Andei por fora, há uns tempos, e passei por Salamanca. Há muito que lá não ia, tinha esquecido talvez a beleza, o equilíbrio, o peso da Universidade, da Cultura, da História?
Impressionou-me do mesmo modo. Bela e severa Salamanca, cor de areia e de pó. Feita de pedra dourada. De ruas estreitas e de praças abertas.
Escultura representando os arquitectos da Plaza Mayor, os irmãos Churriguera. Apanhados de costas...
Revi a Plaza Mayor. Imponente e harmoniosa. Na manhã de sol de um dia frio.
Salamanca com a sua Catedral Vieja, românica, com os seus góticos espalhados pela cidade, os barrocos, pesados e leves, ou as filigranas da fachada da Universidade...
O dia a dia de uma cidade do interior, isolada, fechada na sua grandeza. Religiosa e culta.
Salamanca. Passagem sempre inesquecível...
O dia a dia, o sagrado e o profano...
Deslumbrante ir ver a Catedral Vieja e as Capelas de Talavera, de Anaya, de Santa Catalina. O fantástico Museu da Catedral.
fresco representando Santa Catarina
A Catedral Nueva...O Patio de las Escuelas, naquela pequenina Praça, ao fundo da Calle de los Libreros. As Escuelas Menores, o Claustro, o colunato.
A Universidade. A mítica Biblioteca, fechada hoje, com o "céu de Salamanca" e os seus signos do Zodíaco que não verei portanto.
interior da Biblioteca da Universidade
Universidade, sala de aula Miguel de Unamuno
Salamanca.
Dentro, fora... Com chuva e com sol.
De noite e de dia.
Imagens que ficam nos olhos, momentos que fazem bem à alma sempre à procura, na insatisfação, na necessidade de absoluto que em todos há.
Um olhar que é só nosso, pensamos, aquele instante -aquela luz- que mais ninguém viu. Queremos "apanhá-lo" no seu momento efémero, inegualável, queremos "prendê-lo" de qualquer modo e lá vem a ilusão fotográfica, a máquina, o olho que nos segue e que perseguimos.
Realizava-se em Salamanca a 30ª Feira Municipal do Livro, este ano dedicada ao escritor Torrente Ballester (*), no ano do centenário do seu nascimento.
Ballester que nos olha, detrás dos óculos de lentes grosssas, céptico e sério, de bengala na mão, sentado no Café Novelty, debaixo das arcadas acolhedoras, em plena Plaza Mayor.
interior do Café Novelty, uma noite
Maravilhoso café dos anos vinte, trinta, ainda hoje cheio de cultura, de tempo, de lindos candeeiros arte nova, de quadros e de gente! Onde se diz que Ballester -e quantos mais?- vinha escrever e tomar café, claro...
E na "Feira do Livro", livros, livros, muitos livros!
Vi lindos livros para crianças, livros-objecto que se "tocam", que se têm ao colo como bonecos. Vi uma menina literalmente agarrada a um livro, a mexer nos bonecos com as mãozinhas, a ver o que era aquilo, a passar as páginas, a abrir as portinhas, espreitar para dentro, curiosa, com ar de querer mesmo ver, tocar, saber o que estava lá dentro... Modo inteligente de estabelecer a relação quase física, afectiva, que com um livro se deve criar.
Por isso, a internet nunca poderá substituir os livros, não poderá nunca dar aos leitores essa sensação de "presença", o prazer que se tem de virar as páginas, separar as folhas que se pegam, passar com a mão nas capa, marcar o sítio onde se vai a ler, com um lindo marcador (ofereciam alguns lindos), parar com os dedos espalmados sobre uma determinada página, a pensar, a suspirar enquanto se passa à seguinte...
Esse é o prazer físico de ler... Insubstituível.
Havia livros miniaturas, com todos os autores clássicos do mundo, a Bíblia, o Corão, as Mil e uma Noites, Dante e a Divina Comédia, poesias, romances, tragédias.
Confesso que quase comprei o "Dom Quixote" em dois volumes mínimos que cabiam os dois na minha mão fechada...
Depois pensei que ninguém -muito menos eu própria...- conseguiria ler as letras mais do que microscópicas, e desisti...
Estar ao pé de livros, vermo-nos rodeados de "tiendas" com livros é uma sensação benéfica. Respira-se outro ar.
Os monumentos, a arte que nos rodeia é outro sopro.
No domingo, dia do encerrar da Feira, houve à tarde um espectáculo cómico, de mimos galegos com um boneco espécie de "monstro bom de Lockness", em cetim verde.
Nessa noite houve um concerto no meio da Praça a das barracas dos livros. Num palco, de costas para o lindo edifício da Municipalidade, apresentou-se um grupo de música Kletzmer, os Klezmática.
Três jovens cheios de entusiasmo que conseguiram arrancar da timidez (e de uma certa apatia que nos é comum, a nós das terras do interior) a pequena plateia.
http://www.youtube.com/watch?v=TzgVMVFVFUo&feature=related
(Podem ver os "Klezmática", em espectáculo, no video acima)
*******************No final, todos batíamos palmas, ao ritmo que nos "ensinara", com o seu ar calmo e divertido, Quike Navarro, o violinista, tentando acompanhar a melodia do som do acordeão, na melancólica canção "Yiddishe Momme".
Deixo-vos um pouco dessa Salamanca que eu vi. Muito poucas fotos desta vez, para não vos cansar...
(*) O escritor Gonzalo Torrente Ballester nasceu na aldeia de Serantes, Ferrol (Corunha, Espanha) em 13 de Junho de 1910. Fez os estudos primários no Colégio de Nuestra Señora de la Merced, no Ferrol, e os secundários na Corunha, como aluno voluntário. Em 1921, apercebe-se de que a sua miopia o impedirá de seguir a carreira da Marinha de Guerra. Em 1926 matricula-se como aluno voluntário na Universidade de Santiago de Compostela.
Estátua de Torrente Ballester, no Café Novelty.Morre em Salamanca, 27 de Janeiro de 1999. Foi professor, romancista, crítico literário e teatral, dramaturgo e jornalista espanhol, enquadrado na Geraçao de 36.
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(*) Música Kletzmer
(Podem ouvir a canção "Yiddishe Momme" clicando na linha em baixo. A cantora tem uma voz linda e as imagens são tocantes - "tocam-nos" o coração, afligem-nos)
A princípio, a palavra "klezmer" (plural "klezmorim") designava apenas os instrumentos musicais, sendo posteriormente estendida aos próprios músicos - estes pouco considerados pois não conseguiam "ler" a música, tocando de ouvido. Foi só na segunda metade do século XX que "klezmer" passou a identificar um género, antes referido simplesmente como música yiddish (dos judeus da Europa Central).
O Grupo "Klezmática" -grupo pioneiro deste tipo de música, em Espanha- formado por: Quike Navarro (violino) Raúl Álvarez (acordeão) e Mirek Kasperek (violoncelo). O trabalho deles incide, principalmente, na interpretação de composições baseadas nas melodias tradicionais dos judeus Ashkenazi da Europa Central e de Leste e também na música balcânica. O repertório inspira-se na música popular dos ghettos judeus.
Olà MJ tà mt interessante isto post sobre Salamanca. Se posso dizer un verdadeiro viatico poetico. Pois nao sabia dissa Feira do Livro. Talvez uma vez vou eu tbm! Pois mt feliz de ver que ainda hà meninas agarradas ao livros e nao ao Play station. Na espera que seiam muitas porque a cultura è tbm um meio pra ter um futuro melhor.
ResponderEliminarCiao
Nela San
Olá.
ResponderEliminarSalamanca,para quem tem uma costela de galego,é estar em casa estando no mundo porque não se quer fechado.
Belas imagens,como sempre.
Recordo,também,as tascas da ruela estreita onde íamos debicar "mexilhones en su salsa",acompanhados de uma tigela de "vino blanco de Rioga",para ajudar às intermináveis conversas sobre Machado,Herédia hijo e nieto de Cambórios e outros,tantos.
Quantas coisas adormecidas,mas não esquecidas,despertou este post.
Grato.
Saudações cordiais,
mário
Obrigada aos meus dois comentadores.
ResponderEliminarSim, Nela San, também eu acho que só o livro, a "cultura dos livros" -não deixando que as técnicas, as tais play-stations, a pp internet se sobreponham- nos poderá "salvar", permitir que continuemos sobretudo "humanos"...
Obgd amigo Trepadeira. Também fiquei com saudades das "suas" saudades (como é bonito "ai, Antonito el Camborio, hijo e nieto de Camborios..."), os tais mejillones en su salsa...
Volte lá! não desista!
Vamos voltar, não é?
Abraço
o falcão
Olá, Nela San! lembrei-me de vir perguntar onde vive? De onde é?
ResponderEliminarL'Italia è tutta bellissima, non è vero? Quanto mi manca Roma!!!!
Quando voltei "definitivamente", passei sobre Genova a chorar e a ouvir uma cassette com a canção "Roma, non far la stupida stasera..."!
Nela San é um nome muito bonito ("San", de "Shosho San" a mMdame Butterfly? de Puccini? Estou a brincar...
bacioni
Bem um pouco de informação sobre mim estão no meu blog
ResponderEliminarse querer posso dar o endereço dele. Nela: acho seja o diminutivo em Português de Manuela, não é? E San é o início do meu sobrenome.
Eu moro em uma pequena aldeia perto de Ravenna e se um dia voltar para a Itália eu ficaria feliz de mostrar a cidade bizantina.
Curioso, a me invece manca molto il Portogallo (venivo per lavoro e per vacanza). Forse dovremmo fare un cambio di residenza come gli studenti tedeschi che fanno il DAAD (Deutscher Akademischer Austausch Dienst) ma, lamento, non ho più l'età per farlo :-)
Bom fin de semana
Claro que sim! Manda o blog, Nela, gostava muito de o ver!
ResponderEliminarRavenna è senzaltro bellissima...
Baci
Já descobri o blog (ou são dois?). Ou não fosse como tu um espírito "detectivesco"! Cá em casa eu sou o Watson e a minha filha é o Sherlock Holmes (marido e filho não percebem nada disto...)
ResponderEliminarVou já dar uma olhadela! Pareceu-me bem interessante: ao meu gosto! Temos muito que falar de policiais...
Complimenti!
Adorei, Maria João!!
ResponderEliminarParabéns!
Olà Maria João, acho temos mt bom pontos em comun!
ResponderEliminarEu tbm tenho uma filha e um filho (e, claro, um marido). Efetivamente hà 2 blogues, mais simplemente o mais velho fica um pouco abandonado porque nessa altura não tive o titulo apropriado que baptisei (battezzai, non sono sicura di averlo scritto bene nella Sua lingua) depois no outro.
Pois, pois issa vida em S. Tomé que bom! Sabes que pra ter o autografo na edição Pt de Equador fui um dia à Feira do Livro de Torino (desde 04.30 da manha e regresei a meia-noite)! Pura locura...
Boa Noite.