfumada das azáleas… Mas, já o meu humor vagabundo me leva para longe outra vez. Onde estarei quando abrirem as beladonas? Donde evocará a minha saudade o brando aroma das azáleas?
«Partir! Mudar! Ver sempre novos horizontes novas terras! Ah! Como tu és feliz! Como nós te invejamos! – exclamam em coro, as minhas amigas.
«E eu não ouso confessar-lhes quanto lhes invejo a doçura de ficar.»
«Partir! Mudar! Ver sempre novos horizontes novas terras! Ah! Como tu és feliz! Como nós te invejamos! – exclamam em coro, as minhas amigas.
«E eu não ouso confessar-lhes quanto lhes invejo a doçura de ficar.»
Sobre a sua amada Madeira -e seus benefícios...
«E, se tão amáveis milagres não conseguirem seduzir-te, outro maior, melhor, te prometo ainda. Queres ficar inteiramente nova, inteiramente menina? Vem à Madeira.
«Tens pouco mais de vinte anos, bem sei. Mas, em cada dia que passa, na breve existência, cai uma folha, fana-se uma flor… É curta a Primavera. E todos os caminhos, alegres ou tristes, escuros ou luminosos, levam-nos para a velhice.
Só na Madeira – terra mil vezes abençoada! – a gente pode ter dobrado o cabo perigoso dos trinta e mesmo o cabo tormentoso – tormentosíssimo! - dos quarenta, e creio que aquele em que se deixou toda a esperança, como na porta do Inferno de Dante, o dos cinquenta.
«Desde a criada que nos serve, o carreiro que conduz o nosso confortável carrinho, a mulher da Camacha que nos vende flores e o caixeiro que nos vende bordados, todos nos chamam:
- Menina!
«Assim é perfeitamente em vão que, cada manhã, o meu espelho anuncia mais uma ruga, mais um cabelo branco. Entra a criadinha, tão fresca no vestido engomado, diz-me na sua estranha entoada madeirense:
«- Bons dias, menina (menaina). E eu logo me convenço: Foi o espelho que mentiu… É um espelho maldoso, caluniador. Sou nova outra vez… Sou menaina»!
Ou esta passagem sobre o soldadinho que regressa da Guerra:
«E enquanto se desenrolam tão inesperados acontecimentos, tão rápidas, quase inverosímeis mudanças de cenário, o soldadinho do campo, o soldadinho improvisado, que nunca entendeu porque lhe puseram ao ombro o peso da espingarda, porque lhe entalaram os pés na tortura das botas, ri, com um largo riso, que todo o seu rosto ilumina…
«Não sabe, nem procura saber, de que lado estava a razão. Aos que lhe perguntam com ironia:
- Quem ganhou? – responde simplesmente; - Ganhou quem tinha mais força…
E - lição para tantos! Acrescenta – Dizem que poucos morreram … Pena foi que morresse alguém!
«Acabou o pesadelo. Vai voltar à sua aldeia, onde tudo o chama e acolhe, desde a bênção da mãe, aos olhos da namorada. Tão leve como o corpo sente o coração. Não causou perca nem dano, não quis mal a ninguém.
Ah! Rica, bela coisa, livrar-se da caserna, dizer adeus à cidade! Para outras bulhas não o chamem… Quem as arme que as desarme. "
Site do Município de Portalegre:
"Nas letras distinguiram-se: Cristovão Falcão, José Duro e Luísa Grande (Luzia), nascidos nesta cidade, Frei Amador Arrais e José Régio, poeta que aqui viveu deixando uma obra vasta e cujo museu com o seu nome merece ser visitado."
"Nas letras distinguiram-se: Cristovão Falcão, José Duro e Luísa Grande (Luzia), nascidos nesta cidade, Frei Amador Arrais e José Régio, poeta que aqui viveu deixando uma obra vasta e cujo museu com o seu nome merece ser visitado."
Pode considerar-se afortunada por ter regressado sempre,eu nunca voltei a nenhuma parte,a minha vida é uma história de partidas sem retornos.Com os anos,e tantas despedidas,"a gente já nâo é a gente",vai-se-nos dissolvendo a identidade,há como um sentimento persistente de perca,de solidâo,de saudade.Beijinhos de uma desarraigada total.
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